quarta-feira, 25 de abril de 2018

Habitação, uma potencialidade esquecida da Segurança Social



(…) “Como remediar? Em primeiro lugar, acabar com os aumentos livres de rendas e voltar a aumentos anuais razoáveis. Depois, programas de arrendamento plurianuais com rendas estipuladas duma parte e outra. A atribuição de licenciamentos de novas construções ou de reabilitações para diversas gamas de oferta e de preço, quer para hotelaria e alojamento local, quer para aluguer e venda, ajudaria a diversificar a oferta, afastando o “mercado livre”, que esse sim leva ao afastamento de residentes autóctones, antigos ou de baixos recursos. Construir ou reabilitar para preços finais que vão ao encontro dos diversos níveis de procura local é outro dos focos “esquecido” pelo mercado livre. Já para o comércio, serviços e actividades económicas, a oferta de mais espaços a preços convenientes pela SS seria de toda a oportunidade e incentivador de criação de mais economia e emprego. A actual arbitrariedade dada aos senhorios de fixarem as rendas ou de despejarem inquilinos, comerciais ou residenciais, é mais um caminho para a gentrificação das cidades e para a entrada de capitais especulativos e gentes não activas, muitas das vezes nem residentes.”(…)

Habitação, uma potencialidade esquecida da Segurança Social
A SS, pelo volume de capitais captados e acumulados, tem um enorme potencial de financiamento da economia.

Guilherma Pereira
25 de Abril de 2018, 6:12

A ideia e prática da Segurança Social (SS) surgiu nas economias industriais do séc. XIX, ora como caixas de entre-ajuda e mutualidades de operários, ora pelo modelo de Bismark-alemão, ambos convergindo para um projeto social-democrata de sociedade, depois assumido e institucionalizado como Estado-previdência ou social. Ora, o que a ideia inicial de SS previa e procurava era também o fomento de emprego e de actividades económicas de modo que as contribuições dos empregados de hoje seriam investidas na criação de mais emprego e empresas, e que estes no futuro cotizassem para os reformados de amanhã, o princípio e a prática da solidariedade entre-gerações.

O que se vem verificando desde há décadas pela administração da SS pelo Estado é: (i) Apagamento/esquecimento dessa função de financiamento de novas actividades económicas, de renovação do tecido empresarial, mormente dos de mão-de-obra intensivos e mais qualificada; (ii) Investimento do património da SS maioritariamente em imobiliário, como aplicação segura e de valor crescentemente garantido, com rendas remuneradoras, mas de pouca ou nenhuma criação de mão-de-obra, à parte na construção e manutenção desse imobiliário; (iii) Financiamento do Estado, por via de compra de títulos e certificados do Tesouro, da divida pública, (iv) Aquisição de fundos e produtos financeiros; (v) Depósitos à ordem em bancos e instituições financeiras.

O aspecto “financiamento de empresas”, tais como micro, PME e de economia social, que seriam as que mais beneficiariam de um possível financiamento por capitais da SS, obviamente através de entidades bancárias ou financeiras competentes na matéria –  p. ex. um banco de fomento –, parece-nos ser o que mais falta faz e o que mais contribuiria para a dinamização da economia e do financiamento a prazo da SS pelas contribuições daí geradas. O investimento em imobiliário – sobretudo para arrendamento – é outra das funções socioeconómicas da SS, que possui um parque imobiliário para venda e arrendamento em todo o país avaliado em 70 a 80 milhões de euros nos seus balanços.

O (possível) papel financiador da economia pela Segurança Social
A SS, pelo volume de capitais captados e acumulados, tem um enorme potencial de financiamento da economia, desde que aplicados em diversos sectores com a prudência e a rentabilização que aconselham. Obviamente que não terá que ser o respectivo Instituto Financeiro da Segurança Social a promover ou a conduzir essas obras, mas sim a comprá-las e a arrendá-las, por exemplo.

Recorde-se que os Cofres de Previdência corporativos, precursores da SS actual, tiveram um papel no século passado, na mitigação da falta de habitação a preços mais baixos. Com aqueles e com outros, se construíram muitos prédios em todo o país, dos quais ainda restam muitas placas “Propriedade do Cofre de Previdência de...” e bairros inteiros como os Olivais e Alvalade, em Lisboa, só para citar alguns, respondendo à carência de habitação. Essa então nova oferta, planeada e promovida pela CML, tinha parâmetros de urbanismo, qualidade, tipologia e de custo final que permitiram depois alugueres ou venda a preços acessíveis aos ordenados dos futuros locatários! A SS oferece ainda hoje habitação e locais para actividades económicas em todo o país, quer para aluguer quer para venda, basta consultar o respetivo site. Depois, o Fundo de Fomento da Habitação para certos estratos, a banca com, a indústria da construção para outros estratos foram fazendo a oferta de habitação possível para o mercado interno e para um público com algum poder económico, até que a crise bancária sobreveio e com ela a extinção de uma indústria de construção tradicional. Quem vai preencher essa função, depois de comprovadamente o mercado recém-liberalizado das rendas ter levado a oferta para os mais endinheirados ou para quem mais pode e não para quem precisa – remediado ou menos abonado? Pior: a entrada de capitais estrangeiros, quer para investimento quer para especulação, quer para efectiva residência de estrangeiros, está a desvirtuar, pressionar, a procura-oferta interna, quer pela reduzida oferta de alojamento, quer pela alta de preços, inacessível à bolsa do português médio ou mais modesto. Problema sério e a ter consequências fortes em Portugal e em toda a Europa: a globalização do capital não é “amiga” da habitação para todos e as migrações de todo o tipo mais pressionam a procura de habitação! A escassez de habitação é real em muitas cidades, não só em Lisboa!

Como remediar? Em primeiro lugar, acabar com os aumentos livres de rendas e voltar a aumentos anuais razoáveis. Depois, programas de arrendamento plurianuais com rendas estipuladas duma parte e outra. A atribuição de licenciamentos de novas construções ou de reabilitações para diversas gamas de oferta e de preço, quer para hotelaria e alojamento local, quer para aluguer e venda, ajudaria a diversificar a oferta, afastando o “mercado livre”, que esse sim leva ao afastamento de residentes autóctones, antigos ou de baixos recursos. Construir ou reabilitar para preços finais que vão ao encontro dos diversos níveis de procura local é outro dos focos “esquecido” pelo mercado livre. Já para o comércio, serviços e actividades económicas, a oferta de mais espaços a preços convenientes pela SS seria de toda a oportunidade e incentivador de criação de mais economia e emprego. A actual arbitrariedade dada aos senhorios de fixarem as rendas ou de despejarem inquilinos, comerciais ou residenciais, é mais um caminho para a gentrificação das cidades e para a entrada de capitais especulativos e gentes não activas, muitas das vezes nem residentes. Esta função de promotor de construção poderia ser hoje retomado pela SS, mais focado para a reabilitação de edificado e para a renovação urbana, mas sobretudo para os residentes locais, como foi a política de reabilitação da Câmara de Lisboa nos anos 1980 e 1990: renovar e realojar os mesmos residentes. Preservando o património, criando riqueza e mais emprego, num setor chave da economia nacional, pondo no mercado alojamentos para a procura interna.

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