sexta-feira, 23 de março de 2018

Soluções naturais, espaço livre e segurança são marcas do novo Jardim do Campo Grande



Soluções naturais, espaço livre e segurança são marcas do novo Jardim do Campo Grande
Samuel Alemão
Texto
23 Março, 2018

A inauguração da reabilitação da zona Sul do Jardim do Campo Grande, inicialmente prometida para o final de 2016, está agora marcada para o próximo dia 25 de Abril. Depois das complicações com cablagens eléctricas, os trabalhos correm a bom ritmo. Quando terminarem, revelarão um parque urbano “mais transparente, cómodo e seguro”, conforme os princípios definidos pelos estrategas da Estrutura Verde da Câmara Municipal de Lisboa. Guiando O Corvo numa visita pelo jardim, chamam a atenção para a adopção de medidas respeitadoras do ambiente – as Nature Based Solutions -, com especial ênfase no sistema de retenção e aproveitamento de água. Mas também para a plantação de árvores, grandes relvados e a criação de caminhos pedonais lineares. Tudo isto resguardado por uma barreira de montículos de terra. O objectivo é eliminar o ruído automóvel e aumentar a área verde.

As sementes foram lançadas e, neste dias de transição, entre um inverno de rigor tardio e uma primavera pela qual todos anseiam, há quem confesse o desejo por um singrar mais acelerado das espécies plantadas. “Um engenheiro da empresa que nos está a tratar do espaços verdes disse-me que, com esta chuva que tem caído, se fosse lá em cima no Norte, de onde eles são, isto já estava verde. Mas temos de ter paciência, a variedades escolhidas para aqui são diferentes, porque o clima cá é diferente do de lá de cima”, confidencia Ângelo Mesquita, director  municipal de Estrutura Verde Ambiente e Energia da Câmara Municipal de Lisboa (CML), enquanto guia O Corvo numa visita às obras de reabilitação da zona Sul do Jardim do Campo Grande. A inauguração dos trabalhos, há muito aguardada, está prevista para 25 de Abril. E ali trabalha-se a todo o ritmo para cumprir o prazo.

Os atrasos numa intervenção cuja finalização chegou a ser anunciada para o final de 2016, pelo vereador José Sá Fernandes, quase obscurecem os méritos da mesma. Mas o seu director municipal trata de pôr as coisas em contexto. “Quando começamos a mexer em coisas antigas, temos sempre surpresas. E aqui tivemo-las ao nível das infra-estruturas eléctricas, pois tivemos que realizar uma reinstalação integral das cablagens que asseguram a iluminação pública desta zona. Não faria sentido estarmos a realizar esta obra e, depois, voltar a abrir buracos. Por isso, aproveitou-se o momento. Mas estas coisas demoram sempre mais tempo do que desejamos”, justifica Ângelo Mesquita, pouco antes de pedir a atenção do jornalista para as caixas de metal enterradas no pavimento betuminoso, numa das laterais, junto ao passeio e à ciclovia virados para a Biblioteca Nacional. Ao lado, o trânsito passa incessante, produzindo um contínuo ruidoso.

Algo que, assegura o responsável em funções há mais de quatro décadas na autarquia da capital, deixará de ser uma marca constante de um dos mais emblemáticos parques verdes da cidade. Essa será uma das grandes novidades, nota. Os montículos de terra dispostos de forma intercalada entre si, ao longo de todo o perímetro do jardim, servem de barreira acústica, reduzindo de forma significativa o barulho dos carros. Característica importante, num espaço rodeado por vias rodoviárias de grande tráfego. Consegue-se assim um efeito mitigador do ruído, sem recorrer ao tão feios painéis acústicos. Mas, as barreiras de terra têm ainda outras duas funções importantes. Por um lado, aumentam a sensação de resguardo face ao exterior, e, por outro, garantem o crescimento da área arrelvada. “Permite duplicá-la”, explica João Castro, arquitecto paisagista da CML.

O grande orgulho deste técnico, responsável pelo desenhar de muitos dos espaços verdes públicos de Lisboa, bem como de Ângelo Mesquita, está, contudo, na forma “inteligente” como se passa a gerir o fluxo hídrico. As bacias de retenção das águas das chuvas inseridas na topografia do jardim asseguram uma abordagem completamente diferente à forma como é feita a drenagem das mesmas. Mas também um assinalável ganho na paisagem. “Veja como é bonita esta charca! Uma maravilha”, diz, entusiasmado, ao apontar para uma área alagada, junto a um conjunto de árvores situado perto da extremidade meridional do jardim, já na zona de Entrecampos – o resultado de uma bacia de retenção com capacidade para um milhar de metros cúbicos. O efeito visual é, de facto, inesperado e aconchegante. Como que um refúgio florestal, com efeitos balsâmicos, pelo forte contraste com a aspereza da pulsão citadina contemporânea em redor. No fundo, o cumprir da sua missão.

 Tendemos sempre a ver num jardim citadino de grandes dimensões, como este, um elemento de apaziguamento, de conforto, em relação à trepidante envolvente urbana. A intervenção agora em vias de ser terminada na zona Sul do Campo Grande – e que complementa aquela já antes feita na zona Norte, inaugurada em 2013 – mais não é, afinal, que o confirmar de tal desígnio. Mas adaptando-o aos novos tempos e conceitos de paisagismo, além de corrigir o que se revelava desadequado. “O jardim era um pouco fechado e inseguro, com zonas em que as pessoas se sentiam pouco confortáveis, a partir de certas horas. A nossa intervenção veio permitir uma maior transparência e conferir maior segurança a quem circula, além de aumentar a comodidade do espaço”, assegura Ângelo Mesquita, destacando o facto de agora apenas existir um eixo pedonal “para que o verde seja o mais estruturante”.

Os responsáveis camarários asseguram que a empreitada em curso nesta parte do Jardim do Campo Grande resultará num aumento da superfície verde. Além da redução dos espaços de circulação pedonal a apenas um único caminho, para isso também contribuem os tais montes de terra – que, pela sua inclinação, permitem duplicar a área de superfície vegetal por metro quadrado. Ao contrário do que acontecia antes, será possível desfrutar de amplos relvados, ideais para todos os tipos de actividades de lazer. A isso acresce, explicam, a preocupação com o aumento do número de árvores. Foram plantadas 118 e cortadas “cerca de meia-centena”, por necessidade imperiosa, devido ao seu mau estado. “Retiramos algumas espécies infestante e, ao nível do arvoredo, as que estavam em fracas condições fitosanitárias. Procurámos não abater árvores, sem que não houvesse necessidade”, assegura o director municipal das Estruturas Verdes.

A primeira impressão para quem circula agora no espaço ainda em obras é, porém, a de que há mais espaço e nos encontramos mais expostos. Mesmo o recorte dos edifícios e o fluxo rodoviário à volta do parque parecem evidenciar-se mais. Mesmo apesar das tais barreiras de terra. A memória que muita gente terá deste espaço verde – cuja tipologia que lhe conhecíamos fora definida na década de 1940 pelo arquitecto Francisco Keil do Amaral e no total, juntando as zonas Sul e Norte, tem quase 12 hectares – era de um lugar mais sombrio, por certo. Parece que faltam árvores. Mas não faltam, garantem-nos. A sensação terá muito que ver com o arranjo paisagístico, mais arrumado e privilegiando uma leitura mais ampla e com a criação de caminhos mais lineares. As árvores que estão a ser plantadas, quando crescerem, aliviarão essa sensação de nudez.

 De resto, esta zona Sul do parque continua a ser de uma “heterogeneidade brutal”, salienta João Castro. Até porque aqui prevalece um conjunto arbóreo mais denso e com “espécies mais exóticas”. “Na zona Norte do jardim, a espécie dominante é o eucalipto, que tanta má fama tem, mas faz ali todo o sentido. Aqui, na Sul, existe uma diversidade maior. E isso reflecte-se também na plantação agora realizada, com eucaliptos, freixos, áceres, pinheiros mansos e tílias”, explica o técnico municipal, salientando a importância de se terem ali adoptado medidas o mais possível respeitadoras do ecossistema. O que vulgarmente se chama de Nature Based Solutions (NBS). É dentro desta categoria que se inclui o já mencionado sistema de bacias de retenção e charcas.

Associadas a uma rede de sumidouros, permitirão que o jardim seja auto-suficiente a nível hídrico – evitando o recurso ao abastecimento com água da rede -, além de assegurarem o aliviar da carga na rede de drenagem a jusante. Quando chover torrencialmente, a água ali acumulada deixará de confluir para as zonas baixas da cidade, pois será retida pela mancha verde, evitando-se assim que verta para a rede pluvial – uma solução que, aliás, está a ser adoptada em vários pontos críticos da capital, como em Monsanto e na Ameixoeira. Estando preparada para esses momentos de maior pressão ao nível da pluviosidade, a estrutura vegetal do Jardim do Campo Grande não deixará, asseguram os responsáveis municipais, de responder à altura em situações de stress hídrico – ou seja, de seca. Este será, afinal, um jardim reabilitado a pensar nas inevitáveis alterações climáticas.

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