domingo, 31 de dezembro de 2023

24 de Março de 2017: Mais uma loja histórica com fim à vista? A Antiga Casa Faz Frio lá escapou / As lojas tradicionais da Baixa: desafios presentes e futuros





Mais uma loja histórica com fim à vista? A Antiga Casa Faz Frio lá escapou
Primeiro o medo: A Antiga Casa Faz Frio, na rua D. Pedro V, é mais uma vítima da Lei das Rendas e da turistificação da cidade. Podia ser, mas a promessa é que não será. O restaurante mudou de mãos mas o novo dono garante que a história vai ali permanecer intacta.

ANA FERNANDES 24 de Março de 2017, 20:30

O alarme soou estridente: mais uma casa histórica de Lisboa está com os dias contados. A Antiga Casa Faz Frio, um restaurante perto do Príncipe Real, que já contornou o centenário há uns valentes anos, fecha no fim do ano, anunciou-se. Fez-se a petição, onde se lia que a previsão é que o interior seja totalmente destruído, mil assinaram e o assunto caiu nas redes sociais como fogo na palha. Só que não é essa a intenção do novo proprietário, que não só quer manter o restaurante como melhorá-lo sem o descaracterizar.

É uma causa que galvaniza. A sua idade não é certa – fala-se em 120, outros em 150 anos. A única referência certa é o alvará de 1928 mas a sua origem remonta provavelmente à década de 60 do século XIX, garante Mário Gouveia, um dos sócios do Faz Frio. Nasceu como casa de pasto, provavelmente teria também uma estalagem.

Além do pavimento em pedra, dos velhos azulejos, destacam-se três pequenos compartimentos em madeira, que subdividem o restaurante. Nas paredes destas divisórias estão 28 pregões de Lisboa, evocando as figuras populares do comércio da cidade.

São estes elementos que muitos receiam ver completamente destruídos para que ali nasça algo “gourmet” ou “modernaço”. “Mentira”, assegura Jorge Godinho, que comprou a sociedade aos ainda donos do restaurante, que ali permanecerão até final do ano.

“Vamos manter o restaurante, fazendo algo o mais aproximadamente possível ao que está mas dando outras condições pois como está ninguém lá vai”, diz Godinho. “Vamos fazer o que hoje se faz mas em bom”, assegura. Quanto aos elementos históricos são para manter, dignificando-os.

O projecto de alterações não está concluído mas há modificações inevitáveis: “O balcão é em inox, horrível, as casas de banho são minúsculas, só lá cabem mini-pessoas, o cheiro da cozinha mete-se todo nos andares de cima. Isto tudo é para mudar, preservando o que tem de bom – os azulejos, o chão, os quadros ou os pilares”, exemplifica. “Quero dignificar, melhorar, dar mais salubridade a um espaço que o merece”, reforça.

Nunca questionado sobre as suas intenções, Jorge Godinho viu-se numa máquina trituradora de críticas e acusações. “Não sou contra a petição, sou contra as mentiras que lá estão”, sublinha.

O problema é que a petição parte logo do princípio que é tudo para destruir. Algo de que Mário Gouveia se mostrou também inicialmente convencido - "Vão partir isto tudo", chegou a dizer ao PÚBLICO. Um receio em que não era acompanhado pelo outro sócio – maioritário, com 70% – que critica o rebuliço criado por quem nunca teve os dados todos na mão.

Filho de um cozinheiro da Marinha que chegou ao Faz Frio há 46 anos e que se juntou a outros comandantes que ali davam palco aos petiscos ligados ao mar, Manuel Sequeira assegura que a transição foi tranquila e mostra-se descansado quanto ao futuro do restaurante.

“O prédio foi comprado há dois anos e o senhorio tinha os seus planos para o restaurante. Ainda contactámos as Lojas com História mas eles não têm capacidade para inverter nada. A lei das rendas é como é e, apesar de ainda termos contrato por alguns anos, decidimos chegar a acordo e estamos satisfeitos”, garante.

A sociedade actual nasce em 1970 com seis sócios. O pai de Manuel Sequeira foi comprando quotas ao longo do tempo e o filho também. Recentemente, Mário Gouveia, empregado do restaurante, juntou-se à sociedade, ficando com 30%.

A proximidade ao Parlamento deu-lhe a fama de abrigar tertúlias e conspirações – os compartimentos em madeira ajudaram a criar esta aura de clandestinidade. Segundo Mário Gouveia, o seu nome virá do facto de ter uma porta para as traseiras que estava sempre aberta para fugas intempestivas, o que gerava grandes correntes de ar. Os conspiradores, assegura, “diziam que iam ao restaurante onde faz frio, e assim ficou o nome”.

Se assim é ou não, não interessa. O certo é que é parte da memória de uma cidade e a sua defesa mobilizou centenas. Jorge Godinho não os leva a mal e percebe as boas intenções. Mas tenta sossegar os receios, deixando um apelo: Vão lá, contribuam para que a casa não acabe ameaçada por falta de rentabilidade.



Apesar de tudo avançou-se na pressão da Opinião Pública e na vigilância alertada da Comunicação Social . Vamos ver agora (já se passaram dois anos depois das anunciadas intenções) o que sai concretamente, a nível legislativo, do Parlamento.
António Sérgio Rosa de Carvalho / OVOODOCORVO / 25-3-2017

As lojas tradicionais da Baixa: desafios presentes e futuros
Finalmente, os proprietários das Lojas Tradicionais encontraram-se em Lisboa, e estabeleceram contacto através de uma plataforma de “cidadania”.

25 de Junho de 2015, 2:39

Este é o exacto título de um artigo da minha autoria, inserido no volume intitulado “Reabilitação Urbana: bases para uma intervenção de salvaguarda”, publicado em Junho de 2005 pela CML, com a coordenaçào editorial de João Mascarenhas Mateus, exemplo de um completo estudo de conteúdo, no contexto preparatório da classificação da Baixa a Património Mundial.

Isto é relevante, agora que a CML anunciou a sua intenção de reactivar a ideia da Classificação, estendendo-a aos bairros históricos e simultaneamente voltar a repetir a ideia/intenção, tantas vezes repetida, de promover o programa “Lojas com História”, onde se pretende simultaneamente defender as características culturais/patrimoniais dos estabelecimentos históricos e promover o comércio tradicional.

Ora, precisamente no artigo acima referido e também em artigo publicado no PÚBLICO em 16/07/2006 Made in Portugal, eu descrevo as experiências que tive oportunidade de desenvolver em lojas tradicionais com interiores de valor histórico, em permanente colaboração com a Unidade de Projecto Baixa-Chiado e o então IPPAR.

Assim, na antiga alfaitaria Rosado Pires, na Rua Augusta, conseguiu-se convencer o novo proprietário a manter todo o interior intacto, utilizando a sua autenticidade como uma mais valia. Pena que, com o tempo, uma parte do mobiliário original tenha desaparecido e o interior tenha sido “funcionalizado”. O mesmo foi conseguido na Perfumaria Pompadour, com projecto de interiores de Raúl Lino (agora Swarovski /Rua Garret ) assim como na farmácia Normal na Rua da Prata.

Isto serve apenas para ilustrar que, embora estes processos tenham conhecido avanços e recuos paradoxais e inexplicáveis, existe uma base de conhecimento já considerável e aproveitável.

Um bom exemplo destes paradoxos constitui a recusa de classificação, por parte do IPPAR neste período, da Ourivesaria Aliança, juntamente com outros importantes estabelecimentos que constavam nos dossiers completos desenvolvidos pelo Núcleo dos Estudos do Património da CML.

No entanto, posteriormente, sobre a pressão da Opinião Pública e Comunicação Social, Manuel Salgado exigiu e garantiu a preservação deste notável e insubstituível estabelecimento.

A vigilância e o contacto entre os interessados é portanto fundamental.

Mas, e aqui chego ao objectivo deste artigo, há que manter objectividade e pragmatismo nos objectivos imediatos.

O acontecimento mais importante no que respeita a salvaguarda concreta perante a ameaça progressiva que constitui a Lei das Rendas, tomou lugar no Porto no Hotel Intercontinental, numa conferência intitulada Reabilitar para Revitalizar (PÚBLICO 20/09/2014) onde Rui Moreira exprimiu as suas preocupações de forma confrontadora perante uma assembleia de empreendedores e proprietários, ameaçando chegar ao ponto de expropriar edifícios, caso os insubstituíveis estabelecimentos históricos instalados no mesmos fossem ameaçados e consequentemente extintos, pelo aumentos das rendas.

Ora, finalmente, os proprietários das Lojas Tradicionais encontraram-se em Lisboa, e estabeleceram contacto através de uma plataforma de “cidadania”.

Se isto fizer algum sentido será, não apenas na troca de informações e de postais “culturais”, ficando “entretidos” num circulo inefectivo, enquanto a espada ameaçadora da Lei das Rendas continua a descer sobre as suas cabeças, mas precisamente numa acção coordenada e sistemática de forma a levarem Medina e Salgado a tomarem uma posição explícita e pública de compromisso na defesa das Lojas Tradicionais, perante a ameaça crescente para a sua existência e sobrevivência, que a Lei das Rendas constitui.

Historiador de Arquitectura


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