sábado, 12 de março de 2016

Promotor da torre de Picoas confessa “pecado” de obras ilegais e pede decisão rápida / Respostas de Salgado aos deputados municipais contrariam respostas dadas ao PÚBLICO


Promotor da torre de Picoas confessa “pecado” de obras ilegais e pede decisão rápida
INÊS BOAVENTURA 11/03/2016 – PÚBLICO

A confissão foi feita numa visita de deputados da Assembleia Municipal de Lisboa à obra. Cidadãos Por Lisboa e Bloco de Esquerda pedem à câmara “equidade” e uma prova de que “o crime não compensa”.

A confissão foi feita em pleno estaleiro da torre de 17 andares em Picoas, perante um conjunto de deputados da Assembleia Municipal de Lisboa. Aí, tendo como cenário de fundo as estacas que foram construídas ilegalmente em terreno municipal, o responsável pela obra admitiu o “pecado”, pediu, “com toda a humildade”, que haja uma decisão rápida sobre o assunto e sustentou que ela não deve passar pela inutilização do que já foi feito porque isso seria “estragar dinheiro”.

José Almeida Guerra, que se apresentou como gestor de projecto da obra, falava assim aos deputados municipais da comissão de Finanças, Património e Recursos Humanos e da de Ordenamento do Território, Urbanismo e Reabilitação Urbana, que têm vindo a analisar este processo e que esta quinta-feira realizaram uma visita ao local, por sugestão do PCP.

Na última sessão da assembleia municipal em que o assunto foi discutido, o vereador do Urbanismo reconheceu que, tal como tinha já sido denunciado pelo BE, o promotor da obra cravou estacas num terreno da câmara e garantiu que seria aberto um processo contra-ordenacional. A desafectação do domínio público desse terreno, com vista à sua posterior cedência ao promotor em questão, foi já proposta e aprovada pela câmara mas carece ainda de aprovação da assembleia municipal.

“O que aqui está feito foi um erro nosso. Assumimos que adiantámos os trabalhos”, admitiu agora Almeida Guerra, reconhecendo ter cometido “um pecado”. “Se acharem que prejudica a cidade curvo-me perante a vossa decisão”, acrescentou o director geral da empresa Rockbuilding, momentos depois de ter apelado aos deputados municipais para que tomassem uma decisão “depressa”, porque a obra está “parada”.

A decisão de que o gestor de projecto fala está nas mãos da assembleia municipal e passa por saber se esta aceitará ou não a proposta da câmara de promover a desafectação do domínio público de duas parcelas de terreno: uma com 168,60 m2 e frente para a Avenida 5 de Outubro e outra com 42,15 m2 e frente para a Avenida Fontes Pereira de Melo. É em torno de última que o debate tem sido feito, uma vez que foi nela que se detectou a realização de trabalhos ilegais.

A alternativa, que o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, já admitiu ser “viável”, passa por o promotor construir uma nova estrutura, no interior do seu lote, para suportar o edifício a construir.

Em nome do dono da obra, Almeida Guerra mostrou-se contra essa última hipótese, com o argumento de que abandonar as estacas parcialmente já feitas e construir uma nova estrutura seria gastar “dinheiro que não se justifica”. “Se vamos estragar, entre aspas, dinheiro do lado de cá, mais vale aproveitarmos para uma coisa mais útil”, disse, defendendo que seria “melhor aproveitar” a verba que custaria a referida estrutura em “qualquer outra obra que a assembleia municipal entendesse”.

Na visita ao estaleiro, o bloquista Ricardo Robles procurou saber em que momento deste polémico processo é que se percebeu que a construção do edifício implicaria a ultrapassagem dos limites do terreno do privado e quais foram os passos seguintes, mas as respostas que obteve não foram claras. “Não dei a importância que neste momento está em cima da mesa. No fundo eram trocas de bocadinhos. Era sempre o conjunto que se articulava”, respondeu a arquitecta Patrícia Barbas, sublinhando que o promotor vai “dar um triângulo” à Casa Museu dr. Anastácio Gonçalves para que esta possa abrir uma nova entrada do museu.

“As permutas não vêm só por uma vontade. Não são um capricho do projecto”, referiu ainda a arquitecta, que foi, juntamente com Diogo Seixas Lopes, a autora da torre. Aos deputados, Patrícia Barbas destacou ainda que “43% do lote” vai ser “para usufruto público”, considerando que aquilo que aqui se fez não foi apenas “desenhar um edifício”, mas sim “desenhar um pouco da cidade”.

Muito crítica de todo este processo é a posição dos deputados municipais dos Cidadãos Por Lisboa. Na visita à obra, Miguel Graça vincou que a câmara deve tratar “todos os que fazem operações urbanística na cidade” com “equidade” e mostrou-se contra a possibilidade de o promotor avançar para o domínio público municipal. “Era abrirmos uma porta, um caminho que esta assembleia tem que pensar muito bem”, afirmou.

Ao PÚBLICO, Miguel Graça explicou que é essa a posição que os deputados dos Cidadãos Por Lisboa vão defender numa reunião com Manuel Salgado que já está agendada, mas reservou uma “posição final” para depois do encontro. Até lá, o autarca diz que “o promotor deve recuar” para os limites do seu terreno, por acreditar que de outra forma estar-se-ia “a abrir uma caixa de Pandora”.

Já o BE afirma que a câmara tem aqui uma oportunidade para “dar um sinal à cidade de que o crime não compensa”. “Não há nenhuma tentação persecutória, de penalizar só porque o empreiteiro se portou mal”, garante Ricardo Robles, falando antes num “sinal importante” para os promotores, no sentido de estes perceberem que “não vale construir fora dos lotes”.


Nesta visita, Patrícia Barbas transmitiu ainda aos deputados que a solução encontrada para a empena cega com mais de 20 metros que irá ficar à vista na Avenida Fontes Pereira de Melo passa por cobri-la com trepadeiras.


Respostas de Salgado aos deputados municipais contrariam respostas dadas ao PÚBLICO
JOSÉ ANTÓNIO CEREJO 11/03/2016 - PÚBLICO

A viabilização pela Câmara de Lisboa de uma torre de 17 andares em Picoas está cada vez mais envolta em decisões mal explicadas.

As declarações proferidas a 1 de Março pelo vereador Manuel Salgado na Assembleia Municipal sobre a execução de trabalhos fora do lote particular da Torre de Picoas contrariam aquilo que o seu gabinete disse ao PÚBLICO no dia 26 de Novembro. Mas contrariam também o teor de um despacho do director municpal de Urbanismo.

Em resposta ao deputado municipal Ricardo Robles (BE), o vereador do Urbanismo garantiu então que os seus serviços deram indicação ao dono da obra, a empresa Edifício 41, para parar os trabalhos ao longo da Av. Fontes Pereira de Melo depois de terem detectado, a 2 de Dezembro, que aí estavam a ser feitas obras em terreno municipal. Manuel Salgado adiantou que nas várias acções de fiscalização feitas no local antes daquela data “não foi possível” aos fiscais camarários detectar e confirmar a infracção.

A infracção em causa, explicou Salgado, consistiu na realização de obras não autorizadas em terreno municipal, incluindo a cravação de estacas numa faixa de 40 centímetros situada por baixo do passeio da Fontes Pereira de Melo. Por isso mesmo, afirmou, foi instaurado um processo de contra-ordenação contra o dono da obra, apesar de este ter suspendido de imediato os trabalhos nessa zona. E apesar destes serem susceptíveis de ser legalizados logo que a assembleia municipal aprove as permutas através das quais aquela faixa de terreno será incluída no lote particular.

Manuel Salgado considerou que o dono da obra “andou mal, muito mal” ao sair dos limites do seu lote. “Esta situação importa a legalização [da obra já feita] e a penalização do dono da obra (...) não podemos admitir que situações destas se repitam”, enfatizou. Contrariamente às críticas à Edifício 41 (do grupo ECS), o autarca elogiou o comportamento dos seus serviços. “Andaram bem os serviços e o director municipal [de Urbanismo] quando no seu despacho de 17 de Agosto de 2015 autorizou os trabalhos de escavação limitados ao lote particular e que os trabalhos [fora] do lote só poderiam ocorrer quando devidamente autorizados, o que não aconteceu”, assegurou, conforme se ouve na gravação disponível no site da assembleia.

Sucede que em reposta a uma pergunta do PÚBLICO sobre se tinham sido autorizadas obras no subsolo de espaços municipais, o gabinete de Salgado respondeu a 26 de Novembro, seis dias antes de os fiscais detectarem as obras ilegais: “(...) foi autorizada a ocupação do espaço público necessário para parte das escavações.” E logo a seguir acrescentou que “não irá haver quaisquer fundações ou paredes de contenção em áreas que permanecerão no domínio publico”.

Desta resposta depreende-se que, afinal, as obras que o vereador disse na assembleia estarem a ser feitas sem autorização tinham sido autorizadas, no pressuposto, ainda não aprovado pela assembleia municipal, de que elas se tornariam, futuramente, propriedade do particular, deixando de pertencer ao domínio público.

À contradição entre a declaração do vereador e a resposta dada ao PÚBLICO em Novembro parece acrescer uma outra entre o que Salgado afirmou sobre o despacho de Jorge Catarino de 17 de Agosto e aquilo que o director municipal então escreveu. Ao contrário do que o autarca afirmou, o director não autorizou os trabalhos fora do lote particular apenas “quando devidamente autorizados”.

O que o director municipal escreveu foi isto: “Defiro com a seguinte condição: o início dos trabalhos fora da área do terreno particular só poderá ocorrer com a aprovação do processo de ocupação da via pública, actualmente em apreciação, e plano de desvio de tráfego.”

Condição imposta não é a que lei exige

O importante aqui é que a condição imposta não é a da prévia transmissão da parcela municipal ao promotor depois da sua aprovação pela assembleia municipal, como a lei manda e sem a qual os trabalhos não podiam ser “devidamente autorizados”, mas é a da aprovação do processo de ocupação da via pública.

Ora a câmara aprovou para aquele local uma licença de ocupação da via pública para colocação de tapumes e ocupação de passeios cinco meses antes, em Maio de 2015, por forma a viabilizar a demolição dos edifícios que ali existiam. Essa licença, apesar da demolição ter sido concluída durante o Verão, tem sido objecto de prorrogações sucessivas, uma das quais deferida a 1 de Outubro, muito antes da suposta infracção, com o objectivo de manter a segurança “em todo o perímetro do lote em questão aquando dos trabalhos de escavação a decorrer”.

Sendo certo que o despacho de 17 de Agosto condicionava as escavações fora do terreno particular à aprovação da ocupação da via pública, parece legítimo concluir que, pelo menos a partir de 1 de Outubro, esses trabalhos estavam autorizados.

Não é esse o entendimento expresso pelo gabinete de Manuel Salgado depois de confrontado com as contradições existentes entre as afirmações do vereador, as respostas dadas ao PÚBLICO em Novembro e o teor do despacho de Jorge Catarino.

“A possibilidade de intervenção fora dos limites do lote tem de ser objecto de uma autorização específica que ocorrerá quando estiverem reunidas as condições para tal, isto é, após a transmissão dos terrenos para o promotor”, respondeu a câmara na semana passada. O despacho do director, todavia, não faz qualquer refrência a esta condição.

Quanto ao facto de a câmara ter dito em Novembro que “foi aprovada a ocupação do espaço público necessário para parte das escavações”, a explicação agora dada ainda é menos esclarecedora. “Na maioria das obras a câmara autoriza a ocupação do espaço público para estaleiro. Contudo, quando as caves do futuro edifício alinham com o plano marginal acontece ser necessário escavar fora do limite do lote. Com a conclusão da obra é reposto e refeito o passeio afectado”, responde o gabinete do vereador, através do Departamento de Comunicação.

De acordo com técnicos conhecedores do processo, no entanto, a autorização dada pela câmara para a realização de escavações antes de a construção do novo edifício ser licenciada nem sequer respeita várias normas regulamentares. Isto porque essa autorização só deveria ser dada depois de o dono da obra ser proprietário de toda a área em que ela vai ser erguida, adquirindo assim a legitimidade para iniciar os trabalhos.


Outros entendem mesmo que a proposta de licenciamento da obra não tem em conta as exigências do Plano Director Municipal, uma vez que tem origem num pedido de informação prévia que, tal como as análises técnicas posteriores, foi aprovado sem ter em consideração a articulação do futuro edifício com a sua envolvente.       

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