quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Direcção de Património envia à UNESCO projecto para estação de São Bento / Pouca terra e vistas curtas: Estação de São Bento ou Grand Central Station?

Pouca terra e vistas curtas: Estação de São Bento ou Grand Central Station?
Rui Moreira vai continuar a observar serenamente a destruição da principal estação ferroviária do Porto?

MARIA MANUEL ROLA
22 de Fevereiro de 2018, 6:28 Partilhar notícia

A Estação de São Bento é, no Porto, um edifício importante como espaço público que cruza memória coletiva, história e enraizamento da população com vida, movimento e multiplicidade. Por ser um garante da mobilidade e coesão social a nível regional, o projeto para ali proposto não pode deixar de ter em conta todas estas características.

Abandonada há demasiado tempo pelas Infraestruturas de Portugal, aliás, tal como todo o Centro Histórico do Porto — não obstante ser Património da Unesco desde 1996 —, São Bento ficou também votada ao esquecimento pela Câmara do Porto. Nem uns nem outros se preocuparam com o que ali se poderia instalar. E continuam. Usam agora a panaceia do abandono que é a máscara do imobilismo: usada para desculpabilizar a falta de intervenção pública, glorifica a resposta uniforme do mercado e não serve o Porto, a região ou a estação.

Este espaço é diversidade. Entre os viajantes que a frequentam e a população que a utiliza, o projeto de São Bento pode incluir cafés e livrarias (de viagens, por que não?) e incorporar um polo da biblioteca municipal com jornais e computadores de livre acesso. Pode conter um albergue para sem-abrigo tal como já ali cabe um hostel para os viajantes. E ainda conter um centro interpretativo e pequenas lojas de frescos e produtos provenientes das zonas percorridas pelas linhas férreas que ali convergem. Pensar São Bento é ponderar todas as vidas que ali se cruzam e reconhecer que as estações querem-se vivas.

Defender a Estação de São Bento começa por respeitar o seu contexto e impedir que seja convertida em mais um espaço comercial monocórdico, entregue a multinacionais colonizadoras de espaços singulares em todas as cidades. O pouco da proposta que se conhece é isso mesmo, a resposta fácil e de vistas curtas, sem identidade própria, inovação ou que fomente a economia local. Entre uma espécie de shopping gourmet e um espaço ao abandono, sempre existiu outra hipótese: criar espaços públicos multifuncionais, abertos à diversidade e onde se produzem encontros para além do promovido pelo mero consumo.

E é preciso clareza no processo. O Ministério do Planeamento e das Infraestruturas, tal como o Ministério da Cultura, devem uma explicação ao Porto. Foi nesse sentido que o Bloco de Esquerda questionou o Governo sobre o processo de concessão dos espaços da estação e dos projetos aprovados, indagando igualmente sobre o nível de envolvimento da Câmara do Porto nessas decisões. Ao que sabemos, existem dois projetos com parecer positivo pela Direção-Geral do Património Cultural, informação que este serviço não desmentiu. Já a Time Out e o presidente da câmara confirmaram a existência do projeto em altura do arquiteto Souto Moura.

E é aqui que se levantam questões sobre a intervenção da câmara. Respostas como Starbucks e mercados Time Out são o espelho das propostas que surgem invariavelmente quando se reabilitam este género de espaços. E é também invariável que sejam aceites sem oposição. Rui Moreira, que todas as semanas se bate pela importancia do aeroporto, vai continuar a observar serenamente a destruição arquitetónica e patrimonial da principal estação ferroviária do Porto? É aceitável que, passados dois anos deste processo, governo, Câmara Municipal do Porto e SRU não se tenham já sentado à mesa para clarificar o destino de São Bento?

O que o município tem poder de reivindicar são propostas e processos de envolvimento da comunidade em que o património se insere. Falamos de quê? De um projeto conduzido pelos poderes públicos locais e nacionais e não pelos apetites do mercado. De uma ideia de estação que envolva a população que a frequenta, do morador suburbano ao turista, do sem-abrigo ao viajante, dos vendedores aos artistas de rua. Se for apenas um projeto de mercado, sabemos o destino: quem não consome não cabe, quem afasta “clientes” é afastado por seguranças. Ora, o Porto não deve querer higienizar um espaço seu para fazer desaparecer uma parte da sua população, mas sim aproveitar um lugar como aquele para promover o encontro entre modos de fazer cidade. O Porto não é Lisboa e também não tem de ser Londres ou Nova Iorque.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Direcção de Património envia à UNESCO projecto para estação de São Bento
DGPC justifica a diligência com o facto de a estação estar inserida na zona do Património Mundial e por estar classificada como imóvel de interesse público

LUSA 21 de Fevereiro de 2018, 17:22
A intervenção na estação do centro do Porto tem sido contestada

A Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) revelou esta quarta-feira que enviou para a UNESCO o Pedido de Informação Prévia (PIP) do projecto do arquitecto Eduardo Souto de Moura para a Estação de São Bento, no centro histórico do Porto, Património Mundial.

A DGPC esclarece estar em causa "o PIP do projecto para a ala sul" da estação ferroviária centenária, onde a empresa Time Out pretende instalar um conceito similar ao que foi inaugurado em Lisboa com o Mercado da Ribeira.

De acordo com a DGPC, a avaliação da UNESCO justifica-se porque São Bento está "inscrita na lista do Património da Humanidade", inserindo-se na classificação do 'Centro Histórico do Porto, Ponte Luiz I e Mosteiro da Serra do Pilar'", para além de ser "Imóvel de Interesse Público", uma classificação que abrange "a gare metálica, os painéis de azulejos e a boca do túnel".

"A DGPC mandou para a UNESCO o PIP do projecto para a ala sul da estação de São Bento, da autoria do arquitecto Eduardo Souto de Moura, ao abrigo do Parágrafo 172 das Orientações técnicas da UNESCO", esclarece aquele organismo numa nota enviada à Lusa.

O projecto inicial da Time Out para aquele local foi arquivado em Janeiro de 2017 pela Porto Vivo - Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), depois de a empresa pedir a suspensão da apreciação do PIP. Em causa estava um mercado com 2200 metros quadrados, 500 lugares, 15 restaurantes, quatro bares, quatro lojas, uma cafetaria e uma galeria de arte.

Recentemente, o BE revelou ter dirigido uma pergunta ao Ministério da Cultura sobre o que diz ser uma torre com seis pisos e mais de 18 metros de altura proposta pelo arquitecto Souto de Moura para a área da estação de São Bento.

Na reunião camarária do passado dia 6, o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, declarou-se tranquilo quanto ao novo projecto para a estação de São Bento, por ter obtido da SRU a garantia de que o mesmo não avançava "sem autorização da autarquia". Na mesma sessão do executivo, o PS revelou que estará em causa uma torre com "mais de 20 metros de altura".

Na sexta-feira, o PCP apresentou no Parlamento um projecto de resolução para "recomendar ao Governo que inicie, com a maior urgência possível, o processo de delimitação e criação da Zona Especial de Protecção (ZEP) do Centro Histórico do Porto".

No documento, a que a Lusa teve acesso no domingo, o PCP alerta que a protecção foi constituída "depois da classificação daquela zona como Património da Humanidade" (1996), através de publicação "em Diário da República", mas acabou "anulada" por "impugnação judicial da Câmara de Vila Nova de Gaia".

O PCP acrescenta que este mecanismo de protecção "assume particular importância quando a Câmara do Porto, por via da SRU, juntamente com a Administração Central, por via da Direcção-Geral do Património Cultural, se prepara para intervir na Estação de São Bento, Monumento Classificado como Imóvel de Interesse Público e dentro do perímetro do Património Mundial".

Hoje, a DGPC justifica o envio do processo para a UNESCO porque a estação "está classificada como Imóvel de Interesse Público" desde 1997, notando que a classificação se designa "Estação de São Bento, incluindo a gare metálica, os painéis de azulejos e a boca do túnel".

A DGPC acrescenta que a estação "está também inscrita na lista do Património da Humanidade, porque se insere na classificação do 'Centro Histórico do Porto, Ponte Luiz I e Mosteiro da Serra do Pilar'".

A instalação de um projecto da Time Out em S. Bento tem sido alvo de críticas desde que foi tornada pública, a 5 de Outubro de 2016, aquando do centenário da inauguração da Estação de S. Bento.

Na ocasião, o ministro do Planeamento anunciou que seriam instalados no edifício um hostel, um mercado "Time Out, uma loja Starbucks, um café, 15 restaurantes, quatro bares e uma galeria de arte, a concluir até finais de 2017.

A Câmara do Porto anunciou, então, desconhecer qualquer projecto e, em sessão do executivo, alertou que "não prescindia" de se pronunciar sobre o projeto da Time Out, por estar em causa um edifício classificado.


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