quinta-feira, 3 de março de 2016

Um avental e uma esfregona / PEDRO SOUSA CARVALHO


OPINIÃO
Um avental e uma esfregona
PEDRO SOUSA CARVALHO 04/03/2016 / PÚBLICO

António Lamas, do Centro Cultural de Belém (CCB), é a mais recente vítima da geringonça, que por onde passa vai fazendo tábua rasa de tudo o que foi feito pelo anterior Governo.



Para quem está fora da história, António Lamas geria uma empresa pública chamada Parques de Sintra – Monte da Lua, que fazia uma gestão integrada de vários museus, monumentos e jardins na zona de Sintra. O facto de gerir em simultâneo vários equipamentos culturais permitia obter sinergias a nível dos custos (limpeza, pessoal, segurança, manutenção, etc.) e de receitas (sistema de bilhética comum, venda cruzada de bilhetes com descontos, etc.). É um modelo que resultou, foi premiado internacionalmente, deixou de pesar no Orçamento do Estado e o objectivo da contratação de António Lamas pelo anterior Governo era precisamente o de tentar replicar esse plano para a zona de Ajuda-Belém.

Mas o novo Governo achou que não e João Soares correu com António Lamas por considerar a ideia do eixo Ajuda-Belém “um disparate total”. Digamos que é uma razão bastante forte e atendível. Um disparate já é uma coisa grave e ser total ainda é pior. O curioso é que Elísio Summavielle, o homem que Soares escolheu para ficar no lugar de Lamas, aparece a dizer que concorda com a lógica do projecto para o eixo Belém-Ajuda, tendo aliás sido “das primeiras pessoas a defender uma maior articulação das instituições daquela zona”.

Se até chama a si os louros da ideia, então por que é que correram com o senhor anterior que a estava a executar? Elísio Summavielle diz que o anterior presidente do CCB queria fazer um “centralização pesada”, enquanto ele defende uma “coordenação muito mais leve”. Afinal, a ideia não é “um disparate total”, e a divergência é apenas uma questão de peso.

Para não parecer que Lamas saiu só por birra de João Soares ou ficar a ideia de que Summavielle terá sido escolhido pelas suas filiações partidárias ou maçónicas, o comunicado do Conselho de Ministros justifica a extinção da estrutura de missão do eixo Belém-Ajuda com uma razão objectiva: “O não envolvimento no projecto da Câmara Municipal de Lisboa.” Sendo melhor do que o argumento do “disparate total”, é estranho que o próprio Lamas tenha dito ao PÚBLICO que ele e a sua equipa se reuniram diversas vezes com vários vereadores e técnicos da autarquia. Mais estranho é que, na própria apresentação do projecto feita no ano passado, Lamas tenha sublinhado que “é fundamental o papel da Câmara Municipal de Lisboa”. Sem querer tomar as dores do senhor Lamas, também é verdade que já em 2013, num artigo de opinião aqui no PÚBLICO, Lamas escrevia que, “apesar de a Câmara Municipal de Lisboa só gerir na zona o Padrão dos Descobrimentos, o seu envolvimento na gestão do conjunto das várias unidades patrimoniais de Belém (...) é fundamental”.

Aqui chegados, qual é a estratégia alternativa que Soares e Summavielle têm para o CCB? Summavielle responde: “Tenho um mapa na cabeça para Belém, mas falta construir o trilho, é preciso trabalhar nele.” OK, já é um começo. E quais são as prioridades? Summavielle diz que é “inverter a perda de importância na cena artística e a redução de públicos”. Como fará isso? O novo homem-forte do CCB responde: “As prioridades não as defini ainda porque não conheço as coisas por dentro.” OK.

Esta resposta faz-me lembrar uma outra, a do novo secretário de Estado do Desporto que esta semana deu uma entrevista ao PÚBLICO. A páginas tantas, e depois de o jornalista o confrontar com as críticas da sua falta de experiência na área que vai tutelar, é-lhe feita a seguinte pergunta: “Anunciou que o Governo está empenhado em dar origem a uma ‘nova agenda para o desporto nacional’. Quer especificar?” Ao que João Wengorovius Meneses responde: “Eu próprio ainda não sei e aquilo que fiz foi definir um método para chegar à resposta (...).”

No caso do CCB, o método foi correr com Lamas e a estratégia também logo se há-de arranjar. Entretanto, no meio desta polémica, o Bloco de Esquerda veio sensatamente lamentar que não tivesse sido feito um concurso para escolher o novo presidente do CCB, defendendo que “aos equipamentos culturais devem ser associados planos estratégicos e realizados concursos públicos para os cargos de direcção”. Ao DN, Elísio Summavielle contesta a ideia bloquista dos concursos, dizendo o seguinte: “Essas ideias são politicamente correctas, mas politicamente iníquas. Acho que há um grande concurso público que são as eleições e os resultados obtidos. Sou funcionário público há 35 anos e tenho as maiores reservas aos concursos públicos.”

A lógica de Summavielle, se bem a entendo, é que quem ganha eleições tem a legitimidade de fazer nomeações sem necessidade de fazer concursos públicos. Usando esta mesma lógica, então como o PS perdeu as eleições e como o Bloco não o apoia neste tema, existirá tal legitimidade?

Gabriela Canavilhas, entretanto, saiu em defesa do Governo, classificando como “estranhas e despropositas” as críticas da direita sobre este tema, dizendo que o anterior Governo foi campeão na "capturação do Estado”, exemplificando com o caso da Cresap, “que foi transformado num órgão de sancionamento das nomeações políticas”.


Canavilhas escolheu um mau exemplo. A Cresap, com todos os defeitos que ainda tem, foi uma grande conquista para a democracia portuguesa, e permitiu não acabar mas pelo menos refrear os jobs for the boys, a instrumentação e a partidarização da coisa pública. É preferível ser sancionado por uma Cresap do que por algum tipo de amiguismo, compadrio ou organização secreta. Se os governantes lhe dessem ainda mais poder e aumentassem ainda mais o seu âmbito de actuação (passando, por exemplo, a poder dar os pareceres às nomeações nas fundações de utilidade pública de direito privado, como a do CCB), a Cresap ajudaria a passar uma grande esfregona na máquina do Estado.

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