domingo, 26 de março de 2017

Impasse na mesquita da Mouraria: "Tenho uma vida miserável"


Impasse na mesquita da Mouraria: "Tenho uma vida miserável"
O homem expropriado de dois prédios na Mouraria está doente, falido e desesperado com a Câmara Municipal de Lisboa. Promete continuar a lutar pelo que julga ser justo, mas não parece haver uma solução amigável.

JOÃO PEDRO PINCHA 26 de Março de 2017, 8:28

António Barroso não parece ter mudado muito. Está visivelmente mais magro e talvez os seus passos sejam um pouco mais vacilantes do que quando o conhecemos, em Maio do ano passado. Mas o olhar mantém-se vivo, as palavras azedas e a revolta em ebulição – pronta a explodir e a dificultar o mais possível a criação de uma nova praça na Mouraria, para onde está prevista uma mesquita.

Os dois AVC e a febre tifóide que afirma ter tido nos últimos meses não o demoveram da luta que assumiu contra a Câmara Municipal de Lisboa, que no ano passado o expropriou de dois edifícios na Rua do Benformoso para dar corpo ao projecto da nova praça. “Eu era para ter uma vida linda. E hoje tenho uma vida miserável. Isto deu cabo da minha vida toda, deu cabo da vida da minha família. Estes cavalheiros não têm humanidade nenhuma. Isto é à maneira deles e pronto.”

Os “cavalheiros” são o presidente da câmara, Fernando Medina, e o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, que António Barroso identifica como os principais responsáveis pela situação em que vive hoje.

Em Maio de 2016, a autarquia tomou posse administrativa dos dois prédios que António Barroso tinha comprado dez anos antes naquela que é uma das artérias mais multiculturais de Lisboa. O projecto de criação de uma praça naquele local, ligando as ruas da Palma e do Benformoso, é de 2012. O protocolo com o Centro Islâmico do Bangladesh com vista à instalação de uma mesquita num dos edifícios da nova praça é do ano seguinte.

Inicialmente, a câmara ofereceu cerca de 500 mil euros de indemnização pelo maior dos dois imóveis, que António Barroso usa para habitação e para arrendamento. Recusou. Diz que gastou quase tanto nas obras de reabilitação do prédio, que tiveram de obedecer a várias regras patrimoniais – a manutenção dos azulejos e lajes oitocentistas — e até chegaram a estar embargadas.

António Barroso quer ser indemnizado pelo que diz ser o preço de mercado – mais de um milhão de euros – ou que a autarquia lhe arranje outro edifício. “Interessa-me que me dêem um prédio nesta zona para eu continuar com o negócio e ter um sítio para viver”, diz ao PÚBLICO na loja de tricots, crochets e roupa interior que gere na mesma rua.

Quando as negociações ainda estavam numa fase amigável, a câmara não concordou com o valor sugerido por Barroso. Considerou-o “excessivamente elevado e não devidamente justificado”, como se pode ler numa carta enviada por Manuel Salgado ao empresário. Depois, em Maio, António Barroso foi a uma reunião pública do município para tentar expor a situação e Fernando Medina garantiu-lhe que havia “interesse em consensualizar” um valor.

A derradeira tentativa de diálogo terá ocorrido a 22 de Julho, já depois de o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa ter dado razão à câmara na expropriação por haver “inquestionável interesse público” e depois de também já ter sido definido um novo valor de indemnização por peritos nomeados pelo tribunal (a rondar os 600 mil euros).

“Fomos lá e os cavalheiros propuseram-me o seguinte: davam-me 936 mil euros, mas eu tinha de indemnizar os meus inquilinos”, conta Barroso. Ficaria, assim, com cerca de 850 mil euros. Um valor que, uma vez mais, não lhe interessa. “Tenho andado muito doente. Com a miséria que eles me dão eu não consigo comprar absolutamente nada. Com este dinheiro nem um andar consigo comprar.”

Apesar de já não ser oficialmente o dono dos prédios, António Barroso continua a ter de pagar mensalmente quase dois mil euros de prestações pelos empréstimos que contraiu para comprar os imóveis. Tentou impugnar todo este processo, mas o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa recusou e autorizou a câmara a prosseguir com os seus intentos.

O PÚBLICO contactou a autarquia na semana passada para saber em que ponto está este processo e como é que ele se desenrolou nos últimos meses. As perguntas continuam sem resposta.


António Barroso é que não vai ficar calado. Além de querer contestar a última decisão judicial, vai escrever cartas a António Costa e a Marcelo Rebelo de Sousa, na esperança de os sensibilizar

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