sexta-feira, 12 de junho de 2015

Sócrates / VASCO PULIDO VALENTE


Sócrates
VASCO PULIDO VALENTE 13/06/2015 - PÚBLICO

O “caso Sócrates” passou definitivamente para o mundo da política. Onde ficará.

Uma lei que não se consegue cumprir ou fazer cumprir é, como toda a gente compreenderá, uma lei nociva que enfraquece o regime legal e cria rapidamente uma noção perigosa de impunidade. Por isso, começa a ser urgente, quando não imperativo, abolir o chamado “segredo de justiça”, que ninguém cumpre ou acha sequer que deve cumprir.

O “caso Sócrates” tem sido um bom exemplo de uma polémica pública sobre matérias que em princípio não se podem publicamente discutir. Parece que o juiz, o ministério público e o arguido não estão sujeitos a qualquer tipo de restrições; e que não há qualquer limite ao que dizem ou deixam dizer para informação dos jornalistas e dos basbaques de serviço. Ora, para grande desgosto dos coscuvilheiros da nossa praça, há uma grande diferença entre um julgamento e um espectáculo.

António Costa repete com desespero que o PS não se intromete, nem se quer intrometer numa questão da competência do judicial. Mas sucede que a ausência de um efectivo “segredo de justiça” permite que essa questão se intrometa diariamente na vida do PS. Sócrates não hesitou em dar uma espécie de entrevista ao “Expresso”; peças do interrogatório apareceram na imprensa popular; os dirigentes socialistas peregrinaram beatamente a Évora; uma centena de militantes resolveu manifestar em frente da cadeia um solitário apoio ao seu herói cativo; e o herói continuou a comunicar ao mundo exterior o que lhe ia na alma. No estado a que chegaram as coisas, não vale a pena protestar. De qualquer maneira, convém compreender que o “caso Sócrates” passou definitivamente para o mundo da política. Onde ficará.


Embora ele não se aperceba, esta transferência só o prejudica. Na atmosfera de hoje, não existe um único português capaz de o julgar com a serena imparcialidade que a justiça exige. Tentando transformar a sua defesa numa defesa “política”, Sócrates acabou por interferir na campanha eleitoral do PS e, pior ainda, também num hipotético governo do PS, se Costa conseguir esse milagre profano. Durante anos, não se ouvirá falar senão dessa vítima ou desse anjo, das criaturas que o rodearam e serviram, dos malefícios ou dos serviços que infligiu à Pátria. O PS bisonho que por aí anda não servirá para mais do que para pano de fundo do melodrama principal, em que a plateia está verdadeiramente interessada. Se Sócrates for condenado, correrão com ele. Se for absolvido, a sua simples presença bastará para um ajuste de contas sem fim e sem sentido.

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