quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Novo Hospital de Lisboa Oriental põe em causa os hospitais do centro da capital

Projectos para a Colina de Santana em Lisboa estão suspensos
Deu-se um volte-face no processo de requalificação da colina de Santana, na capital, que implicava a construção de vários edifícios no lugar dos actuais hospitais. A câmara suspendeu os pedidos de informação prévia, que correspondem aos projectos de construção.
Bruno Simões
04 de fevereiro de 2014 às 21:31

A câmara de Lisboa decidiu suspender os pedidos de informação prévia (PIP) para a construção de novos edifícios na colina de Santana, no lugar dos actuais hospitais de São José, Santa Marta, Capuchos e Miguel Bombarda. As obras, a avançar, implicariam a regeneração urbana de 16 hectares de terreno na área da colina de Santana, entre a Avenida Almirante Reis e a Avenida da Liberdade. A Estamo, empresa pública detentora dos hospitais, tinha já projectos de loteamento para estes hospitais, que seriam encerrados e transferidos para o novo hospital de Todos os Santos.

A novidade foi dada pelo vereador do Urbanismo da autarquia da capital, Manuel Salgado, durante o debate desta tarde para discutir o futuro da Colina de Santana (o terceiro). O vereador, que tem sido um dos principais defensores da intervenção na zona, disse que “os PIP estão suspensos”, o que implica, na prática, a suspensão dos projectos. O pedido de informação prévia é um procedimento que se destina a obter informação e deliberação vinculativa sobre a viabilidade de uma operação urbanística concreta.

Se o PIP respeitar os instrumentos urbanísticos, nomeadamente o Plano Director Municipal, a autarquia pouco pode fazer para o parar.

Os quatro PIP, relativos a cada um dos hospitais, foram publicados em Julho do ano passado. Em Dezembro, a câmara publicou o Documento Estratégico de Intervenção, que detalha as obras a efectuar. Os quatro PIP contemplam projectos de loteamento para as áreas dos quatro hospitais (São José, Santa Marta, Capuchos e Miguel Bombarda), que incluem 700 fogos e mais de 90 mil metros quadrados de construção nova.

No final do debate, a presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, Helena Roseta, estava bastante satisfeita. Com a suspensão dos PIP, explicou ao Negócios, o processo é também ele suspenso. Será necessário que a câmara decida sobre o novo modelo para concretizar esta intervenção. “A Assembleia Municipal vai ter de apresentar uma proposta e a câmara terá de decidir o que quer fazer”, resumiu. “Este debate permitiu perceber que há uma diversidade de interesses que precisam de ser acautelados”, acrescentou ainda.

Câmara quer envolver mais entidades na regeneração da Colina de Santana

Antes de anunciar a suspensão dos PIP, Manuel Salgado disse ser necessário envolver mais actores no processo de renovação da zona, mostrando estar de acordo com o deputado municipal Vítor Gonçalves, do PSD. Seria um “programa de regeneração e salvaguarda da colina de Santana, tendo em conta as debilidades e potencialidades da colina”, que teria de ser “concertado entre o município, a universidade e a Estamo”.

Depois de essa concertação estar feita, seria preciso “definir um conjunto de unidades de execução”, e um “gabinete à imagem dos gabinetes de apoio a bairros de intervenção prioritária (GABIP) que já temos”. Um exemplo citado é o GABIP da Mouraria, que concentrou a intervenção realizada nessa zona da cidade de Lisboa.

Desde que foi lançada para consulta pública, a intervenção prevista para a Colina de Santana tem gerado imensa polémica, à qual a câmara parece ter sido sensível. Por um lado, os moradores da zona não tiveram oportunidade de se pronunciar sobre os projectos, e em vários casos iam ver novos edifícios de vários andares a crescer ao lado das suas casas.

Por outro, a comunidade médica contesta o fecho das unidades hospitalares que ainda estão abertas na zona para as concentrar no novo hospital de Todos os Santos. Por outro lado, há a questão do valor histórico dos edifícios, alguns com equipamentos de valor incalculável, que poderiam ficar em risco.

Agora, a dúvida será qual o modelo a seguir para regenerar a zona. Manuel Salgado avisa que há “urgência em andar com este processo para a frente”. “É uma oportunidade o município poder negociar com uma entidade que é detentora de todas estas parcelas e definir uma estratégia concertada. Não devíamos perder esta oportunidade”, alertou.

Victor Gonçalves defende, para a zona, o estabelecimento de uma área crítica de reabilitação urbana, divida em três unidades de execução (Norte, Sul e Oeste) e um gabinete exclusivamente dedicado a essa reabilitação. Outro cenário que está em cima da mesa é um Programa de Acção Territorial, que envolve não só o município como também o Estado na definição do programa de desenvolvimento da zona.

Um processo que começou às avessas

Durante o debate do final desta tarde, o terceiro de uma série de debates temáticos que têm sido levados a cabo para discutir o futuro da zona, foram várias as críticas dirigidas à forma como o processo foi conduzido. Isto porque os projectos de loteamento deram entrada na câmara municipal em Janeiro de 2013, e só em Dezembro do ano passado é que a câmara publicou a sua estratégia para a zona.

Uma das maiores críticas foi feita por Fernando Nunes da Silva, que foi vereador da câmara de Lisboa até ao último mandato de António Costa. “Houve uma inversão completa do processo de loteamento. No final é que vem o projecto de estratégia. Completamente impressionante como é que isto se faz”, assinalou. O Documento de Estratégico de Intervenção foi apresentado em Dezembro do ano passado e elege três prioridades: a “identificação do território como Colina do Conhecimento, o reforço da componente residencial e afirmação da Colina de Santana como Eco-Bairro Histórico”.

“Tenho pena é que apareça dois anos depois dos projectos de arquitectura. Nãp estão em causa os projectos de arquitectura”, esclareceu Nunes da Silva. “O que está em cima da mesa é ter-se avançado até aqui apenas com um modelo de negócio para resolver problemas do Estado numa área que é uma área chave de Lisboa, de uma oportunidade para corrigir e resolver muitos problemas que esta zona da cidade foi somando ao longo do tempo”.

A Estamo, sociedade pública de gestão de imóveis (detida pela Parpública), adquiriu os quatro hospitais e respectivos terrenos ao Estado em 2010, a troco de 111,5 milhões de euros.

(notícia actualizada às 22h47)

Novo Hospital de Lisboa Oriental põe em causa os hospitais do centro da capital

POR O CORVO • 26 JULHO, 2017 •

A prometida construção do novo Hospital de Lisboa Oriental, em Marvila, cuja entrada em funcionamento está prevista para 2023, está a provocar grande apreensão sobre o futuro das unidades existentes no centro histórico da capital. Teme-se que à entrada em funcionamento do, há muito reclamado, equipamento corresponda uma acentuada quebra dos padrões mínimos de prestação de cuidados de saúde no coração da cidade, bem como a abertura de um cenário de incerteza sobre o real destino dos edifícios e dos terrenos onde hoje funcionam as unidades do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC).

 Tanto que, três anos após um muito participado debate temático na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), se voltou a ouvir falar do fantasma da “especulação imobiliária” em torno dos hospitais da zona da Colina de Santana, durante a discussão realizada na tarde desta terça-feira (25 de julho), requerida pelo Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), a propósito das unidades hospitalares do centro de Lisboa. Helena Roseta, presidente daquele órgão autárquico, escreveu mesmo uma nova carta ao ministro da Saúde a pedir uma clarificação urgente sobre a matéria.

 A discussão de ontem, que antecedeu a votação na assembleia, na sessão extraordinária desta quinta-feira (27 de julho), da cedência dos terrenos municipais necessários à construção do Hospital de Lisboa Oriental, fora aliás motivada por uma troca de correspondência entre Roseta e o Ministério da Saúde. A resposta da presidente da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo a um pedido de esclarecimentos sobre a matéria, feito em junho por Roseta, apanhou de surpresa quase toda a assembleia, pela sua escassez de informação e de garantias sobre o que acontecerá ao CHLC – no qual se incluem São José, Capuchos, Santa Marta, Curry Cabral, Dona Estefânia e Maternidade Alfredo da Costa.

 Na informação enviada, na semana passada, pela dirigente da ARS Lisboa e Vale do Tejo, faz-se uma descrição muito sumária das características do novo equipamento e explica-se, de forma muito genérica, o que acontecerá aos hospitais do centro de Lisboa. Lá, diz-se, por exemplo, que a Maternidade Alfredo da Costa “irá deixar as suas actuais funções, mantendo-se no entanto ao serviço da saúde” ou que o Hospital dos Capuchos deixará de estar no activo. Mas são mais as dúvidas do que as certezas o que prevalece da missiva enviada pelo ministério. Lamentado tal situação, na carta agora enviada como resposta da AML a Adalberto Campo Fernandes, Helena Roseta critica a referência a alterações ao funcionamento dessas unidades “que passam pelo seu desmantelamento ou descaracterização e que não foram democraticamente decididas por ninguém, que se saiba”.

 “Para além de não se compreender como é que um hospital de 875 camas pode substituir as 1307 camas do CHLC, não é aceitável que sejam desmantelados equipamentos hospitalares no centro da cidade em benefício de uma localização mais periférica e em prejuízo da identidade histórica de zonas e de edifícios icónicos de Lisboa”, escreve Roseta, para logo de seguida afirmar que a cidade de Lisboa “não foi ouvida e certamente não aceitará ser assim subalternizada, nem muito menos desapossada de equipamentos públicos cruciais para a sua população”. A presidente da assembleia municipal sublinha que o facto de se estar em final de mandato impede que se possa “desenvolver a temática”, mas alerta o ministro da Saúde que “durante a próxima campanha autárquica e no mandato de quem vier a seguir, este será um tema central” do qual os representantes eleitos não abdicarão.

 Mas a cedência dos terrenos municipais em Marvila para a edificação do novo hospital será ainda debatida e votada agora, na quinta-feira (27 de julho). Razão pela qual, nesta última carta enviada ao ministro da Saúde, Helena Roseta diz estar órgão por si presidido “perante um dilema insuportável”. “Ou viabiliza a venda de mais uma extensa parcela de terreno municipal para a construção do novo HLO, cujo pressuposto é o desmantelamento do CHLC; ou não o faz e fica com o ónus de ter retardado o urgente lançamento do concurso para o novo hospital”, postula, antes de avançar com uma sugestão de saída que defenda o “interesse da cidade”.

 “Construir o novo HLO o mais rapidamente possível, porque ele faz muita falta, e manter o CHLC, reconvertendo valências quando necessário, mas sem pôr em causa a existência de uma rede hospitalar e de cuidados de saúde digna desse nome n centro histórico da capital” é a proposta de Roseta, que, na sessão da AML da semana passada, lamentou o facto de ser a presidente da ARS a responder à sua carta de junho e não o ministro da tutela.

 O anúncio do envio da carta de Helena Roseta aconteceu numa sessão em que todas as forças políticas, incluindo o PS – se bem que de forma algo contrita -, se manifestaram apreensivos devido às dúvidas ainda prevalecentes em relação ao futuro dos hospitais localizados no centro da capital. Não apenas pelo que poderá acontecer ao nível da oferta de cuidados de saúde, mas também pela preservação do imenso património histórico e arquitectónico daquelas unidades ainda no activo – uma preocupação que, de resto, sublinha o que foi aprovado por uma deliberação de 2014 da AML, na sequência do debate temático então realizado sobre o futuro da Colina de Santana. O Bloco de Esquerda viu ontem aprovada uma chamada de atenção a esta questão, com a votação favorável no plenário do primeiro ponto da sua recomendação. O mesmo conseguindo o PEV, partido que convocou o debate sobre a matéria.


 Projecto do Hospital Oriental de Lisboa, da autoria do arquitecto Souto de Moura

Mas foi o PCP quem conseguiu ver aprovado pela assembleia, apesar dos votos contra do PS e do PNPN, o mais urgente apelo: “Manifestar junto do governo a sua profunda preocupação relativamente à previsível perda de capacidade de resposta aos cuidados de saúde da população em razão do encerramento das unidades do Centro Hospitalar de Lisboa Central”. Receio que acaba por estar em sintonia com as inquietudes expressas por Helena Roseta na carta enviada a Adalberto Campos Fernandes. A presidente da assembleia e os eleitos comunistas não estiveram, porém, sozinhos no exprimir dessa preocupação, longe disso.

 Miguel Santos, do PAN, disse não admitir que “o centro de Lisboa fique pior do que está, nem que o Hospital Oriental seja construído à custa de fechar dos restantes hospitais do centro”. Já Isabel Pires, do Bloco de Esquerda, considerou que continua a existir uma “indefinição premeditada” sobre o destino dos hospitais centrais. Situação que não encara como um fruto do acaso. “Infelizmente, o apetite pelos terrenos da Colina de Santana não foi apaziguado, bem pelo contrário. Não há garantia de permanência pública destes edifícios, nem de alguns serviços”, constatou. Uma incerteza que também Sobreda Antunes (PEV) vê como algo que está longe de ser casual. “Existem ou não vorazes interesses imobiliários?”, questionou.

 Também à direita se fizeram ouvir fortes críticas ao aparente impasse sobre os hospitais do CHLC e o futuro da Colina de Santana. “Acabamos este mandato da mesma forma que o iniciámos. Ou seja, com um novo hospital à espera de ser construído e meia-dúzia de hospitais cujo destino está traçado há muito e nós aqui a fazermos este tipo de proclamações”, afirmou Sofia Vala Rocha, pelo PSD, que aproveitou para atacar ainda as “promessas” de Fernando Medina em construir três dezenas de centros de saúde. “Andámos quatro anos a discutir o sexo dos anjos dos hospitais”, ironizou sobre a situação de aparente impasse na concretização de obras de vulto no campo da saúde, antes de afirmar que “antes de 2015, a Troika e Passos Coelho tinham as costas largas”. Também Gabriel Fernandes, do CDS-PP, criticou o que considerou serem informações pouco claras do Ministério da Saúde sobre a rede hospitalar da cidade.


 Texto: Samuel Alemão

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