quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Turquia regateia acordo com a Europa para travar fluxo de refugiados

Refugiados desembarcavam na Grécia, enquanto Bruxelas e Ancara discutiam medidas para travar a sua chegada à Europa

Turquia regateia acordo com a Europa para travar fluxo de refugiados

Negociadores turcos e europeus acertaram primeiro rascunho de acordo em Bruxelas, mas Angela Merkel avisou que a porta da União Europeia vai continuar fechada para Ancara

Rita Siza / 16-10-2015 / PÚBLICO

As expectativas da Turquia de abertura de um processo negocial com vista a uma futura adesão à União Europeia voltaram a sair ontem goradas, quando os líderes europeus reunidos numa nova cimeira em Bruxelas para discutir a crise de refugiados apenas se dispuseram a avançar com mais dinheiro do que inicialmente previsto para acertar um “plano de acção conjunto” que permita travar o fluxo migratório.
Com mais de dois milhões de refugiados no seu território — principalmente populações que escapam da guerra na Síria mas também grupos que fogem da perseguição política, da violência jihadista ou da pobreza extrema — a Turquia é o principal ponto de partida daqueles que arriscam tudo para aceder ao espaço europeu.
Consciente do seu papel crucial para uma solução que retire a pressão das fronteiras europeias, Ancara quis subir a parada nas conversações com Bruxelas: além de uma revisão dos montantes disponibilizado pela União Europeia para suportar os custos dos campos de refugiados, o Governo turco colocou em cima da mesa a questão da liberalização dos vistos e o processo de adesão à UE.
Em Berlim, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, tratou de refrear os ímpetos turcos, ao distinguir a proposta de aprofundamento da cooperação entre Bruxelas e Ancara, com o objectivo de responder à crise migratória, e a pretensão de entrada no clube europeu. “Uma coisa não tem nada a ver com a outra”, sublinhou a líder germânica, num discurso no Bundestag.
Mas num sinal de que estaria disposta a fazer algumas concessões, Merkel lembrou que “a maioria dos refugiados de guerra que chegam à Europa viaja desde a Turquia. E nunca seremos capazes de conter e organizar esse movimento sem estabelecer uma colaboração próxima com a Turquia”, considerou. As palavras da chanceler — que no domingo chega a Istambul para um encontro com o Presidente Recep Tayyip Erdogan — foram interpretadas como um recado para os seus parceiros europeus, que até agora foram incapazes de concertar uma resposta comum para a emergência que se vive dentro das suas fronteiras.
Quem entretanto viajou para a Turquia foi o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, que juntamente com uma delegação de funcionários europeus, foi mandatado para negociar um acordo de princípio com o Governo de Ancara. Mas como advertiu o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, “o acordo — e as concessões — com a Turquia só fazem sentido se efectivamente reduzir o fluxo de migrantes”.
Bruxelas ofereceu à Turquia um pacote financeiro de 1,8 mil milhões de euros destinados à manutenção dos campos de refugiados, e comprometeu-se a adiantar em um ano a liberalização dos vistos para a entrada dos cidadãos turcos na UE (de 2017 para 2016). Em troca, Ancara passaria a vigiar os movimentos nas fronteiras — impedindo que mais pessoas iniciassem viagem com destino à Europa, e desmantelando as redes de tráfico humano — e criaria condições para a legalização dos refugiados que chegassem da Síria ou fossem deportados da Europa.
Antes de garantir a cooperação do seu país, o Presidente Recep Tayyip Erdogan acrescentou vários outros pontos ao caderno de encargos: o líder turco quer que a UE concorde com o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea e a criação de uma zona-segura ( sa
fe-zone) no Norte da Síria — duas ideias já rejeitadas por Washington e Bruxelas —, e ainda que acelere o processo negocial com vista à integração do país no bloco europeu, há vários anos em banho-maria.
Segundo o Financial Times, um primeiro rascunho de acordo terá já sido aceite por ambas as partes: alegadamente, a UE está disponível para pagar até três mil milhões de euros pelo “plano de acção”. Mas o diário sublinhava as dificuldades que a subscrição da proposta iria colocar a vários dos parceiros.
A outra mensagem que Merkel quis transmitir antes do início da cimeira de Bruxelas foi de que “todos os países têm de cumprir as suas obrigações”, em termos de recursos financeiros e humanos, num esforço partilhado para solucionar a crise. Essa mensagem foi reforçada, em Bruxelas, pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que notou que “os Estados-membros têm de fazer o que prometeram que iam fazer. É uma questão de credibilidade”.
Na cimeira de ontem estava em discussão uma nova tentativa da Comissão para um consenso, que implica a aprovação de medidas para o fortalecimento das fronteiras externas do território europeu, e a revisão das regras consagradas no acordo de Dublin para a concessão de asilo.
Mas as divisões internas mantêmse. Para a ministra dos Negócios Estrangeiros da Croácia, Vesna Pusic, “neste ponto de viragem, a Europa tem de decidir se quer ser um espaço razoável de cooperação”, ou regressar a um modelo de arame farpado e muros.

A governante referia-se à política do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Órban, que ontem prometeu fechar a fronteira com a Croácia se não houvesse acordo para bloquear os movimentos das populações que desembarcam na Grécia e em Itália.

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