segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Marques Mendes: Comunicado de Marcelo "matou politicamente Centeno" / À boleia de Centeno


Marques Mendes: Comunicado de Marcelo "matou politicamente Centeno"
O conselheiro de Estado fala de um ministro Mário Centeno "muito diminuído politicamente" com o caso Caixa e diz que podem estar para surgir "novos casos de mau exercício do poder (...) nas próximas semanas ou meses".

Negócios jng@negocios.pt
19 de fevereiro de 2017 às 21:02

Marques Mendes considerou esta noite, no seu espaço habitual de opinião na SIC que a nota do Presidente da República sobre a manutenção de Mário Centeno na pasta das Finanças, na sequência das polémicas da Caixa Geral de Depósitos, "mata politicamente Mário Centeno".

Nas notas facultadas ao Negócios que suportam esta intervenção, Marques Mendes acrescenta que o ministro das Finanças pode "estar preso por arames" no Governo por se encontrar "muito diminuído politicamente" na sequência das controvérsias nas nomeações para a Caixa Geral de Depósitos. E diz suspeitar que "novos casos de mau exercício do poder" venham a surgir "nas próximas semanas ou meses".

O membro do conselho de Estado disse esta noite que o Governo viveu uma série de ironias na semana que passou, ao dizer que o défice ficará nos 2,1% ("um valor excelente"), e depois se saber que o PIB em 2016 cresceu 1,4% e se que a Comissão Europeia espera que cresça 1,6%, mais que o Governo. Mas não foi disso que se falou.

"Falou-se mais da trapalhada da Caixa, dos sms e de Centeno que do resultado do défice. (…) Ou seja, numa das melhores semanas para o Governo, em termos financeiros, a gestão política de Costa e as trapalhadas de Centeno ofuscaram tudo," afirmou o antigo líder social-democrata.
Para Marques Mendes, pensar que a polémica em torno da CGD não conta "é um absurdo: "Os bons resultados do Ministro das Finanças não o desculpam pelo seu comportamento na Caixa e pela sua fuga ao total esclarecimento", afirma, acrescentando que Centeno "está muito diminuído politicamente. E pode estar preso por arames".

"Mário Centeno fez um acordo. Não quer ir até ao fim e explicar a situação," observou.

O comentador diz que o antigo presidente da Caixa Geral de Depósitos, António Domingues, se sente "traído" por aquilo que alegadamente lhe prometeram e não se cumpriu e está "mortinho por se vingar". "Está nas mãos de Domingues o futuro de Mário Centeno. É uma peça-chave", referiu, acrescentando que todos conhecem já as mensagens menos o Parlamento.

Sobre a possibilidade de emergir mais uma comissão de inquérito potestativa apenas para avaliar o papel de Centeno neste processo, referiu que a situação "ideal" era que apenas existisse uma, mas que o importante é esclarecer: "Se houver duas [comissões] não é drama."

Em relação à gestão político-partidária, defendeu que PSD e CDS estão a fazer "guerrilha partidária" e não deverão com isso ganhar votos. Mas se conseguirem que Mário Centeno se demita será "um tiro no porta-aviões". Já a "geringonça" está "unida mas a fazer uma gestão política desastrosa, caótica" por estar a adiar o fim desta que é a "maior crise" até hoje no Governo, por não esclarecerem todos os factos.


Já o Presidente da República, que "tem toda a razão na questão de fundo", devia evitar pronunciar-se publicamente sobre a questão. E Marques Mendes diz que, se pudesse, recomendaria mesmo que nada mais diga sobre esta matéria.

À boleia de Centeno
19 DE FEVEREIRO DE 2017
Pedro Marques Lopes

Sendo impossível escolher um ator que tenha desempenhado o seu papel de forma sequer medíocre na novela CGD/Domingues/Centeno/Costa/etc., resta escolher o que se pode tirar como retrato de alguns problemas que persistem na nossa comunidade.

1. Marina Costa Lobo, neste jornal, chamava à atenção de que "as questões de transparência política tendem a ser menos valorizadas entre os eleitores do que os resultados económicos". É verdade. E até se podia ir mais longe, há vários casos - na gestão autárquica, por exemplo - em que os nossos concidadãos desconsideram condutas criminosas em função daquilo que consideram um bom desempenho político.

A convicção que tanta gente mostra - e que me parece real - de que as pessoas não estão preocupadas com as mentiras de um ministro ou que estão dispostas a tolerar mentiras em função de resultados económicos ou outros geraria o que Manuel Carvalho, no Público, chamou a "consagração da patranha".

Importa agora perceber como se chegou ao estado em que os cidadãos, aparentemente, não exigem que os políticos falem verdade ou, pelo menos, desvalorizam questões éticas.

Podíamos chegar à conclusão de que os políticos estão a reproduzir ou a manifestar o que as suas bases de apoio acreditam: não interessa, no caso concreto, se se mentiu, o importante serão os resultados, neste caso, económicos. No fundo, estariam a cumprir a sua função, a representar os valores de quem os elegeu.

A questão é que esse comportamento das pessoas foi induzido, e continua a ser, pelos próprios políticos e por quem faz parte do processo político.

O espetáculo que os partidos e os comentadores mais próximos desta ou daquela área política voltaram a dar explica, em boa parte, o comportamento dos cidadãos. Se vemos um dos lados exigir uma moral que não exige aos seus, transforma-a em algo de tão flexível que deixa de fazer sentido. Ou seja, afasta a verdade, neste caso, da equação política. Torna os eleitores reféns de uma situação que, em tese - ainda acredito que as pessoas preferem a verdade à mentira -, lhes desagrada. Daí até à descrença no sistema vai um passo de um anão.

Os líderes políticos de uma comunidade não podem ser reprodutores acéfalos de um conjunto de convicções conjunturais, têm de ser os promotores dos valores que a fundam. A democracia tem na sua base valores éticos inalienáveis, quando se relativizam põe-se em causa o edifício, que mais cedo ou mais tarde ruirá.

2. Todas as exigências de António Domingues foram aceites na convicção que se estava perante um verdadeiro profeta. Deu no que deu.

Nesta semana, ficou claro que Centeno só não sai do governo porque o Presidente e o primeiro-ministro pensam que sem ele seria o caos. Também vai dar mau resultado. A fragilidade política do ministro vai alastrar-se ao governo e, se as complicações são grandes neste momento, ainda vão tornar-se maiores.

A mania dos homens providenciais é um mal nacional que não apresenta melhoras.

3. O diploma que isentaria António Domingues de apresentar a sua declaração de rendimentos foi, como é do conhecimento público, elaborado num escritório de advogados. Não faltaram acusações sobre o suposto escândalo que seria a utilização de juristas de fora da órbita do Estado num assunto desta sensibilidade.

Passemos por cima do facto de que todos os governos de todos os partidos há muito tempo recorrerem a grandes escritórios para ajudarem na elaboração de leis e noutros tipos de serviços legais que costumavam ser realizados pelo Estado. Há uma boa razão para que isso aconteça: é que os grandes escritórios prestam esses serviços melhor do que o Estado.

Chegamos a esse ponto pelas piores razões. O discurso do emagrecimento do Estado teve uma consequência óbvia: afastaram--se os técnicos mais qualificados, no caso, juristas. Mas está longe de ser o único caso. Muito longe. O Estado tem perdido competências técnicas em quase todos os setores.

Enquanto é discutível que certas áreas permanecem na órbita do Estado, ou que tenham uma diminuição de tamanho, há zonas que pela sua importância não podem ser, digamos assim, concessionadas ao setor privado em nenhuma circunstância, um caso será o de legislar, mas devem estar aqui incluídas, entre outras, todas as matérias ligadas à soberania e à segurança.

O Estado manteve-se gordo onde devia emagrecer e emagreceu demasiado nos locais onde devia permanecer robusto.

4. Surpreendeu ver no caso da equipa de gestão de António Domingues tanto empenho em manter escondidos os rendimentos. Não porque eu não pense que o cidadão tem direito a isso, mas porque devia existir a noção nos gestores de que trabalhar para o Estado impõe um maior rigor de transparência. Mas não só. Convenhamos que alguém que vem de cargos importantes do setor bancário, face a todas as barbaridades que aconteceram, devia ter, no mínimo, a humildade de perceber que as pessoas têm todas as razões para desconfiar deles. Seria aliás normal exigir mais transparência a esses profissionais, é que temos todos pago muito por erros e crimes de muitos dos seus camaradas de profissão.

O facto é que o poder político deixa-se demasiadas vezes desrespeitar pelo poder económico. As exigências de Domingues e da sua equipa e a forma como Centeno a tudo disse sim é só mais um exemplo da admissão de subalternidade.

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