sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Vizinhos em desespero por causa do bar com o toque de Vhils


Vizinhos em desespero por causa do bar com o toque de Vhils
Moradores do prédio onde está o Stupido 1/1, no Cais do Sodré, queixam-se de barulho insuportável. Sócio do bar garante que tudo está legal, mas vai fazer obras de isolamento acústico.

JOÃO PEDRO PINCHA 4 de Janeiro de 2018, 8:47

Há muitos anos que aquele rés-do-chão da Rua de São Paulo, em Lisboa, estava desocupado. Foi com alguma satisfação, por isso, que os moradores e empresários do prédio souberam que o espaço comercial tinha sido arrendado e que os inquilinos queriam abrir ali uma pizzaria. Pelo menos foi isso que eles entenderam. A satisfação rapidamente se transformou em desilusão e desespero. Abriu o Stupido 1/1, um bar conhecido por ter a curadoria artística de Vhils, e dizem os vizinhos que se acabou o sossego.

“Das seis da tarde às duas da manhã temos uma segunda vida”, queixa-se Nadir Bonaccorso, que mora mesmo por cima do bar, no primeiro andar. “Tem sido um inferno. A música está sempre ao mais alto nível. Há noites em que oiço a letra da música em toda a casa. A partir do fim da tarde começa o tum, tum, tum.”

Não só o barulho é excessivo, afirma, como são constantes outros problemas. “Nós temos diariamente pessoas bêbedas, copos de plástico, dejectos e lixo à porta”, diz Bonaccorso. As queixas são repetidas por outras pessoas do edifício, onde funcionam vários alojamentos locais – cujos clientes já se queixaram de não conseguirem dormir. Por tudo isto, a administração do condomínio decidiu avançar com um processo judicial contra o Stupido 1/1.

Para Pedro Garcia, um dos sócios do bar, os protestos dos vizinhos não fazem sentido. “Isto tem uma música ambiente dentro da lei”, garante, apontando para um limitador de ruído colocado por baixo da mesa do DJ logo à entrada. Os limitadores são aparelhos que monitorizam o volume da música e das vozes – que não pode ultrapassar um número máximo de decibéis – e que funcionam como uma espécie de caixa negra para a polícia e a câmara municipal saberem se as regras estão a ser cumpridas.

No caso do Stupido 1/1, o limitador está programado para que o barulho não exceda os 80 decibéis, diz Pedro Garcia, que considera ser um volume aceitável. “Eu acredito que ele [Nadir] oiça qualquer coisa. Estamos a falar de um espaço que esteve votado ao abandono durante 20 ou 30 anos. Não havendo nada e passando a haver, é evidente que há uma mudança”, afirma. A documentação que o próprio Pedro Garcia forneceu ao PÚBLICO mostra que o limitador de ruído só foi instalado a 10 de Outubro, mais de um mês depois de o bar ter aberto. Os técnicos da câmara ainda demoraram mais de um mês a irem ao local ver se tudo estava em ordem e aprovaram o aparelho a 23 de Novembro.

A autarquia disse ao PÚBLICO que, neste momento, “correm 5 processos de contra-ordenação” contra o Stupido 1/1 e que “já foi aplicada uma restrição temporária por um dia, em consequência de não cumprimento das regras do regulamento de horários”. Os serviços camarários admitem que “poderão ser aplicadas mais restrições temporárias em virtude dos processos em curso”. De acordo com o regulamento de horários, em vigor há pouco mais de um ano, as restrições temporárias limitam o funcionamento de um espaço a cinco horas por dia pelo período máximo de dois meses. E aplicam-se, entre outros motivos, quando se “verifique incomodidade que coloque em causa o direito à tranquilidade e repouso dos cidadãos”.

“A nossa intenção desde o princípio, mas desde o princípio mesmo, é promover a boa vizinhança”, assegura Pedro Garcia. Ainda assim, admite, a protecção acústica não foi uma das prioridades iniciais. O que, argumenta, até acabou por ser prejudicial para o próprio bar, que assim não pode receber a programação musical desejada. “Nós estamos 100% dentro da lei, ainda assim estamos a trabalhar num projecto com o melhor engenheiro acústico do mercado”, diz. O Stupido 1/1 deve fechar ainda este mês para obras de melhoria do isolamento e mudança do mobiliário.

Nadir Bonaccorso espera para ver, mas não sabe por quanto tempo mais. “Não dá para viver aqui, é impossível. Acabas por sucumbir ao abuso prolongado e ilegal. Quando te deitas para dormir e ouves bum, bum, bum, é um abuso. Quando entramos em casa, levamos as mãos à cabeça e pensamos: ‘mais uma noite’.”

Já Vhils, cuja curadoria artística serve de chamariz para o bar, lamenta estas querelas e manifesta “confiança que tudo se resolverá”. “Lamento profundamente qualquer ocorrência que possa afectar a tranquilidade dos moradores da zona”, disse Alexandre Farto (nome verdadeiro de Vhils) ao PÚBLICO. Salientando que não é sócio do bar e que apenas faz a “selecção dos artistas plásticos que ali apresentam trabalho uma vez por ano”, o artista acrescenta que o objectivo da sua curadoria é “dar espaço e oportunidades a novos artistas plásticos para exporem o seu trabalho em ligação com a cidade, para o benefício de todos, incluindo os moradores da zona.”


Sem comentários: