sexta-feira, 4 de maio de 2018

O eléctrico 24 e a triste Lisboa



 Utilizar exclusivamente  o 58 como termo comparativo é curto ... Trata-se fundamentalmente de que os eléctricos das carreiras históricas deixaram de ser um serviço para as populações Locais e os Lisboetas . Tornaram-se exclusivamente numa atracção turística. É portanto absolutamente "naif" ou ilustrativo de uma grave incapacidade realista de reflexão abrangente de considerar, nestas circunstâncias, o regresso do 24 como um grande progresso para a Lisboa Local utilizando títulos megalómanos como: "Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade: o regresso do E-24" ...Nas actuais circunstâncias, o regresso do 24, será um "gigantesco passo" para a Lisboa Globalizada ... mas um desastroso passo para a Lisboa Local, a Lisboa dos Lisboetas. 
António Sérgio Rosa de Carvalho
OVOODOCORVO

O eléctrico 24 e a triste Lisboa

O 24 não vai resolver nenhum problema de mobilidade dos cidadãos: pelo contrário transtorna e dificulta o percurso do autocarro 58, que liga partes extremas de Lisboa. A política é clara: é bom para os turistas!

Fernando Sobral | fsobral@negocios.pt

03 de maio de 2018 às 22:55


Com elevada pompa e muita circunstância foi inaugurada a circulação do eléctrico 24 que liga o Largo Camões a Campolide. Passados uns dias fizemos a experiência, o que no início parecia ser gratificante. Íamos meia dúzia de passageiros e nenhum turista. Até que o eléctrico, na terrífica Rua da Escola Politécnica, parou. Um carro mal estacionado impedia o progresso. Fomos avisados de que a paragem não prevista era agora um hábito porque o 24 encontrava sempre pelo caminho carros mal estacionados. Não demoraria muito, porque já a prever isso a Polícia Municipal e um carro de reboque estavam estacionados no Príncipe Real e rapidamente a situação seria desbloqueada. Pior ficou o autocarro 58, que seguia atrás, e que não o podia ultrapassar, cheio de pessoas, e que teve de parar durante todo aquele tempo. Percebi depois que o que acontecera naquele momento era um hábito, o que estava a tornar a já complicada Escola Politécnica uma rua impossível de circular para os transportes públicos. Ou seja, o 24, criado para atrair turistas, é mais um exemplo de como em Lisboa a Câmara Municipal e a intervencionada Carris não pensam no trânsito dos moradores e dos que utilizam os transportes públicos para circular na cidade. Sonham apenas com o postal ilustrado para os turistas. O 24 não vai resolver nenhum problema de mobilidade dos cidadãos: pelo contrário transtorna e dificulta o percurso do autocarro 58, que liga partes extremas de Lisboa. A política é clara: é bom para os turistas! Quanto aos cidadãos que pagam impostos e passes sociais, que se lixem! Ainda antes desta euforia turística, já a Carris, dentro do seu espírito ao serviço da mobilidade urbana, tinha encerrado a actividade do autocarro 100 que ligava duas colinas lisboetas. Uma carreira como essa, fundamental, não é reactivada. O 24, para uso turístico, é que é uma prioridade.
Nada que surpreenda dentro da política de transformação de Lisboa num mero postal ilustrado turístico. A própria decisão do Governo de "limitar" as "rendas acessíveis" de um T2 a 1.050 euros em Lisboa e de um quarto a 360 euros vai apenas servir para inflacionar ainda mais os preços na capital. Está claro: nem a CML nem o Governo querem portugueses de classe média (já nem se fala dos outros de menores possibilidades) na zona central de Lisboa. Que vão morar para a margem sul ou para Vila Franca de Xira. Sabemos que as cidades voltaram a ser redutos de quem tem posses e locais privilegiados para turistas. Mas é assim que se assassina a vida própria de uma cidade, a sua memória e a capacidade de atrair as pessoas criativas que as tornam locais diferentes. Um dia destes morarão em Lisboa franceses e brasileiros ricos e alguma classe alta portuguesa. Quando se quiserem fazer as marchas populares alguém contratará figurantes a agências de modelos. Até para dar de Lisboa a ideia de uma cidade jovem, bonita e "cool". É essa a herança que a CML de Fernando Medina e Manuel Salgado estão a legar ao futuro: uma Lisboa sem alfacinhas. Sem vida própria, sem memória, onde é impossível circular. Lisboa está cada vez mais triste.

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