quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Zona ribeirinha oriental de Lisboa é cada vez mais procurada para compra de casa


“Os centros de Lisboa e Porto estão a ficar cheios, mas não é de portugueses, é de estrangeiros. E isso tem muito que ver com o facto de as casas reabilitadas não serem para os bolsos dos portugueses. Não podemos afastar os portugueses dos centros das cidades, porque os estrangeiros não vêm cá só pela pedra, mas também pelas pessoas, pelas comunidades que as formam, que lhes dão o carácter genuíno”
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Zona ribeirinha oriental de Lisboa é cada vez mais procurada para compra de casa
POR O CORVO • 19 OUTUBRO, 2017 •

Beato, Marvila, Xabregas ou Santa Apolónia são nomes que fazem sorrir quase todas as empresas do sector presentes no Salão Imobiliário de Lisboa 2017. Será por ali que, nos próximos anos, muitos dos seus comerciais dispensarão atenções. A pressão da procura de casa para viver na capital, muito influenciada pelo investimento estrangeiro, faz com que se comece a olhar com insistência para bairros até agora negligenciados. E onde ainda há muito por fazer em termos de reabilitação urbanística. Mas as imobiliárias também notam que, fruto dos preços proibitivos para a classe média, há cada vez mais gente a ir para os subúrbios. “As periferias voltam a ganhar dimensão no nosso negócio”, diz um dos agentes ouvidos por O Corvo. Morar em Lisboa é, cada vez mais, coisa de endinheirados.

 Texto: Samuel Alemão

 “Não tenho dúvidas de que, nos próximos cinco a seis anos, vamos assistir a uma explosão de negócios na zona que vai do centro de Lisboa até à Expo, sobretudo nas áreas do Beato e de Marvila. Há por ali um enorme potencial, que muitos já perceberam”. Guilherme Grossman, da imobiliária Consultan, é peremptório ao descrever a O Corvo aquela que antevê como a mais importante dinâmica do mercado das casas na capital. O que até não será surpresa, tendo em conta que a empresa é a promotora do grande empreendimento “Prata”, em construção na zona de Braço de Prata. É, então, uma boa altura para investir ali? “Se calhar, até já é um pouco tarde. Quem se antecipou fez, certamente, um bom negócio”, considera o empresário, para quem a capital portuguesa vai ter cada vez mais procura dos compradores de propriedade. Uma sentimento reinante no Salão Imobiliário de Lisboa (SIL) 2017, a decorrer entre esta quarta-feira (18 de outubro) e domingo (22), na Feira Internacional de Lisboa.
O optimismo e a confiança na robustez do mercado imobiliário nacionais são perceptíveis no certame, onde ninguém tem dúvidas em apontar a maior cidade do país como o mais valioso quinhão do sector. O grande impulso dos últimos anos nas compras e vendas de imóveis em Lisboa é para continuar, ouve-se por ali, não se antecipando um abrandamento dos preços da habitação nos próximos anos. Muito pelo contrário. “Estamos a falar de um crescimento estrutural e não apenas conjuntural. Isto veio para ficar, porque se deve a uma série de factores, que vão desde a retoma económica até à internacionalização do sector. Lisboa e Porto passaram a ser vistas como bons investimentos a nível internacional, como valores seguros”, explica João Pedro Pereira, membro do conselho executivo da ERA, para quem a cidade está repleta de oportunidades de investimento. Questionado sobre as áreas que estarão em alta, prefere não especificar, mas dá pistas. “Todas as zonas do centro que ainda estão algo desqualificadas. Muitas delas estão debaixo do nosso nariz”.

Uma opinião partilhada por outros agentes do sector. É o caso de Francisco Vasconcelos, director de expansão da Century 21, que acredita haver “zonas de Lisboa que ainda não estão descobertas”, como toda a área ribeirinha oriental. Marvila, Beato, Santa Apolónia e Xabregas são nomes que andam na cabeça de toda a gente. Mas outras áreas se lhes acrescentam, como Graça ou Mouraria, sugere Vasconcelos, que aponta uma “procura de habitação infinitamente superior à oferta” como a razão para o desviar de atenções para locais que até há pouco não eram tidos em conta pela classe média. Os endinheirados, sobretudo estrangeiros, estão a contribuir decisivamente para essa dinâmica. “A oferta em Lisboa, regra geral, está desfasada do poder aquisitivo do português médio. Durante algum tempo, assistiu-se a um movimento de regresso a Lisboa. Mas agora, com a subida dos preços, as periferias voltam a ganhar dimensão na procura dessas pessoas”, diz o responsável da Century 21, para quem não existe risco de “bolha imobiliária”, embora reconheça que a concessão de crédito pelos bancos está a voltar a animar o mercado. E se há outra vez muita gente a sair de Lisboa e a pedir dinheiro emprestado para comprar casa nos subúrbios, também não falta quem o faça para adquirir imóveis na capital. Nem que seja como forma de realizar um investimento tido como seguro, salienta João Pedro Pereira, da ERA.

 Um fenómeno assinalado também por Nuno Martinez, broker da Remax Platina, que opera sobretudo no Parque das Nações. “Se não ocorrer nada de anormal, algum factor externo, este cenário de grande dinâmica de venda e compra de habitação manter-se-á. Até porque há mais pessoas a recorrer ao crédito à habitação”, diz o comercial, que não tem dúvidas sobre a manutenção da subida dos preços das casas na cidade. E, por isso, vê como inevitável a expansão da procura à zona ribeirinha oriental. Até porque facilmente ali se vislumbram grandes potencialidades. “Toda aquela zona de Marvila, Beato, Santa Apolónia e Matinha, até ao Parque das Nações, vai crescer muito. Aliás, isso já se está a notar no Beato, como muitos empreendedores jovens a tomarem conta de estruturas que estavam abandonadas”, afirma, antevendo a ocorrência de processos de regeneração urbana similares ao verificado no LX Factory, em Alcântara, e na zona do Intendente e da Avenida Almirante Reis. “Há sempre uma primeira vaga de pessoas, mais ligadas às artes, que vão ocupar esses territórios”.

Sinal de que essa é mesmo uma tendência, um dos painéis programados para a tarde de ontem, na zona de palestras do SIL 2017, dava o mote. “Lisbon Golden Areas: Depois do Centro Histórico, Requalificação da Frente Ribeirinha: Da Matinha a Belém” era o tema anunciado pela imobiliária Castelhana – Lisbon Real Estate. Sem surpresas, há, porém, quem não se importe de suportar o preço de viver nas zonas mais consolidadas e caras da cidade. É o caso dos clientes do grupo luso-francês Libertas, que no seu portfólio tem prédios no Chiado ou em Benfica, junto ao Estádio da Luz. E os que tem na Mouraria, alguns em fase de acabamento, “estão todos vendidos”, salienta Adrien Blachere. A empresa que representa opera sobretudo no mercado francês, de onde vêm pessoas com poder de compra elevado quando comparado ao nacional, mas ainda assim “sem capacidade para suportarem os valores duas a três vezes mais elevados das casas em Paris”. Lisboa acaba assim por ser um excelente negócio. Ou ainda mais o Seixal, onde a empresa comercializa um empreendimento.


 Mais cauteloso em relação a este fenómeno, Francisco Bacelar, presidente da Associação dos Mediadores de Imobiliário de Portugal, sugere a O Corvo que se poderão estar a cometer excessos nas vendas de imóveis a estrangeiros. “Os centros de Lisboa e Porto estão a ficar cheios, mas não é de portugueses, é de estrangeiros. E isso tem muito que ver com o facto de as casas reabilitadas não serem para os bolsos dos portugueses. Não podemos afastar os portugueses dos centros das cidades, porque os estrangeiros não vêm cá só pela pedra, mas também pelas pessoas, pelas comunidades que as formam, que lhes dão o carácter genuíno”, critica, depois de colocar água na fervura em relação ao bom momento do sector. Ao contrário de outros, considera que o crescimento é “conjuntural, embora seja para durar mais uns anos”. “Não estamos a viver a euforia das décadas de 80 e 90, mas começo a ver com algum temor ao ver bancos a emprestarem a 100%, embora reconheça os efeitos positivos que tal possa ter na economia”. Mas esta é, afinal, uma voz dissonante num salão onde prevalece o optimismo com a perspectiva de bons negócios.

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