terça-feira, 24 de maio de 2016

Até ao próximo susto / TERESA DE SOUSA


COMENTÁRIO
Até ao próximo susto
TERESA DE SOUSA 23/05/2016 / PÚBLICO

1.Se o candidato da extrema-direita tivesse vencido as eleições presidenciais na Áustria, as capitais europeias e as instituições da União não saberiam o que fazer. Com a vitória do seu adversário Verde, mesmo que por uma unha negra, vão limitar-se a respirar de alívio e esquecer o que aconteceu até ao próximo susto. As razões do avanço da extrema-direita são por demais conhecidas e o seu caminho em direcção ao poder não é exclusivo da Áustria. Na Finlândia, na Holanda ou na Dinamarca, forças populistas com idêntico programa já integraram ou apoiaram governos. Partidos da mesma natureza vão somando sucessos em muitos países europeus. As bandeiras são as mesmas: contra os imigrantes e os refugiados, e ainda mais se forem muçulmanos; contra a integração europeia; contra a globalização. A sua evolução também tem aspectos comuns. Tentam deixar para trás velhos líderes ainda demasiado conotados com o nacionalismo agressivo da primeira metade do seculo XX, substituindo-os caras mais jovens e mais simpáticas, que mais facilmente lhes permitem integrar o sistema político, como qualquer outro partido. Hofer preenche os requisitos, embora a leitura do programa do partido que ele próprio escreveu em 2011 faça tocar todas as campainhas, quando defende “um povo alemão, na mesma comunidade de cultura”.

2.Não vale a pena fixarmo-nos apenas na sua pequeníssima derrota, porque ela não consegue encobrir um problema mais grave, comum a muitos países europeus: o enfraquecimento crescente (ou a implosão) dos partidos democráticos de centro-direita e de centro-esquerda. Hofer perdeu por décimas. Os dois partidos da “grande coligação” que governa em Viena, os sociais-democratas e os conservadores, viram os seus candidatos reduzidos à expressão mais simples, com cerca de 11% cada um na primeira volta. Haverá eleições legislativas o mais tardar em 2018. Se fossem hoje, seriam ganhas pelo partido de Hofer, o que seria apenas uma meia surpresa. No passado recente, os dois partidos do sistema não hesitaram em aceitar o apoio da extrema-direita no governo ou no Parlamento. Acresce que ambos carregam uma longa história muito pouco edificante, desde que governam a Áustria a partir da II Guerra, garantindo a partilha equitativa de empregos públicos entre os seus militantes. A Guerra Fria permitiu muita coisa em nome da ameaça soviética. A Áustria vivia numa neutralidade forçada, imposta pelos equilíbrios de poder negociados depois da derrota de Hitler. Apenas aderiu à União Europeia, com a Suécia e a Finlândia, em 1995. Foi e é, com crise ou sem crise, um país próspero. Hoje, mais talvez do que a incerteza económica, os eleitores estão fartos não apenas dos imigrantes e refugiados, mas de uma elite que não dá atenção aos seus problemas, que se perpetua no poder e que defende uma Europa na qual já não acreditam.

3. Viena já tem também uma história em matéria da compatibilidade das suas escolhas políticas com a União Europeia. Foi durante a presidência portuguesa da União, em 2000, que pela primeira vez os quinze líderes europeus se confrontaram com a entrada do mesmo partido de Hofer, nessa altura liderado por Joerg Haider, num governo liderado pelo partido conservador. Foi um choque inesperado que levou o Conselho Europeu a decretar sanções diplomáticas contra Viena, muito por pressão da França, sujeitando a Áustria a uma espécie de quarentena. O castigo não durou muito nem tive grande resultado. Nessa altura, já tinha havido o caso sombrio de Kurt Waldheim, que chegou a ser secretário-geral da ONU e que foi eleito Presidente pelos austríacos em 1985, quando o seu passado militar ao lado do exército nazi começava a ser revelado. Durante o seu mandato, não conseguiu visitar uma única capital europeia, onde a sua presença não era naturalmente bem-vinda.


4.Hoje, a força do partido de Norbert Hofer é mais um sinal vermelho, mesmo que muito carregado, dos riscos que as democracias europeias estão a correr, ao ignorarem as consequências políticas da forma como estão a gerir as múltiplas crises que a Europa atravessa. Curiosamente, Viena foi um dos países que melhor reagiu à onda de refugiados que passaram as suas fronteiras, para ficar ou para seguir para a Alemanha. É um dos países que mais concessões de asilo já deu e está disposta a dar. O problema, dizem alguns analistas austríacos, não apenas a rejeição dessas políticas, mas também o facto de o Governo, com a aproximação das eleições, ter mudado radicalmente de posição, erguendo fronteiras e endurecendo a lei do asilo, para torná-la menos apelativa. O resultado está à vista. A única diferença é que, desta vez, não haveria sanções, mas penas alguma gesticulação de Bruxelas. A Hungria de Órban já provou que é grande a tolerância europeia quanto aos seus princípios fundadores. Alguém acredita que a Europa pode sobreviver à doença do nacionalismo?

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