sexta-feira, 10 de março de 2017

Obras da nova mesquita na Mouraria só começam após as eleições autárquicas?



Obras da nova mesquita na Mouraria só começam após as eleições autárquicas?
POR O CORVO • 10 MARÇO, 2017 •

A construção da nova mesquita da comunidade islâmica do Bangladesh, integrada no projecto da nova Praça da Mouraria, poderá avançar apenas depois da realização das eleições autárquicas, no início do próximo outono. Esta é a convicção de observadores próximos do processo contactados por O Corvo, coincidentes na ideia de que o executivo liderado por Fernando Medina (PS) não quererá arriscar capital político num processo polémico, envolvendo uma expropriação muito contestada pelo proprietário de dois prédios a demolir e a nada consensual utilização de dinheiro público na edificação de um templo. Apesar de ter tomado posse administrativa dos imóveis a destruir para levantar a mesquita, em maio de 2016, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) continua sem exercer a efectiva prerrogativa. Em paralelo, enfrenta a contestação judicial do referido senhorio, António Barroso – o valor da indemnização está muito longe do desejado -, num processo que não terá desfecho em primeira instância num período, pelo menos, inferior a um ano.

Ainda esta semana, o proprietário dos dois imóveis (que têm números 145/145A/151A e 151B da Rua do Benformoso) foi notificado, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, da sentença dando conta do direito da autarquia em prosseguir com a expropriação do mais valioso dos edifícios, com o argumento de que “o processo está devidamente instruído, não contendo questões prévias ou nulidades que obstem ao deferimento da pretensão”. O mesmo despacho judicial garante à CML a adjudicação do direito de propriedade e declara a caducidade das hipotecas, penhoras e direitos de arrendatário referentes ao imóvel. E recorda a António Barroso e aos seus inquilinos que os valores de indemnização fixados, em julho passado, por arbitragem – e por eles contestados – se encontram depositados. E, por fim, dá um prazo de 20 dias para que contestem esta decisão. Algo que o senhorio fará, prolongando a disputa judicial.

Isso mesmo foi confirmado a O Corvo, esta quinta-feira (9 de março), pelo próprio e pela sua advogada. “Não vou desistir, porque o que me estão a fazer está a destruir-me a vida. Estou quase na miséria, com todo este processo. Fiz investimentos nestes prédios e, neste momento, não estou a conseguir honrar os compromissos financeiros assumidos”, diz agora António Barroso, sobre o qual impendem o valor hipotecário do empréstimo contraído junto do Montepio Geral e uma penhora das finanças. Uma situação que se tem deteriorado desde que, no final de 2015, ficou a saber o valor que a CML estaria disposta a pagar como compensação pela tomada dos seus imóveis. Aquando da sua primeira proposta, a autarquia ofereceu 531.850 euros pelos dois edifícios deste empresário, que, em contrapartida, exigia 1,9 milhões de euros – ao valor do mercado, acrescentava perdas relacionadas com a cessação dos arrendamentos, com os quais amortiza o investimento feito na reabilitação dos prédios comprados em 2009.


A não obtenção de entendimento entre as duas partes, senhorio e câmara, levou esta a decidir, em abril de 2016, avançar para a tomada de posse administrativa, invocando a inequívoca utilidade pública do projecto da Praça da Mouraria – sobre a qual será edificado o novo templo. O que se veio a concretizar a 23 de maio. Dois dias depois, ficava-se a saber que o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa havia aceite a interposição de uma providência cautelar decretando a suspensão da declaração de utilidade pública da expropriação, com carácter urgente, de três edifícios – dois dos quais de António Barroso. Decisão contestada logo de seguida pela autarquia, que viu o tribunal administrativo dar-lhe razão a 14 de julho. Desde essa altura – e tendo já depositado à ordem do tribunal os 613.700 euros, montante estipulado pela arbitragem desta querela como valor justo de indemnização -, a CML tem todos os argumentos legais para despejar António Barroso e os seus inquilinos e demolir os prédios.

Mesmo depois de ficar a conhecer tal decisão, a Câmara de Lisboa ainda terá feito uma derradeira proposta de compensação financeira. A mesmo aproximar-se-ia um pouco mais dos montantes pretendidos pelo proprietário expropriado: 953.800 euros, dos quais haveria ainda que deduzir 90.700 euros de indemnizações para os inquilinos. O valor foi, todavia, recusado pelo empresário, por o considerar ainda escasso, face ao seu investimento e ao que diz ser o valor de mercado – uma avaliação solicitada ao Montepio Geral terá, garante o senhorio, estimado um imóvel em 170 mil euros e o outro num montante ligeiramente superior a 900 mil euros. As razões para o descontentamento mantinham-se inalteradas. Por isso, em paralelo à contestação do processo administrativo de declaração da utilidade pública da expropriação, António Barroso havia já iniciado também um processo judicial visando impugnar todo o processo. É desse processo que chega agora sentença.

Tânia Mendes, a advogada do expropriado, confirma a O Corvo que vai contestar a decisão agora conhecida, dando assim expressão jurídica à vontade do seu cliente em ver compensado tanto o investimento feito na aquisição e recuperação de dois imóveis antes decadentes, bem como os prejuízos decorrentes da não concretização de receitas esperadas com arrendamentos. Evitando pronunciar-se sobre a matéria de facto, a jurista sublinha a justeza moral desta luta, que caracteriza como sendo equivalente a “David contra Golias” e frisa que, independentemente do reconhecido direito de culto, “não existe um bem público que justifique a expropriação”. “O meu cliente não irá sair por seu pé e quer esgotar todas as possibilidades”, diz, antevendo uma longa peleja judicial. “Não prevejo que, na melhor das hipóteses, o caso tenha um desfecho na primeira instância antes de um ano ou até de dois”, afirma, reconhecendo, porém, a possibilidade de um cenário em que, a qualquer altura, a câmara decida ocupar os imóveis e demoli-los.

O Corvo questionou a câmara, a 20 de dezembro passado, sobre o andamento do processo relacionado com o projecto da futura Praça da Mouraria e da mesquita que sobre ela será construída. “Qual o estado actual do processo? Quando será efectuada a efectiva desocupação dos imóveis da Rua do Benformoso e da Rua da Palma, visando a prossecução do referido projecto?” eram as perguntas, que continuam sem resposta.


Texto: Samuel Alemão

Sem comentários: