sábado, 18 de março de 2017

Procuradora-geral culpa inspectores das Finanças por atrasos na Operação Marquês / PGR admite afastar Rosário Teixeira da liderança da Operação Marquês / O comunicado da PGR explicado aos pró-socráticos


Procuradora-geral culpa inspectores das Finanças por atrasos na Operação Marquês

Despacho de Joana Marques Vidal deixa críticas evidentes e repetidas à equipa da Direcção de Finanças de Braga que apoia o Ministério Público no inquérito que envolve o antigo primeiro-ministro José Sócrates.

MARIANA OLIVEIRA 17 de Março de 2017, 17:43 actualizado a 17 de Março às 18:51

No comunicado divulgado esta sexta-feira pela Procuradoria-Geral da República (PGR) já existe uma referência crítica à actuação da equipa da Autoridade Tributária que apoia o Ministério Público na investigação da Operação Marquês. Mas no despacho assinado esta sexta-feira pela procuradora-geral Joana Marques Vidal as críticas são mais evidentes e são repetidas várias vezes, deixando-se implícito um mal-estar entre a equipa de procuradores liderada por Rosário Teixeira e a equipa da Direcção de Finanças de Braga, chefiada pelo inspector tributário Paulo Silva, em quem foi delegada a investigação.

Marques Vidal nunca se refere expressamente à equipa da Autoridade Tributária, preferindo falar do “órgão de polícia criminal” (OPC) que apoia o Ministério Público. Depois de reconhecer um “considerável avanço na investigação” e o esforço feito desde 14 de Setembro passado, quando determinou um prazo de 180 dias para concluir o inquérito, a procuradora-geral afirma: “Não poderá deixar de se notar que poderiam eventualmente ter sido desenvolvidas estratégias de direcção do inquérito tendentes a melhor racionalizar os meios disponíveis e a reforçar aquela direcção, desde logo em sede do cumprimento, pelo OPC, das orientações dadas pelos magistrados que integram a equipa de investigação”.

Para sustentar a posição, a procuradora-geral realça que o relatório feito pelos procuradores que dirigem o inquérito para pedirem o prolongamento da investigação aponta a “forma de coadjuvação” com a equipa das Finanças “como uma das razões que justificam a impossibilidade de concluir a investigação e a redacção do despacho final, e que, a par do atraso na satisfação dos pedidos de cooperação internacional, assume considerável peso nas causas do não cumprimento do prazo concedido”.

No parágrafo seguinte fala da articulação da direcção do inquérito com a equipa das Finanças, referindo-se concretamente ao “cumprimento adequado e atempado das tarefas a cargo do órgão de polícia criminal” que apoia na investigação.

A procuradora-geral diz ainda não estar em condições de decidir se o prazo pedido pelos procuradores, final de Junho, é ou não suficiente para fechar o inquérito e volta a falar na articulação com a equipa das Finanças. “(…) A calendarização apresentada, em especial no que se refere à intervenção do OPC, não nos permite neste momento concluir sobre a adequação do prazo a conceder”, lê-se no documento. Pede que lhe sejam “prestadas específicas informações sobre a forma como concretamente se irá executar a planificação das diligências e análise probatória”, sobre a distribuição de tarefas entre os procuradores e “sobre o concreto modelo de articulação interna da equipa e, em especial com o OPC”.

Joana Marques Vidal remata: “Tudo de modo a que o prazo de prorrogação a definir seja cumprido, e com a evidente manutenção da equipa de magistrados e da coadjuvação do OPC, neste último caso com a definição clara das suas atribuições, do modo como essa coadjuvação deve processar-se e do modo como o solicitado pelos magistrados ao OPC deve ser cumprido, bem como do tempo de cumprimento das tarefas atribuídas”.

No comunicado da PGR onde se anuncia o prolongamento da investigação, refere-se que os procuradores que dirigem o inquérito relataram a "insuficiência dos relatórios de análise de prova, apresentados pelo órgão de polícia criminal, em relação a alguns segmentos". E salientam que esta circunstância obrigou "o Ministério Público a realizar pesquisas na totalidade do acervo de prova, o que tem dificultado a elaboração do despacho final nos segmentos em questão".


PGR admite afastar Rosário Teixeira da liderança da Operação Marquês
Joana Marques Vidal pede ao director do DCIAP que pondere assumir a direcção do inquérito que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates e deixa críticas aos inspectores das Finanças que apoiam a investigação.

MARIANA OLIVEIRA 18 de Março de 2017, 7:30

A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, admite vir a afastar o procurador Rosário Teixeira da liderança da Operação Marquês, deixando críticas à forma como tem sido feita a direcção do inquérito. No despacho assinado esta sexta-feira a estender o prazo da investigação, Joana Marques Vidal também não poupa críticas à equipa da Direcção de Finanças de Braga, chefiada pelo inspector tributário Paulo Silva, que apoia o Ministério Público na investigação e que depende directamente de Rosário Teixeira.

Joana Marques Vidal pede, por isso, a Amadeu Guerra, director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), onde corre o processo, que pondere assumir a direcção do inquérito que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates.

A procuradora-geral explica que os procuradores que dirigem a investigação lhe pediram para prolongar o prazo do inquérito até ao final de Junho, mas diz não estar em condições de “neste momento concluir sobre a adequação do prazo a conceder”. Por isso, solicita a Amadeu Guerra que lhe preste informações sobre o andamento dos trabalhos até final de Abril e nessa altura indique “o prazo que se mostra ainda necessário [para concluir o inquérito], se esse for o caso”.

Apesar de reconhecer que os atrasos no encerramento do inquérito estão associados à “elevada complexidade dos factos investigados”, a líder do Ministério Público não deixa de fazer críticas. “Pese embora todo o esforço empreendido e o considerável avanço na investigação, não poderá deixar de se notar que poderiam eventualmente ter sido desenvolvidas estratégias de direcção do inquérito tendentes a melhor racionalizar os meios disponíveis e a reforçar aquela direcção, desde logo em sede do cumprimento, pelo OPC [Órgão de Polícia Criminal, neste caso a equipa das Finanças], das orientações dadas pelos magistrados que integram a equipa de investigação”, lê-se no despacho.

A par das críticas, a procuradora-geral dá um claro sinal de confiança em Amadeu Guerra, frisando que a sua intervenção neste processo tem tido “evidentes reflexos positivos”. Marques Vidal pede ao director do DCIAP que “aprofundando o exercício dos seus poderes de direcção e hierárquicos”, pondere a adopção de medidas que permitam “fortalecer a direcção do inquérito e definir a concreta atribuição aos magistrados que integram a equipa das tarefas a realizar, a reforçar a articulação interna da equipa e, bem assim, a articulação directa e presencial da intervenção do OPC, eventualmente através da avocação do inquérito”. Esta hipótese, prevista no Código de Processo Penal, permite ao superior hierárquico do titular do processo chamar a si a direcção da investigação quando os prazos do inquérito estejam ultrapassados, o que neste caso já ocorreu em Outubro de 2015.

Mas a procuradora-geral também deixa claro que não pretende afastar o procurador Rosário Teixeira ou o inspector Paulo Silva da investigação, referindo-se expressamente à “evidente manutenção da equipa de magistrados e da coadjuvação do OPC”. Mesmo assim, relativamente à equipa das Finanças diz ser preciso uma “definição clara das suas atribuições, do modo como essa coadjuvação deve processar-se e do modo como o solicitado pelos magistrados ao OPC deve ser cumprido, bem como do tempo de cumprimento das tarefas atribuídas”.

Neste momento, segundo um comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) enviado esta sexta-feira, a investigação conta com 22 inspectores da Autoridade Tributária. Apesar de Paulo Silva fazer parte da Direcção de Finanças de Braga, o inspector tributário trabalha em Lisboa, no DCIAP, há mais de uma década, sempre apoiando o procurador Rosário Teixeira, que se incompatibilizou há vários anos com a Polícia Judiciária. A dupla começou por trabalhar na Operação Furacão, que investigou um complexo esquema de fraude fiscal que foi detectado pelas Finanças de Braga, continuou no caso Monte Branco e manteve-se na Operação Marquês.

No fim do despacho, Marques Vidal volta a pedir a Amadeu Guerra que pondere “a adopção de medidas de gestão que se mostrem adequadas a que o prazo a definir seja cumprido, designadamente a adopção de medidas tendentes a fortalecer a direcção do inquérito, entre as quais a sua eventual avocação”.

Fazendo um ponto de situação do inquérito, a Procuradoria precisa esta sexta-feira que no mesmo se investigam “suspeitas da prática de crimes de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais, recebimento indevido de vantagem, falsificação e tráfico de influência” e que, neste momento, a investigação tem 28 arguidos (19 pessoas singulares e nove pessoas colectivas). Para dar uma perspectiva das diligências já realizadas, a PGR dá conta de que já foram efectuadas “mais de 260 buscas, inquiridas cerca de 170 testemunhas, autorizadas e transcritas mais de 2600 escutas”.

O comunicado da PGR explicado aos pró-socráticos
Sócrates e os seus defensores adorariam que o procurador-geral ainda se chamasse Pinto Monteiro. Felizmente chama-se Joana Marques Vidal.

João Miguel Tavares
18 de Março de 2017, 7:52

O comunicado da Procuradoria-Geral da República acerca dos prazos para a conclusão da Operação Marquês tem o mérito de esclarecer uma série de questões que têm sido desvalorizadas por todos aqueles que só descobriram em 2017 que a corrupção demora muito a investigar em Portugal. Vale a pena olhar com atenção para o que lá está escrito – citações de Joana Marques Vidal em itálico, comentários meus a redondo.

O Ministério Público já analisou suficientemente muita da prova recolhida, podendo efetuar um juízo sobre a mesma, uma vez que se encontra solidificada.

Tradução para os pró-socráticos: vai mesmo haver acusação. Porque é que não se fechou de vez o inquérito? Porque falta analisar prova. Porque é que falta analisar prova? Porque os dez magistrados do Ministério Público e os 22 inspectores tributários que estão dedicados à Operação Marquês já têm no conta-quilómetros 2600 escutas aprovadas, 13.500 milhões de ficheiros informáticos analisados, 260 buscas efectuadas, 170 testemunhas escutadas e nove cartas rogatórias enviadas para diversos países. Há ainda a razão que se segue.

A investigação criminal é dinâmica e, à medida que o inquérito evoluía, os magistrados depararam-se com relações e factos com contornos de natureza criminal que, no início, não eram expectáveis. Não foram abandonadas as imputações iniciais mas o inquérito foi progredindo.

Esta é uma resposta directa à defesa de José Sócrates, que diz que o Ministério Público andou primeiro à procura de crimes no grupo Lena, como não encontrou passou para Vale do Lobo, e de seguida para a PT. A PGR nega essa tese. Os crimes referidos no início do processo mantêm-se. Simplesmente juntaram-se outros no decorrer da investigação.

Até finais do ano passado, já tinham sido apreciados cerca de 350 requerimentos apresentados por arguidos e, no Tribunal da Relação de Lisboa, tinham dado entrada mais de 50 peças processuais relativas a recursos e outros incidentes suscitados pelas defesas.

A defesa de José Sócrates queixa-se muito da demora do processo ao mesmo tempo que contribui diariamente para ela, com um nível de litigância absurdo. Cada recurso apresentado por Sócrates exige uma resposta demorada do Ministério Público – e, tirando o famoso caso do recurso relatado pelo juiz Rui Rangel, todos os outros foram indeferidos. O PÚBLICO de ontem fazia as contas: a Relação já recebeu 33 recursos, a defesa vai em 13 multas por atrasos, e só em custas judiciais (sem contar com os honorários dos seus advogados) José Sócrates foi obrigado a desembolsar 17 mil euros. Tendo em conta que o seu único rendimento conhecido é uma subvenção vitalícia de 3800 euros mensais (2250 líquidos), ele já investiu sete meses e meio de salário em recursos fracassados. Ninguém sabe qual será o Carlos Santos Silva de José Sócrates neste momento, mas o ponto principal é este: se o atraso na acusação é uma vergonha, Sócrates não se tem cansado de contribuir para a vergonha desse atraso.

O pedido de prorrogação do prazo concedido para a conclusão da investigação e da redação do despacho final mostra-se justificado e deverá ser atendido.


A PGR fez o que tinha a fazer. José Sócrates e os seus defensores adorariam que o procurador-geral da República ainda se chamasse Fernando Pinto Monteiro. Felizmente chama-se Joana Marques Vidal.


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