sexta-feira, 24 de março de 2017

Comissária europeia considera que declarações de Dijsselbloem foram infelizes / Copos, mulheres e aldrabices


Comissária europeia considera que declarações de Dijsselbloem foram infelizes
Cecilia Malmström não concorda com declarações, mas salienta o "bom trabalho" do líder do Eurogrupo.

LUSA 23 de Março de 2017, 14:00

A comissária europeia do comércio considerou esta quinta-feira, em Lisboa, que foram infelizes as declarações de Jeroen Dijsselbloem sobre os países do Sul da Europa, apesar de considerar que o ministro holandês tem feito um bom trabalho na União Europeia.

"Penso que o senhor Dijsselbloem está a fazer bom trabalho, penso que foi muito infeliz por ter dito algo assim porque pode ser mal-entendido, eu nunca diria algo assim", afirmou Cecilia Malmström aos jornalistas à saída de uma audição no parlamento português sobre o acordo de comércio entre a União Europeia e o Canadá.

Questionada sobre se este tipo de declarações não serve para criar divisões na Europa, a política sueca preferiu destacar o "bom trabalho" de Jeroen Dijsselbloem como presidente do Eurogrupo (grupo que reúne os ministros das Finanças dos países da zona euro).

"Não devemos olhar só para essas palavras, foi uma coisa estúpida de se dizer", concluiu a responsável pela pasta do Comércio na Comissão Europeia.

A polémica em torno de Jeroen Dijsselbloem surgiu depois de este ter usado uma metáfora controversa, em declarações na segunda-feira a um diário alemão sobre o bloco do sul da União Europeia.

"Na crise do euro, os países do norte da Europa mostraram-se solidários com os países afetados pela crise. Como social-democrata, atribuo à solidariedade uma importância extraordinária. No entanto, quem pede ajuda também tem obrigações. Não se pode gastar o dinheiro em copos e mulheres e logo depois pedir ajuda", afirmou.

Isto levou a que várias vozes tenham pedido já demissão de Dijsselbloem do cargo de presidente do Eurogrupo, incluindo o líder dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, a família política que o ministro das Finanças holandês integra.

Também o primeiro-ministro português, António Costa, pediu o afastamento de Dijsselbloem do cargo, a que se juntaram o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que se encontra de visita a Bruxelas, e o líder do Parlamento Europeu, Antonio Tajani.

Já esta quarta-feira, Dijsselbloem lamentou que haja quem se tenha sentido ofendido com as suas declarações, desculpando-se com a cultura Calvinista holandesa e salientou não ter qualquer intenção de se demitir.


"Lamento que alguém se tenha ofendido com o comentário. Foi directo e pode ser explicado com a cultura de rigor holandesa, a cultura Calvinista", afirmou, em declarações divulgadas em Bruxelas.


Copos, mulheres e aldrabices
Nem Wolfgang Schäuble alguma vez se atreveu a utilizar esta linguagem de taberneiro numa Europa politicamente extremada.

23 de Março de 2017, 7:02

Gastei muito dinheiro em bebida,miúdas e carros. O resto desperdicei-o.”
George Best (1946-2005)

Não foi um latino do Mediterrâneo que disse a magnífica frase que serve de epígrafe a este texto. Foi um génio futebolístico nascido em Belfast, George Best, o jogador com corte de cabelo à Beatle que faz parte da história do Manchester United. Parece-me, aliás, ridículo que seja um holandês, como o senhor Dijsselbloem, a criticar os países que gastam dinheiro “em copos e mulheres”, tendo em conta a excelente tradição de Amesterdão nessa matéria.

O presidente do Eurogrupo foi longe demais, e a sua frase é errada de tantas maneiras – desde logo pelo seu machismo mais labrego – que exigir a sua demissão é inevitável: pior do que gastar dinheiro em copos e mulheres é gastar entrevistas a deitar sal na ferida do norte trabalhador contra o sul mandrião, uma conversa batida que já não vai a lado algum. Nem como populismo se percebe. O ainda ministro das Finanças holandês não tem de ganhar eleições – elas acabaram de acontecer e o grande derrotado foi o seu partido, o socialista PvdA –, e este género de comentários é totalmente contraproducente, porque só promove o cavar de trincheiras e a vitimização dos países do sul.

Dijsselbloem, na entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine, proferiu três frases inatacáveis antes de se espalhar ao comprido. “Na crise do euro, os países do norte da Europa mostraram-se solidários com os países afetados pela crise” – é verdade. “Como social-democrata, atribuo à solidariedade uma importância extraordinária” – é bonito. “No entanto, quem pede ajuda também tem obrigações” – é óbvio. “Não se pode gastar o dinheiro em copos e mulheres e logo depois pedir ajuda” – é estúpido. O senhor Dijsselbloem não é propriamente um amador da política, e nem Wolfgang Schäuble alguma vez se atreveu a utilizar esta linguagem de taberneiro numa Europa politicamente extremada.

A prova, aliás, de que estas declarações idiotas obtêm o efeito contrário ao pretendido está na imediata reacção do ministro dos Negócios Estrangeiros português. Augusto Santos Silva sublinhou – e bem – que se tratou “de uma graçola que usa termos que hoje já não são concebíveis” e “que não é própria de um ministro das Finanças europeu”, para depois aproveitar a embalagem da asneira alheia para expelir e expandir as suas próprias asneiras, esticando-se – e mal – nas interpretações delirantes dos socialistas portugueses acerca dos motivos da crise.

A narrativa de Santos Silva é conhecida, até porque é a mesma de António Costa e de José Sócrates: “O que se passou com países como Portugal, Espanha ou Irlanda não foi termos gasto dinheiro a mais” – convém suster o riso nesta parte. “Nós, como outros países vulneráveis, sofremos os efeitos negativos da maior crise mundial desde os tempos da grande depressão” – snif, snif – “e as consequências de a Europa não estar suficientemente habilitada com os instrumentos que nos permitissem responder a todos aos choques que enfrentamos.” Ora cá está. Responsabilidades portuguesas? Um redondo zero. Responsabilidades europeias? Todas. Como é óbvio, este discurso é tão obscenamente primário e insultuoso quanto o de Dijsselbloem. Infelizmente, depois de nos atirarem com os copos e com as mulheres à cara passa por forma legítima de autodefesa. Estupidez com estupidez se paga.  

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