sábado, 7 de abril de 2018

O destino de Lisboa



O destino de Lisboa
Fernando Sobral
05 de abril de 2018 às 20:36

Lisboa já foi "menina e moça", quando José Carlos Ary dos Santos escreveu esse poema em que falava ainda de uma cidade onde os bairros eram os seus pulmões, cercando um Terreiro do Paço poderoso.

Pode parecer um exercício de saudade, mas é mais de realismo. Lisboa era uma cidade típica, sem ser moderna. Décadas depois, ainda não conseguiu ser moderna, e arrisca-se a deixar de ser típica. Lisboa desinvestiu dos bairros e não investiu numa estratégia visionária que a fizesse moderna sem achincalhar o passado alfacinha e sem ignorar a riqueza cultural que a emigração lhe trouxe. A questão é que Lisboa continua sem ter direito a uma visão criativa por parte de alguém que a tente transformar naquilo que deve ser: uma cidade cosmopolita, mas agradável para viver, trabalhar e passear. Duas décadas depois da Expo'98 Lisboa definha, porque está a perder a sua alma, que o número de turistas não substitui.
A pressão imobiliária está a transformar Lisboa numa cidade sem habitantes que lhe dêem espírito. Todos os dias agentes de fundos imobiliários e de agências tocam às campainhas de casas e fotografam prédios, causando uma pressão inimaginável sobre os que resistem e ainda tentam habitar na zona mais central da capital. Face a isto, que faz a CML? Olha, impávida e serena, porque no fundo foi essa a estratégia de Manuel Salgado desde que chegou à CML. Há hoje uma Lisboa desertificada no seu centro, onde as pessoas deixaram de viver. Os serviços públicos foram saindo do centro para edifícios gigantescos e, com isso, enterrou-se todo o pequeno comércio que dele dependia e a vida própria que eles garantiam. Foram as decisões políticas que arruinaram de vez a Baixa. Sem a vida de pessoas novas, com empregos criativos, será difícil que o centro de Lisboa atraia mais turistas e gere riqueza. Riqueza intelectual, cultural e económica. Só isso permitirá uma Lisboa diferenciada e não falsa, pejada apenas de cadeias internacionais semelhantes a todas as cidades. Elas são desejáveis, mas deve haver um equilíbrio.

Lisboa precisa de ser autêntica, na sua fascinante diversidade. Não pode fingir que é cosmopolita, correndo com os sem-abrigo da Baixa, para que os turistas os não vejam. E isso tem sido feito, de forma silenciosa, fazendo com que eles vão "subindo" para outras áreas de Lisboa. Não se resolve o problema: esconde-se, tal como se faz quanto ao imobiliário, às "lojas históricas" e aos idosos corridos a pontapé das suas casas por gente sem escrúpulos. Sobre isto, a CML diz nada.

 Há muito para discutir sobre Lisboa. Mas, sobretudo, a discussão deveria deixar de se centrar na Lisboa menina e moça e passar a fazer-se sobre a Lisboa adulta, culturalmente diversificada, e que é fruto de um país de serviços e não de criação de riqueza como é Portugal. Lisboa tem de ser criativa e não apenas ficar hipnotizada pela riqueza rápida que o turismo trouxe. Lisboa é o maior postal ilustrado de Portugal, basta aterrar de avião aqui, olhando a cidade banhada pelo sol, para perceber isso. Deveria ser magnífica

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