domingo, 18 de setembro de 2016

"Tem de haver residentes nos prédios de alojamento local"


Hoje em Berlim tomam lugar as eleições . O grande tema das eleições é o direito de habitar, o aumento galopante do preço das casas , a especulaçào Imobiliária …
Este será também um dos temas fundamentais nas próximas eleições de Lisboa.
OVOODOCORVO

"Tem de haver residentes nos prédios de alojamento local"

18 DE SETEMBRO DE 2016
00:45
Marina Almeida

Os bairros históricos de Lisboa estão a mudar: têm mais gente, grande parte estrangeiros que lhes dão uma vida diferente. Quem lá mora há muitos anos, ou desde sempre, está dividido: por um lado reconhece que os turistas trazem um ambiente novo, por outro temem a perda de identidade. O presidente da Junta de Santa Maria Maior dá a sua visão sobre um tema que o DN contou ontem numa grande reportagem.

Quais são os problemas e as virtudes do alojamento local? Por um lado cada vez se encontra menos população e comércio local nos bairros mas por outro os prédios estão arranjados.

A imagem é forte demais mas faz-me lembrar quando foi a polémica da bomba de neutrões ainda nos tempos da Guerra Fria em que estaria a ser desenvolvida uma bomba de neutrões que aniquilava as pessoas mas os edifícios ficavam todos em pé. Eu não me interessa ter muitos prédios recuperados e depois não morarem lá pessoas, sobretudo pessoas do bairro e dos bairros. Passando a imagem mais catastrófica, a questão que se coloca é que a razão principal pelas quais os turistas visitam a cidade de Lisboa segundo um inquérito que foi realizado aqui há uns anos pela Direção de Turismo da Câmara de Lisboa é curiosamente a autenticidade. Entre gastronomia, sol, luz, arquitetura, tudo isso. Portanto se esta cidade e se esta freguesia que é Santa Maria Maior e é o coração de Lisboa, tem os bairros históricos de Lisboa, perder a autenticidade, também esta demanda tenderá a esvaziar-se.

Alfama e Mouraria são os bairros mais afetados?

Aquilo que está a acontecer sobretudo em Alfama de forma acentuada mas também na Mouraria é uma espécie de assalto onde as pessoas que nasceram nestes territórios e que sempre viveram lá são repentinamente empurradas para fora. Ou a troco de indemnizações que não têm uma particular relevância, ou mesmo à força da legislação que permite fazer isso. Eu não diabolizo o turismo, é importante para a nossa economia, para a criação de emprego, mas não pode questionar a qualidade de vida de quem cá mora nem a preservação do seu modo de vida. Quando isso acontecer é o próprio turismo que fica condenado e vai para outras paragens.


O que deve ser feito?

Esta lei das rendas já devia ter sido alterada. Aliada ao facto se ter descoberto de repente que o alojamento local é um investimento de lucro muito elevado e pouco taxado do ponto de vista dos impostos, está a fazer que seja muito fácil hoje em dia correr com um cidadão que mora no bairro há 20, 30 anos, às vezes há mais, para o substituir por outro tipo de residente que está 4,5 dias, depois vem outro que está 6,7 dias, não são residentes fixos.

É uma população flutuante.

É uma população flutuante que por muito simpática que seja descaracteriza os bairros, não é aquela população tão boa para o comércio em si. É uma população que desestabiliza a qualidade de vida de quem lá mora. Num prédio onde haja habitação permanente e habitação local, quem está em habitação local está de férias e não tem preocupação com o ruído. Isto está a fazer que haja uma debandada. Ou gente que é expulsa, ou gente que não está para aturar isto.

Quantos recenseados tem?

Nós perdemos 10% do nosso eleitorado. Tínhamos 12 mil eleitores, agora temos 11 mil. Quando baixar dos dez mil eleitores há consequências muito sérias quer a nível orçamental na junta quer a nível de organização. Temos aqui na freguesia uma média diária calculada de 200 mil pessoas, que sujam, estragam e também reclamam. Mais de 50% do nosso orçamento é alocado à prestação destes serviços, higiene urbana e recuperação do espaço público e mesmo assim isto é muito pesado. Estamos muito preocupados com esta atitude neoliberal que existe em relação ao alojamento local.

Qual poderia ser o caminho? Berlim e Barcelona já impuseram limites ao Airbnb, Lisboa poderia seguir um caminho semelhante?

Medidas imediatas para já é procurar introduzir um nível de fiscalidade que agrave a quem coloque este tipo de apartamentos no mercado. Em segundo lugar, para as tais situações mistas onde há residentes fixos e alojamento local, só possa haver alojamento local se for aprovado em assembleia de condóminos. A quota para alojamento local, como tem Berlim, admito que sim mas não sei como. Depois quem é que tem direito? É por sorteio? É quem pede primeiro? Temos de refletir sobre isso. Acho que aquilo que se pratica em Barcelona talvez seja o mais viável, isto é, tem de haver residentes nos prédios, e os residentes têm de concordar. Neste momento é preciso travar. Estamos tão desesperados, qualquer exemplo que vem de fora é bom.

O presidente da Associação do Alojamento Local está a pensar em formas alternativas de atuar no mercado. Uma passaria por atrair para Alfama, porque é um bairro com casas mais pequenas, um alojamento de média duração para jovens, solteiros, eventualmente estrangeiros que queiram ali viver, com fiscalidade intermédia. Veria isso com bons olhos?

Eu não conheço a proposta concreta e não me vou pronunciar. O que tenho de equacionar é que Alfama tem de manter as pessoas que lá moram e as pessoas tradicionais do bairro. Depois, os jovens que eram os filhos deles, que lá viviam em regime de arrendamento a tempo certo estão agora a ser dizimados pelas cartas para saírem. Quando fui eleito, um T0 ou um T1 em Alfama tinha a renda média de 150/170 euros. Agora está a mil euros. E mesmo assim é difícil conseguir, porque eles fazem isso numa semana no alojamento local. Eu gosto que Alfama tenha jovens mas temos de tomar medidas para que os jovens de Alfama tenham condições para lá ficar.

Fala da questão da autenticidade e do que os turistas procuram em Lisboa mas tem a Baixa cheia de hotéis.

Claro, e também há alojamento local. A única diferença é que o hotel paga os seus impostos e não se pode pôr um hotel em qualquer sítio. É uma coisa mais controlada.

Mas continuam a aparecer hotéis na Baixa.

Sim. Mas o alojamento local é uma coisa que se espalha como se fosse uma mancha de óleo e isso é que está a desestabilizar tudo completamente. O que não posso aceitar é que se vá à habitação buscar para o alojamento local. E isso é urgente. Depois vamos aos hotéis ver se há de mais, de há de menos.

Se proliferam os alojamentos locais é porque há procura.

Claro, a procura vem do estrangeiro. Cada vez que há um atentado não sei onde vem tudo para aqui. Mas e as pessoas que cá moram? Vão para os países dos atentados? Não podemos trocar de população. E nós não temos competência legal para intervir nesta matéria.

Da parte da câmara tem tido algum feedback?

É melhor falar com a câmara sobre isso. Ainda estamos numa fase em que depende com quem falamos. Mas encontro na câmara as duas visões. A visão de que isto é muito importante porque recupera o edificado e a visão atenção, isto é preocupante porque faz perder pessoas.

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