sexta-feira, 10 de julho de 2015

Provedor considera nulas decisões da câmara sobre quarteirão na Madragoa

Os restos da antiga fábrica Constância estão no interior do quarteirão delimitado por um prédio da Rua das Janelas Verdes

Provedor considera nulas decisões da câmara sobre quarteirão na Madragoa

Aprovação do projecto que prevê a demolição do quarteirão dos Marianos e a construção de um condomínio naquela zona da Madragoa viola o PDM. Provedor recomenda à Câmara que volte atrás

Entende-se, salvo melhor opinião, aceitar a demolição proposta” — escreveu um responsável camarário depois de fazer notar que os requisitos legais da demolição não estavam preenchidos

José António Cerejo / 11-7-2015 / PÚBLICO

São arrasadoras para a Câmara de Lisboa e, em particular, para o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, as conclusões a que o Provedor de Justiça chegou quanto à legalidade das decisões que viabilizaram a construção de um condomínio habitacional no espaço do antigo Convento dos Marianos, junto à Rua das Janelas Verdes, na Madragoa. Para José de Faria Costa não restam dúvidas: é tudo ilegal.
O projecto de arquitectura, que contempla a construção de meia centena de habitações numa área com cerca de 11 mil m2, delimitada pela Rua das Janelas Verdes e pela Rua do Olival, foi aprovado em Agosto de 2013. O mesmo projecto prevê a demolição de vários edifícios, entre os quais as instalações arruinadas onde funcionou, até finais do século XX, a antiga Fábrica de Cerâmica Constância.
Condenado aos escombros foi também o edifício com os números 60 a 68 da Rua da Janelas Verdes, ainda hoje ocupado e em bom estado de conservação, que, tal como a antiga fábrica, situada por trás, está inscrito na Carta Municipal do Património, que integra o Plano Director Municipal (PDM). A sua demolição, de acordo com o Provedor de Justiça, é um dos vários aspectos em que os regulamentos camarários são violados pelas decisões que conduziram à aprovação do projecto. Isto porque — defende José de Faria Costa na recomendação que dirigiu ao presidente da câmara, Fernando Medina, no dia 15 de Junho — não se verificam os requisitos impostos pelo PDM e pelo Plano da Madragoa para que seja possível demolir edifícios inscritos na carta do património.
Para ilustrar a forma como a câmara interpreta, “a seu bel-prazer”, os dispositivos legais relativos àquilo que se pode ou não fazer no local, Faria Costa escreve que o chefe da Divisão de Loteamentos reconhece, numa informação técnica, a inexistência de enquadramento legal para ser aprovada a demolição do edifício. Mas, apesar disso, o mesmo chefe de divisão conclui assim a sua apreciação do projecto: “Entende-se, salvo melhor opinião, aceitar a demolição proposta”.
Daí que a recomendação do provedor saliente: “Parece, aliás, que a câmara municipal aplica e desaplica, alternadamente, as disposições do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Madragoa, da versão inicial do Plano Director Municipal e do novo PDM sem que se alcance o critério e fundamentação”.
Depois de uma “aturada apreciação” do caso e de ponderadas as explicações prestadas pelos serviços dirigidos por Manuel Salgado, Faria Costa não hesita em classificar as decisões camarárias como ilegais e nulas. A fundamentar esse entendimento, diz que a autarquia recorreu, em 2013, a uma versão do PDM que já não estava em vigor desde o ano anterior para determinar as áreas de estacionamento e as áreas a construir pelo promotor [um fundo de investimento gerido por José António José de Mello]. Já o cálculo das áreas a ceder para o domínio público foram determinadas com base na actual versão do PDM, em vigor desde 2012. Por isso, Faria Costa recomenda a Fernando Medina que declare a nulidade das decisões em causa, devendo, nos termos da lei e no prazo de 60 dias, informá~lo sobre se acata tal recomendação.
O projecto do quarteirão dos Marianos tem sido objecto de forte contestação dos moradores e proprietários vizinhos, que já dirigiram três petições à assembleia municipal contra a sua aprovação. Uma delas originou uma recomendação à câmara, aprovada por unanimidade, e visava, sobretudo, a conservação da memória da Fábrica Constância. A última está ainda em apreciação na Comissão de Urbanismo da assembleia. O presidente dessa comissão, Victor Gonçalves (PSD), elaborou uma proposta de recomendação acerca da mesma petição, mas o documento foi chumbado esta quarta-feira pelos representantes dos PS.
No seu relatório, Victor Gonçalves propunha que a assembleia recomendasse à câmara a redução do número de pisos de alguns dos edifícios e outras medidas que iam ao encontro das reivindicações dos peticionários e das posições defendidas pelo presidente da Junta de Freguesia da Estrela, Luís Newton (PSD). Victor Gonçalves disse, ontem, ao PÚBLICO que, face à recomendação do provedor, a discussão da petição deixa de fazer sentido.

Luís Newton, por sua vez, manifestou-se agradado com a iniciativa do provedor. “Estou satisfeito, mas também frustrado por não estar a ser encontrada uma solução para um espaço que se encontra muito degradado”, afirmou.

Sem comentários: