domingo, 20 de setembro de 2015

O que ganha Costa ao falar grosso? / Manuel Carvalho


O que ganha Costa ao falar grosso?
Manuel Carvalho / 20-9-2015 / PÚBLICO

1. António Costa recusa discutir com a coligação PSD-CDS uma solução sobre o futuro das pensões, ganhe ou perca as eleições legislativas; António Costa jura desde já chumbar o Orçamento do Estado de 2016 se o PS for derrotado no dia 4. Para ele, as próximas legislativas estão a caminho de se tornar a batalha final, um caso de tudo ou nada, no qual a luz se bate contra as trevas, a razão contra a mistificação, o progresso contra a troika. Depois dessa batalha, diz Costa, não haverá negociações nem tratados de paz, mesmo sabendo que nem a coligação nem o PS estão em condições de obter uma vitória esmagadora, por muito que se reconheça que vivemos num mundo instável e que a situação do país, da Europa, da China, do Brasil ou de Angola são focos de instabilidade que nos impedem de prever com optimismo o que vem a seguir. Apesar das incertezas que recomendam prudência e diálogo, o que Costa promete é o regresso da guerrilha.
PAULO PIMENTA
Ao assumir a pose de “senhor não”, Costa cai na cilada que Passos lhe montou. Bem se sabe que ao longo da legislatura o primeiro-ministro foi useiro e vezeiro em usar a armadilha do diálogo para mostrar ao país a intolerância radical do PS perante o espírito ecuménico de um governo de meninos de coro. Mas se na altura o PS tinha razões para recusar o laço da cilada, teria de ser mais inteligente na resposta ao novo repto de Passos para negociar a Segurança Social e devia estar calado em relação a um Orçamento do Estado que, para já, não passa de uma miragem distante. Costa, porém, não resistiu a falar grosso. Talvez por estar empenhado na construção de uma imagem de líder convicto, que não abdica dos seus princípios e se mantém fiel ao mandato que os seus eleitores lhe concederam. Mas se esse nível de intransigência pode existir nas hostes do Bloco ou do PCP, para uma parte substancial do eleitorado moderado do centro não passa de uma birra sem sentido.
Para esses eleitores, os “nãos” implicam “porquês” e Costa não tem nenhum “porque” convincente para lhes dar. Se recusa um corte de 600 milhões, podia até entalar Passos Coelho dizendo que sim, que estava disposto a negociar se e só se essa medida fosse retirada. Da mesma forma, no Orçamento podia dizer que, se perder as eleições, tentará condicionar o Governo, fará tudo por negociar a inclusão das suas medidas, para evitar mais “austeridade” e só no caso de esse esforço se gorar avançaria para um chumbo puro e duro que ficaria a atestar o “radicalismo ideológico” de Passos Coelho. Dizendo não por dogma e por estratégia, Costa expõe-se inutilmente a duas acusações letais: a de ser um radical, um político incapaz de lutar por compromissos, de ser avesso à negociação e de se preocupar apenas consigo próprio; ou a de ser um líder embirrento, que “faz lembrar um bocadinho aquele menino que só aceitava jogar o jogo de futebol se soubesse, à partida, que era vencedor”, como ironizou Marcelo Rebelo de Sousa.
Com estas atitudes, António Costa mostra não ter percebido que mundo dos duelos do tudo ou nada faz cada vez mais parte do tempo em que os políticos usavam cartola e bengala. Que a grande mole de eleitores quer mais soluções e envolvimento do que problemas e dissídio. Todos ficámos a perceber nos últimos anos que a política deixou de ser uma construção programática rígida para ter de se adaptar a circunstâncias nem sempre previsíveis. O que vai ser do défice, do crescimento das exportações, do preço do petróleo, do impacte da crise dos refugiados na União Europeia? Ninguém sabe. Sabe-se que o mundo está perigoso e que não há receitas infalíveis para problemas volúveis, que o país político precisa de compromissos para ultrapassar os traumas e as sequelas do programa da troika, a instabilidade política que se adivinha e, como bem lembrava Daniel Bessa no Expresso de ontem, para “aprofundar o processo de mudança” que se iniciou na economia e nas finanças públicas. Essa ideia de que a política se faz de peito cheio, ar de mau e de dedo em riste está em recessão. As vacas sagradas da esquerda ou da direita morreram e, para o bem e para o mal, o que tem de ser tem cada vez mais força.
2. O desemprego de longa duração é hoje “um dos mais difíceis e prementes desafios causados pela crise económica”, considera a comissária europeia para o Emprego, Marianne Thyssen. Para o travar, Bruxelas quer que todos os países tenham um plano individual de regresso ao trabalho. Pode ser que haja outras fórmulas mais eficazes para travar os efeitos da consequência mais injusta, mais brutal e mais intolerável do ajustamento da troika. Mas se as há, ninguém deu por elas na campanha. Como seria de esperar, o tema mobiliza o Bloco e é trave-mestra do programa do PCP. Como se sabe, António Costa falou sobre esse flagelo nos debates que travou com o líder da coligação e, sempre que há oportunidade, o PS mostra que esta é uma das suas prioridades em matéria de emprego. Mas por onde tem andado a coligação?
É muito provável que esta campanha se torne no futuro como a campanha dos paradoxos. Gasta-se mais tempo a discutir o programa do PS do que a avaliar o Governo do PSD-CDS; investe-se mais contundência argumentativa na análise do período que acabou em 2011 do que nos quatro anos da governação; fala-se mais do detalhe de intenções programáticas do que se analisam problemas concretos; como notava José Pacheco Pereira, desbobinam-se séries intermináveis de estatísticas económicas e financeiras e passa-se ao lado dos números da realidade social. Como a do desemprego de longa duração.


Todos os portugueses pagaram um pouco dos custos do ajustamento, seja pelos impostos, pela depreciação de activos, pelas falências, pelos cortes de salários ou de pensões ou, principalmente, pelo desemprego. Entre todos os desempregados, os que nos devem merecer mais preocupação são os que tiveram uma vida interrompida aos 50 ou 60 anos e são incapazes de encontrar um lugar neste admirável mundo novo anunciado pela propaganda da coligação. A pior injustiça que se lhes pode prestar é esquecêlos nestes dias em que se discute o futuro próximo do país. Se, por conveniência estratégica, a coligação PSD-CDS o está a fazer, espera-se então que o PCP, o Bloco e principalmente o PS façam regressar a questão à actualidade e apontem caminhos para resolver a mais dolorosa ferida aberta pela crise.

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