sábado, 26 de setembro de 2015

“Ninguém chega virgem à liderança dos grandes partidos”




LEGISLATIVAS 2015

“Ninguém chega virgem à liderança dos grandes partidos”

NELSON MARQUES
25.09.2015 às 8h43 / EXPRESSO

Passos Coelho nunca teria sido primeiro-ministro sem o apoio de Relvas, o homem do aparelho do PSD. E António Costa provavelmente não seria líder do PS sem a rede de clientela que montou em redor da Câmara de Lisboa. Para conquistar o poder vale [quase] tudo. No final, é a democracia que perde, explica Vítor Matos, autor do livro “Os Predadores”, apresentado esta quinta-feira
NELSON MARQUES
O jornalista Vítor Matos, nascido em Grândola um ano antes da revolução de 74, passou 10 meses a investigar os podres nas eleições internas dos dois partidos que têm alternado na governação do país - PS e PSD - mas há mais de uma década que vem denunciando casos que fazem perigar a democracia em Portugal. O retrato traçado em "Os Predadores", que explica "tudo o que os políticos fazem para conquistar o poder", é desanimador para quem acredita na política: há histórias de eleições falseadas, troca de votos por cargos e favores, de políticos que se perpetuam no poder com muitas manhas. Neste jogo, não há inocentes, só culpados que "estão a matar a democracia em Portugal". Leia, se tiver estômago.

Defende no livro que não há democracia no PS e no PSD, porque os aparelhos partidários estão dominados por verdadeiros "gangues" que se vão perpetuando no poder. Que mecanismos é que eles usam?
Analisei PS e PSD porque são os partidos que têm alternado no poder. Quando falo em gangues é uma imagem forte que quero transmitir porque há zonas do país onde há secções, quer do PS, quer do PSD, isso é completamente indistinto, em que os dirigentes tornam as estruturas totalmente inexpugnáveis para quem quiser ir lá disputar o poder. São pequenas ditaduras que existem a nível de freguesias, dos concelhos, por vezes já ao nível das distritais dos partidos.

Como é que estes políticos se perpetuam no poder?
Têm um saco de votos que lhes garante a vitória. E isso mata a democracia em Portugal, porque não há democracia interna nos partidos. Os dirigentes não são escolhidos pelos militantes; os dirigentes escolhem um grupo de pessoas que vão votar neles de certeza. Comecemos pela base. Há pessoas na junta de freguesia que têm alguém a quem dão uma avença. E esse indivíduo que tem uma avença tem que controlar 20 militantes e levá-los a votar no dirigente a que o cacique está associado quando há eleições internas. Isto é comum e transversal aos dois partidos. Muitas vezes, [estes votantes] são pessoas de bairros sociais, desfavorecidas, não são militantes. Tanto lhes dá se é PS ou PSD. Isto não é como nas eleições normais, em que as pessoas se apresentam com ideias, com programas. Aqui é contar votos e acabou.

O que recebem estes caciques em troca?
Há uma lógica de comércio muito ligada aos empregos. As pessoas que têm os empregos reúnem os votantes: arranjam amigos, a família, são responsáveis por levar as pessoas a votar e o seu desempenho perante o dirigente é premiado ou não. A um nível intermédio, por exemplo, o prémio podem ser as candidaturas às câmaras. A um nível mais elevado já se joga com cargos no estado. Um líder distrital vai agarrar na sua pirâmide de poder e quando o partido chega ao poder vai tentar colocar as pessoas que lhe são próximas nos centros regionais de segurança social, nas direções regionais de educação ou saúde, nas administrações dos hospitais... Quando falamos dos boys, não é só dar emprego às pessoas do partido. Tem muito mais a ver com um jogo de recompensas: dar um cargo ao que o apoiou e marginalizar aquele que esteve a desafiar a liderança. Daí a oligarquia e a pequena ditadura se cristalizarem e o poder se tornar inexpugnável para quem tentar ganhar eleições.

Vale tudo para conquistar o poder? No livro, explica que, por vezes, só a arregimentação de votos não chega, são precisas outras manobras, as chamadas 'chapeladas'.
Quando a parada está alta e há duas facões muito equilibradas, é quando as chapeladas aparecem. Basta uma secção de voto ter a informação que aquilo está meio empatado e aparecem assim uns votos não se sabe bem de onde, de militantes que não existem ou que depois se descobre que não foram votar. Por vezes, a fação que domina a mesa de voto exerce hostilidade sobre a outra, muitas vezes hostilidade física. E se o protesto não ficar lavrado em ata eleitoral, não conta. Por mais que protestem a seguir que houve uma chapelada monumental, já não há volta a dar. Ora, para que as chapeladas não se tornem casos consumados, muitas vezes isso só é possível aumentando ainda mais a parada. Por exemplo, roubando a urna para deitar abaixo o ato eleitoral.

A verdade é que esses esquemas não se ficam pela base. Por exemplo, conta que, na corrida à liderança do PSD, Luís Filipe Menezes recorreu a um pirata informático para descodificar um algoritmo que lhe permitiu pagar as quotas a milhares de militantes.
Nesse ano o PSD criou um esquema para dificultar a vida aos caciques: pagamento de quotas só por multibanco, cheque individual ou vale postal. Muita gente escolhia o multibanco. O Menezes tinha desenvolvido um sistema muito preciso que lhe permitia saber que militantes estavam com ele, só que ainda precisava saber se eles tinham as quotas pagas ou não. É aí que um dos elementos da candidatura arranjou um hacker em Espanha que conseguiu quebrar o algoritmo que gerava os códigos de pagamento de quotas por multibanco.

De onde veio o dinheiro para pagar essa quotas?
Não se sabe. O que se sabe é que, por cada mil militantes, pagar as quotas de um ano são 12 mil euros. Se forem dois anos, são 24 mil euros. Em abstrato, pode funcionar de muitas maneiras: pode ser através da angariação de fundos com festas e jantares; pode ser através de dinheiro próprio, há muitos que põe dinheiro do próprio bolso, dependendo do montante e se têm dinheiro para investir; depois pode ser, muitas vezes, através de empreiteiros, empresários amigos, de todos aqueles negócios com as câmaras. Descreveram-me vários casos em que as câmaras compensam depois essas empresas com contratos com valores mais elevados.

Menezes teria ganho sem essa manobra?
Acho que não. Se não tivesse conseguido pagar as quotas desses militantes teria dificuldade. O caso do Menezes é muito importante porque ele estava a lutar contra quem dominava a secretaria do partido. Conseguiu lutar contra a elite de notáveis, a comunicação social... Eu próprio, nessa noite, fui para a sede de candidatura do Marques Mendes à espera de o ver ganhar. Quando cheguei lá percebi que ele ia perder. Os jornalistas de política ficaram todos baralhados. Nunca pensaram...

Diz que as primárias do PS, em que António Costa tirou a liderança a António José Seguro, foram um "embuste". O que aconteceu?
As primárias foram vendidas como um avanço democrático, uma abertura do partido à sociedade. Muita gente, mesmo do PSD, dizia que era uma tendência imparável. Só que a lógica das primárias é igual à lógica das diretas. Havia a ideia que os congressos eram demasiado elitistas, que havia mil pessoas que iam decidir quem seria o próximo primeiro-ministro. Depois, passou-se a dar voz aos militantes e passou-se para as diretas. Só que o que aconteceu é que se deu voz a estes esquemas de caciquismo. E nas primárias isso replicou-se. Se nas diretas se multiplicam os defeitos dos congressos por 100, as primárias multiplicam esses defeitos por mil. O que é necessário é angariar mais simpatizantes sem gastar dinheiro em quotas. E isto não é feito por amadores, é feito por profissionais, que têm empregos nas câmaras...

São profissionais do caciquismo.
São profissionais. Um presidente de câmara tem 10, 20, 30 pessoas na autarquia e pode disponibilizar algumas para estarem a angariar militantes e conseguem centenas de simpatizantes, a seguir aquela gente vota toda no candidato deles. No livro, há vários exemplos de resultados do Seguro em que este teve 70, 80%, 90% em certos concelhos, sobretudo em algumas áreas menos urbanas, completamente à revelia do que foi a tendência nacional. Ou seja, percebe-se como é que a coisa funciona. No caso do António Costa é mais difícil de detetar, porque, como ele ganhou, as diferenças não são tão grandes, mas percebe-se que onde ele teve as maiores votações essas votações estão alinhadas com os dirigentes locais. Houve voto livre? Houve com certeza. Houve muita gente que foi votar voluntariamente? Houve. Mas o que definiu as eleições foi o aparelho.

Costa beneficiou mais do aparelho?
Acho que o resultado seria sempre uma vitória do António Costa. Só acho que ele teve uma máquina muito mais eficiente, muito mais profissional, e conseguiu potenciar o resultado. Os aparelhos também sentem a tendência nacional. Querem um líder que lhes dê o poder. Se sentem que o Seguro não vai lá, ficam do lado do Costa. Por que é que o Costa não avançou da primeira vez [em 2013]? Porque sentiu que o aparelho ainda não está estava com ele porque ia haver autárquicas.

A imagem que traça do líder do PS é a de um homem "capaz de fazer o que for preciso" para ganhar.
É um depoimento de uma pessoa que é uma das atuais cabeças de lista do PS, baseado em factos, e que descreve como ele era na JS. O António Costa é um pragmático. Se é preciso ganhar, usam-se os meios necessários. Mas isso desde o século XVI que está definido pelo Maquiavel: as vezes os meios justificam os fins. Os políticos profissionais, como é o caso dele, funcionam assim. Ele foi construindo o seu poder recorrendo ao que fosse necessário.

Por exemplo, criando na Câmara de Lisboa uma rede de clientelas, não apenas boys, mas também familiares de notáveis socialistas. Refere que foi assim que [Costa] fez da autarquia um "dos maiores centros de poder do país" e diz que essa base foi um dos fatores decisivos para conquistar a liderança do partido.
Quando Costa esteve no Governo, foi levando pessoas que considerava que tinham valor, não estamos a falar de caciques. Mas ele foi criando esses quadros, que o foram sempre acompanhando e são fidelíssimos. Depois, na câmara, que é uma macroestrutura, fez explodir todos os interesses à volta da autarquia. Quando o PSD lá estava era a mesma coisa, só foram substituídos pelos do PS. Estamos a falar de ex-presidentes de junta, presidentes de junta que não foram eleitos, dirigentes das estruturas à volta de Lisboa, que ficaram desempregadas quando o partido perdeu as câmaras, e depois a rede familiares de notáveis do partido. Se não é ele a fazê-lo, ele permite que os dirigentes mais próximos dele o façam. Tem lá a mulher do Marques Perestrello, que é o presidente da FAUL [Federação da Área Urbana de Lisboa do PS], e está lá a mulher do próprio vereador Duarte Cordeiro. Para um partido que defende os ideais do republicanismo...

Passos Coelho fez diferente no governo?
Não fez, apesar de ter querido dar a imagem de que ia fazer diferente. Passos Coelho parecia querer quebrar com isso quando escreveu o livro "Mudar", com a retórica toda na campanha, e também o próprio Portas tinha uma retórica que era contra o clientelismo do PSD...

Não queria "um governo de Marcos Antónios e Relvas".
Isso mesmo. Quando chegou ao Governo, Passos Coelho tem uma iniciativa importante, que é um passo do qual não se pode voltar atrás mas que precisa de ser aperfeiçoado, que é a CRESAP [Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública]. Tem ali um filtro de meritocracia em relação aos candidatos que se apresentam. Só que depois dos três finalistas a uma posição, que aparecem por ordem alfabética e não por ordem de mérito, os ministros escolhem quem querem. Desses três, há um ou dois que são militantes e é sempre o militante que é escolhido. Nos centros distritais da segurança social, que é onde isso é mais fácil de verificar, havia 18 dirigentes socialistas e passou a haver 18 dirigentes do PSD e do CDS. E o mesmo acontece nas administrações regionais, nos hospitais, nos ministérios... Não mudou nada.

Descreve Passos Coelho como um homem que sempre viveu da política, mesmo quando esteve for a dela. Foi sempre a política que lhe proporcionou o sustento?
Ele é um produto da 'jota', faz a carreira toda na 'jota' e a cultura de Passos Coelho, assim como a de António Costa, é a cultura interna dos partidos. Quando ele sai da política, havia um estigma grande dos 'jotinhas' e ele tenta descolar dessa imagem e cria a imagem do político que deixou a política e foi para o privado. Só que, se formos ver, ele teve empregos em empresas sem qualquer relevância, inicialmente empregos arranjados por amigos da 'jota' - porque ele passou uma fase difícil da vida e foram os amigos da JSD que lhe deram a mão -, como a Tecnoforma, empresas que vivem de apoios do estado, sobretudo de fundos comunitários; depois na Fomentinvest, cujos acionistas são umas fundações e bancos e cujos os clientes são esmagadoramente do Estado. Ou seja, ele nunca saiu da bolha. Quando regressa à política, há um trabalho de construção de imagem muito bem feito, liderado pelo Miguel Relvas. Ele é um líder construído da base, desde 2007, quando Menezes ainda está na liderança, até ganhar o partido em 2010. Tenho a certeza que Passos Coelho só não ganhou da primeira vez, contra a Manuela Ferreira Leite, porque o Santana Lopes se interpôs. Se Santana não tivesse avançado, Passos teria ganho ali o partido.

Relvas não deixou que ninguém se esquecesse disso quando se demitiu do Governo.
Na altura foi visto até como um bocadinho de mau gosto, estar a lembrar "Se estás cá é porque fui eu que te fiz". E é verdade. Passos Coelho deve a Miguel Relvas a liderança do partido. Relvas domina estes mecanismos, sabe como é que as coisas funcionam. É deputado desde os 24 anos, dentro da lógica das 'jotas'. É de uma geração de políticos que foram muito criticados por não terem cursos, não terem formação, mas terem grandes vidas, grandes carros, sem terem feito nada por isso. São políticos profissionais, que sabem como é que estas estruturas funcionam, sabem como se recolhem os apoios, sabem a recompensa que cada dirigente ambiciona e têm uma rede antiga das 'jotas'.

Fala de Marco António Costa, "Big MAC", como o cacique perfeito. O homem que os "elitistas de Lisboa" consideravam um "azeiteiro do Norte" e que chegou a vice-presidente do PSD e o dirigente com mais peso do partido. Poderá algum dia suceder a Passos?
Não me parece. Suponho que ele tem consciência disso. Aliás, o próprio Relvas também sabe que nunca poderá ser número um. São pessoas que têm qualidades políticas, só que já têm um passado que pode não augurar grande futuro se chegarem a um cargo muito exposto. Qualquer um deles, o MAC ou o Relvas, quanto mais subiram na hierarquia mais se tornaram agentes tóxicos para o líder que apoiaram, por causa das polémicas que vão surgindo e que têm a ver com este percurso que foram fazendo. O MAC, se quiser, será determinante na eleição do próximo líder do PSD. Será muito difícil ser líder do PSD contra o apoio dele.

É mais respeitado ou mais temido dentro do partido?
É um misto. Será respeitado por aqueles que gostam dele e será temido pelos inimigos que não se declaram. Pessoas como o MAC têm muitos inimigos dentro do partido.

Passos Coelho, por exemplo, não gostava dele mas convidou-o para o Governo.
Teve que ser convencido a levá-lo, pelo Relvas.

A sua investigação incidiu apenas sobre o PS e o PSD. As dinâmicas de ascensão ao poder no CDS ou no PCP são distintas?
O CDS começa a aproximar-se desta lógica do PSD e do PS, só que é um partido muito pequeno e tem pouco poder para distribuir. O que é interessante analisar no CDS é o modo como o Paulo Portas domina o partido. No CDS há um vértice, nos outros partidos há muitos vértices de pirâmides sobrepostas. O CDS é Paulo Portas. Ele criou as pessoas que hoje são importantes no partido, permitiu que elas crescessem, foi colocando-as em lugares importantes, para irem ganhando experiência e credibilização. Nos outros partidos são boys. No CDS falam de "quadros". É o Portas que os vai buscar e vai criando a sua própria oligarquia já com experiência política e de gestão pública. Emergem menos do aparelho.

E o PCP?
O PCP é um partido completamente distinto. Seria muito interessante analisar como funciona nas câmaras, porque os do PCP continuam a ser revolucionários profissionais, é um partido de profissionais da política, onde abertamente não há democracia interna. Os outros partidos vendem-se como democráticos e não o são. O PCP à partida já sabemos que não é.

É possível chegar "virgem" destes esquemas à liderança dos grandes partidos?
Não é. Ninguém pode ser líder sem estas pessoas.

No livro descreve como, em 1998, Marcelo Rebelo de Sousa, com a ajuda de Rui Rio, tentou reformar o PSD e acabar com o caciquismo. A intenção deles era genuína?
Era. O Rio, então, era um radical anti aparelho e isso criou-lhe resistências enormes. A inimizade dele com o Menezes não nasceu aí, mas foi aí que se potenciou. Menezes moveu uma guerra totalmente fratricida contra o Rio e só deixou de tentar desgastar a liderança do Marcelo quando este demitiu o Rio. Ou quando criou as condições para que ele saísse. Na altura havia um escândalo de militantes inventados, de nomes que não existiam, dezenas de pessoas com as mesmas moradas, em suma, aquilo que ainda hoje existe. Marcelo e Rio fizeram um processo de refiliação, para tornar as eleições mais genuínas, e criaram as diretas para as estruturas. Deixou de haver congressos para eleger os líderes distritais e passou a haver o voto direto dos militantes.

O que falhou?
Quando as estruturas distritais passaram a ter diretas o caciquismo tornou-se exponencial. O voto direto é esta lógica de que temos estado a falar. As boas intenções dentro dos partidos têm sido sempre aproveitadas pelos aparelhos como uma oportunidade.

Rio continua a ser um fervoroso anti aparelho?
Acho que ele não mudou, só que se ele quiser ser líder do PSD - e ainda não se sabe muito bem se quer a liderança do partido ou a presidência da República - ele não o conseguirá com o discurso anti aparelho. Ser líder do partido contra o aparelho é muito difícil, a não ser que o aparelho cheire que aquele é um líder transitório.

Tem sido um político diferente?
Em determinada fase foi, a seguir à Câmara do Porto não tenho dados. Acho que a cabeça dele ainda funciona assim.

E o Marcelo?
É um caso engraçado, porque tem andado a fazer 'a rota da carne' assada pelo aparelho, há anos que vai a todas as pequenas coisas para que o convidam. Se ele avançar para a Presidência da República, ele é muito querido pelas bases do partido, não precisa de andar a fazer caciquismo, mas manteve boa relação com estas pessoas que são importantes.

Durante o livro, foi ameaçado com processos.
Só identifico uma pessoa, uma advogada de um dos visados, que me enviou um email a dizer "se põe lá o nome do meu cliente eu avanço com um processo judicial". É um dirigente do PSD que esteve envolvido num processo de fichas falsas na JSD de Lisboa e que é arguido num processo sobre o qual já tinha escrito há uns anos. Enviei-lhe umas perguntas, quis falar com ele e ela quis proibir-me de falar dele.

Mas falou na mesma.
Claro que falei. Chama-se Nuno Firmo, está no livro.

Ela concretizou a ameaça?
Não faço ideia.

E agora, na campanha, têm apertado consigo?
Há pessoas que se manifestam, que ficaram um bocado amofinadas com o livro como é evidente, porque prejudica-lhes a imagem, mas também há pessoas que, estando citadas no livro, por vezes não nos melhores termos, vieram felicitar-me pela factualidade, dizer-me que "sim senhor, é assim que as coisas se passam". Há uma coisa engraçada: muitas das pessoas que lutam com estas armas estão fartas, mas fazem-no porque não têm alternativa. Para continuarem na política, têm de o fazer.

A democracia portuguesa está ameaçada?
Acho que sim. Os grandes partidos põe em perigo a democracia porque, por um lado, este tipo de práticas afasta muita gente que quer fazer política; e, por outro lado, ajuda a afastar os cidadãos da política. Depois, uma grande parte dos deputados são escolhidos dentro destas lógicas. Ou seja, elas contaminam o sistema representativo. E também contaminam o Estado, no sentido que muitas nomeações são feitas como moeda de troca destes apoios e destas lógicas de funcionamento dos partidos.

As 'jotas' são o viveiro do caciquismo?
Sim, as coisas começam a ser feitas aí. As 'jotas' já começam a funcionar desde muito cedo nesta lógica da contagem de votos, dos apoios por cargos, e são sobretudo usadas pelos políticos seniores como sacos de votos das suas estruturas mediante depois distribuição de cargos. Os que querem fazer carreira começam por aqui. O que não quer dizer que não haja gente boa e bem intencionada. Mas se querem continuar têm de se entregar ao sistema.

E como é que se pode tornar o sistema mais higiénico?

É muito complicado. Mas há uma coisa que é possível de fazer: criminalizar as 'chapeladas' internas dos partidos, da mesma forma que é crime a falsificação de eleições nacionais. Os partidos estão acima da lei. Pode haver uma vigarice que só tem consequência nas jurisdições internas dos partidos e mesmo essas não funcionam, porque estão alinhadas com as direções ou porque não querem criar má imagem externa do partido. Se se criminalizarem estas 'chapeladas', isso já seria dissuasor.

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