sábado, 11 de março de 2017

Marcelo espera que caso da conferência cancelada não se repita / Liberdade de expressão? Dia sim, dia não... / Negar a universidade e a liberdade


Marcelo espera que caso da conferência cancelada não se repita
O Presidente da República disse ter ficado "mais confortado" com a posição que lhe foi transmitida pelo reitor da Universidade Nova de Lisboa.

LUSA 10 de Março de 2017, 19:12

O Presidente da República afirmou esta sexta-feira esperar que o caso da conferência cancelada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa seja "uma lição para o futuro" e não se repita.

Em resposta aos jornalistas, no final de um seminário sobre incêndios, em Lisboa, o chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa disse ter ficado "mais confortado" com a posição que lhe foi transmitida pelo reitor da Universidade Nova de Lisboa, António Rendas, quanto à liberdade de expressão naquela instituição. "O reitor da Universidade Nova de Lisboa garantiu-me que também considera ser um valor fundamental. Portanto, eu espero que seja uma lição para o futuro e que não haja equívocos como este e situações absurdas como esta", declarou o chefe de Estado.

Na quarta-feira, o Presidente da República pediu um esclarecimento sobre o cancelamento da conferência do politólogo Jaime Nogueira Pinto pela FCSH, considerando que "é incompreensível uma decisão daquelas por parte de uma instituição pública".

Na segunda-feira, a direcção da faculdade decidiu cancelar uma conferência organizada pelo movimento Nova Portugalidade, e que contaria com a presença de Nogueira Pinto, alegando razões de segurança e suscitando críticas de vários quadrantes sobre uma suposta privação do direito de liberdade de expressão. Mais tarde, a reitoria explicou que o evento tinha sido adiado e não cancelado.

Esta sexta-feira, no final de um seminário na Reitoria da Universidade de Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa não quis comentar a forma como este assunto foi debatido na Assembleia da República: "Eu não vou comentar o Parlamento, eu disse a minha posição, a posição é clara".

"É incompreensível e absurdo haver qualquer tipo de iniciativa por parte de uma instituição - que é autónoma, de facto, não depende do Governo nem depende do Estado, mas é pública - que questione aquilo que é um dos valores fundamentais da Constituição, que é a liberdade de expressão de pensamento", reiterou.

Cancelamento de conferência na FCSH leva a dura troca de acusações entre BE e direita
O Presidente da República salientou que, entretanto, o reitor da Universidade Nova de Lisboa o informou "acerca do sucedido" e lhe garantiu "que tudo seria feito para precisamente assegurar a liberdade de expressão como um valor fundamental" naquela entidade pública.


"Portanto, eu naturalmente fiquei mais confortado pelo facto de saber que a Universidade Nova de Lisboa tinha a noção exacta de que há valores nos quais não se toca", acrescentou.

Liberdade de expressão? Dia sim, dia não...
Ninguém concordou com o cancelamento mas...

FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA
10 de Março de 2017, 6:44

O mais chocante no episódio do cancelamento da conferência do politólogo Jaime Nogueira Pinto na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, no meu entender, não é a clamorosa inépcia do director da faculdade ao cancelar o evento nem a ignorância liberticida dos jovens da associação de estudantes que aprovaram uma moção no sentido do cancelamento. Sendo inaceitáveis as atitudes da associação e do director numa sociedade democrática, importa sublinhar que a favor do director abonam o seu invocado receio de confrontos físicos e o facto de, no domínio do confronto político, o seu trabalho mais recente ser o livro A mensagem política de Jeremias na crise de 609-587 antes de Cristo.

Em defesa dos jovens esquerdistas, importa lembrar que há quem veja a juventude como uma doença mas que felizmente tem cura. Não partilho, seguramente, dessa opinião, mas reconheço que a juventude, por vezes, é um problema. Neste caso concreto, os jovens esquerdistas, face a uma organização direitista, decidiram aprovar uma moção no sentido do cancelamento da conferência, nomeadamente porque os jovens de direita se referiam à descolonização pós-25 de Abril de 1974 como um trágico equívoco!

Será que para estes jovens a descolonização tem de ser aceite por todos os portugueses como tendo sido louvável e exemplar? Não há espaço público para os que consideram que a descolonização foi um erro expressarem a sua opinião? E para os que defendem que se deveria ter construído uma comunidade de nações lusas ou um Estado Federal lusitano? Quiçá com a capital a circular rotativamente por Lisboa, Luanda e Lourenço Marques? Será proíbida a expressão pública das utopias de direita? Para além dos amanhãs que cantam do comunismo, não é admissível sonharmos com os africanos a dançarem o vira do Minho do fascismo? Não se pode ter uma imensa saudade dos chineses vestidos de campinos à porta do Hotel Lisboa em Macau?

Parece que não. Segundo um dos jovens censores, identificado como militante do Bloco de Esquerda, o problema deles não era com o politólogo de direita, que até tencionavam convidar para outros debates, mas sim com facto de, no seu entender, a liberdade de expressão não é dizer tudo o que se quer!

Como é evidente, ninguém concordou com o cancelamento do evento e foram numerosos os comentadores que se pronunciaram com veemência contra esta triste negação do espaço universitário. Mas, o que mais me chocou, foi ver surgir na praça pública, como paladino da liberdade de expressão o político Manuel Alegre que veio lembrar os seus tempos de estudante em Coimbra, no século passado, em que, segundo nos informou: havia colóquios proibidos, mas isso era no tempo da ditadura. Em democracia não é possível, porque a democracia é feita de debate e de pluralismo.

Parece este político querer fazer-nos esquecer que o ano passado, após porfiados esforços, conseguiu nos tribunais portugueses a condenação do tenente-coronel piloto-aviador João José Brandão Ferreira numa pena de multa de 1800 euros acrescida de uma indemnização de 25 mil euros por ter escrito num blogue que o militante socialista era um traidor à Pátria, tendo em conta o que considerava ter sido a actuação do cidadão Manuel Alegre como membro da Frente Patriótica da Libertação Nacional aos microfones da “Rádio Voz da Liberdade” em Argel.

Ora o que pensarão e diriam – muito provavelmente se sobre isso fossem questionados – o politólogo em causa e os direitistas jovens organizadores da conferência sobre o comportamento deste político durante a guerra do ultramar? Como classificariam o facto de Manuel Alegre na "Rádio Voz da Liberdade" com a sua tonitruante voz combater o patriótico regime de Salazar/Caetano e apoiar os movimentos terroristas, enquanto os soldados portugueses morriam às mãos dos guerrilheiros? Não entenderão eles, muito provavelmente, que foi um traidor à Pátria? E, pergunta-se (retoricamente) ao político Manuel Alegre, não podem ter esse entendimento? E expressá-lo publicamente ao abrigo da sua liberdade de expressão?

Moral da história: não se pode dizer Je suis Charlie à terças, quintas e sábados e Pas du tout às segundas, quartas e sextas, deixando os domingos para ir à caça.

Negar a universidade e a liberdade
Ao ceder, o director da FCSH negou a sua função e o papel de uma universidade.

SÃO JOSÉ ALMEIDA
11 de Março de 2017, 7:17

Quando uma universidade decide suspender uma conferência, está a fazer algo que é negar a sua própria essência e razão de existir. A universidade deve ser a casa da cultura, da formação humana, do crescimento intelectual, o que só acontece através do debate, de nos ouvirmos uns aos outros, de aprendermos com os outros, de nos reconhecermos nos outros e descobrirmos através dos outros. É para isso que serve uma universidade, e quando a direcção de uma universidade aceita ceder à pressão política dos grupos que vivem no seu seio, o que está a fazer é negar a sua própria razão de ser. Para além, claro, de pôr em causa uma regra estruturante das democracias modernas: o direito à liberdade de expressão.

Estas duas coisas aconteceram esta semana em Portugal com a decisão tomada pelo director da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), Francisco Caramelo, de suspender uma conferência anunciada para as suas instalações em que o orador era Jaime Nogueira Pinto, intitulada “Populismo ou Democracia: O 'Brexit', Trump e Le Pen”, organizada por um grupo de alunos chamado “Nova Portugalidade”.

O processo desenrolou-se com novos métodos comunicacionais, nas redes sociais, e com métodos tradicionais de luta, com a realização de uma Reunião Geral de Alunos (RGA), enquanto assembleia legitimadora da vontade popular do universo de alunos da FCSH. A nota publicada na página de Facebook da associação de estudantes dá conta da aprovação na RGA de “uma moção que vinculava” aquela direcção associativa “a tudo fazer" para que a conferência “não acontecesse”, numa votação com 24 votos a favor, quatro contra e três abstenções.

A leitura da nota evidencia um radicalismo censor e excludente dos que pensam diferente com base em argumentação risível e confrangedora pela ignorância que revela. A saber. Diz a Associação de Estudantes da FCSH que “emite, abertamente, uma nota de repúdio ao evento e ao cariz ideológico nacionalista e colonialista do núcleo que o promove e que se refere de forma indirecta à descolonização no seu manifesto como ‘trágico equívoco’”. E mais à frente dá um salto conceptual de monta ao afirmar: “Por sermos, efectivamente, uma universidade onde a liberdade de pensamento e o pensamento crítico são promovidos, não compactuamos com eventos apresentados como debates sob a égide de propaganda ideológica dissimulada de cariz inconstitucional”.

Vamos por partes. A Constituição proíbe de facto “organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista” no ponto 4 do Artigo 46.º. Mas daí dar o salto quântico de classificar de “propaganda ideológica dissimulada de cariz inconstitucional” a actividade de um grupo que caracteriza como de “cariz ideológico nacionalista e colonialista”, acrescentando como prova o facto de este grupo se referir “de forma indirecta à descolonização no seu manifesto como ‘trágico equívoco’”, é, no mínimo, fazer uma maionese conceptual sobre o que é o fascismo, o nacionalismo e o colonialismo e acabar a misturar o toucinho com o presunto. Desde quando é que fascismo é nacionalismo ou colonialismo? Não houve colonialismo em regimes liberais? Não houve e não há nacionalismos em democracias liberais? Desde quando ser nacionalista é anticonstitucional? Desde quando considerar a descolonização um “trágico equívoco” é ser colonialista?

Mais: confundir Nogueira Pinto com o fascismo é de uma miopia intelectual que apenas revela que quem o faz ou nunca ouviu e leu Nogueira Pinto ou então não sabe o que é o fascismo. Ele é tão fascista que mantém um programa de rádio semanal em que debate a evolução histórica ao longo do século XX com Ruben de Carvalho, membro do Comité Central do PCP.

Jaime Nogueira Pinto é de direita, é nacionalista, mas tem tanto direito a expor o seu pensamento e a ser ouvido como eu tenho direito a ser de esquerda social-democrata e escrever o que penso. Esse é o valor supremo da democracia. Esse é o valor sagrado da liberdade de expressão. Esse devia ser o papel de uma universidade que se prezasse enquanto espaço de cultura, de debate, de aprendizagem. Ao ceder, o director da FCSH negou a sua função e o papel que uma universidade deve ter numa sociedade democrática diversificada e inclusiva.

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