quinta-feira, 29 de outubro de 2015

ÁUSTRIA AMEAÇA FECHAR FRONTEIRA


ÁUSTRIA AMEAÇA FECHAR FRONTEIRA

A UE divide-se perigosamente. Há cada vez mais muros e agressões verbais — neste cenário de países solidários e países duros, continua a não haver solução para os refugiados que chegam diariamente

Ana Gomes Ferreira/ 29-10-2015 / PÚBLICO

A crise dos refugiados está a mostrar como são débeis as relações entre parceiros da União Europeia. As acusações mútuas dos países sobem de tom, pondo cada vez mais em causa algumas das estruturas mais emblemáticas do espaço europeu e do princípio de integração, como o acordo de Schengen sobre livre circulação de pessoas entre 26 Estados europeus. Ontem, a Áustria anunciou que poderá erguer “barreiras técnicas” (um muro) na sua fronteira com a Eslovénia para impedir a entrada de mais gente — a Hungria já ergueu um, a Bulgária fez o mesmo e a Eslovénia também pode vir a fazê-lo.
Oficialmente, todos disseram o mesmo — não se trata de suspender Schengen, apenas de criar um sistema que permita registar os que chegam, criando condições para que sejam distribuídos pelos países.
Na prática, é o encerramento de facto de algumas fronteiras, ou uma ameaça de suspensão, colocando no país vizinho o ónus dessa decisão. “Este empurrar o problema para o vizinho é imprudente. Conduzirá, em última instância, ao fim de Schengen e ao fim da liberdade da Europa”, lia-se na revista Economist num artigo de Setembro chamado Tiro a Schengen.
O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, acusou o Governo de Angela Merkel de ser responsável por uma grande parte da crise, ao ter feito o que considera ser um convite aos sírios para irem viver na Alemanha. Concluiu que o que se está a passar na Europa é “um problema alemão”, causado pela política de “portas abertas” de Merkel, e que cabe a Berlim resolvê-lo.
Berlim não reagiu às declarações de Orbán. Ontem, o Governo de Berlim comentou, sim, a decisão austríaca de poder fechar fronteiras. O ministro do Interior, Thomas de Maizière, condenou a política de Viena para com as dezenas de milhares de pessoas que utilizam a Rota dos Balcãs — a principal porta de entrada para os refugiados que cruzam o Mediterrâneo. “O comportamento da Áustria nos últimos dias foi desapropriado”, disse, acusando Viena de estar a enviar dezenas de milhares de pessoas para a Alemanha (em concreto, para a Baviera) sem aviso prévio.
“O comportamento da Áustria nos últimos dias não é correcto. Os refugiados são conduzidos, depois do cair da noite, para a fronteira com a Alemanha, sem que tenham sido tomadas as medidas preparatórias [para os receber]”, disse De Maizière.
“É preciso que percebam que chegam diariamente à Áustria 11 mil refugiados, vindos da Eslovénia. A maior parte quer ir para a Alemanha, o que coloca grande pressão no Sul da Áustria. É preciso repartir estes imigrantes rapidamente”, respondeu David Furtner, um porta-voz da polícia da Áustria. No final do Verão, este país foi elogiado por ter permitido a passagem dos refugiados e imigrantes, um contraste em relação à política dura da vizinha Hungria, que optou por impedir a entrada destes milhares de pessoas, empurrando-as para a Eslovénia e a Croácia. No papel, o “jogo do empurra” ficou proibido na minicimeira que se realizou no passado domingo em Bruxelas.
O aviso prévio sobre a passagem de refugiados de um país para outro foi outra das decisões de domingo — a reunião foi mais uma tentativa de Bruxelas para criar regras de reacção a este fluxo de pessoas, para depois se proceder à sua distribuição pela UE, conforme ficou decidido numa cimeira anterior. Porém, as decisões de domingo, como as anteriores, não estão a ser cumpridas. Por falta de vontade dos Estados-membros e porque quando as decisões são tomadas a realidade já as superou. Um exemplo: em Setembro, foi acordada a distribuição de 120 mil refugiados, mas até agora só um número ínfimo chegou ao seu destino. E quando esta decisão sobre 120 mil pessoas foi tomada, já tinham chegado à Europa para cima de 500 mil; actualmente, serão já mais de 700 mil, segundo os números do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Em mais uma prova dessa velocidade desfasada da realidade, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Junker, defendeu ontem que é preciso “mudar” outra peça da legislação europeia, o Regulamento de Dublin, que fixa as regras do asilo no espaço europeu (deve ser pedido no país a que se chega, no caso Grécia e Itália, mas um espaço sem fronteiras facilita que se avance até ao lugar onde se quer de facto viver, e a maior parte desta vaga deseja a próspera Alemanha). “Se já não funciona, não podemos continuar a aplicá-lo”, disse Juncker, propondo um debate sobre a política de asilo para... “a Primavera de 2016, se não antes”.
Um dos problemas levantados por esta crise de refugiados é saber-se quem tem direito a permanecer na UE (os que estão em risco de sobrevivência devido a conflitos) e quem deve ser excluído (imigrantes económicos). Merkel foi uma das primeiras vozes a defender que os sírios são a prioridade da UE. O ministro do Interior disse que estão a chegar à Alemanha demasiados pedidos de asilo de afegãos. “O Afeganistão é o segundo país de origem [entre os que pedem asilo à Alemanha] e isso é inaceitável”, disse Maizière. A Alemanha quer definir que zonas do Afeganistão devem ser consideradas de alto risco — valendo a possibilidade de pedido de asilo —, devendo os restantes cidadãos regressar ao seu país para ajudar na sua reconstrução, defendeu o ministro alemão.


À medida que o tempo passa, mais gente chega à UE, vinda da Síria (53%, números do ACNUR), Afeganistão (14%), Eritreia (7%), Iraque e outros locais. Nem a aproximação do Inverno faz abrandar o fluxo, uma realidade que não é nova para a UE. No sábado, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, disse que “a maior vaga de refugiados e imigrantes ainda está para vir”. Resta saber se a crise política que o problema — e as decisões e declarações a pretexto dele — fez eclodir na Europa também se vai agravar e com que consequências para a União Europeia.

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