quarta-feira, 6 de maio de 2015

O livro de Passos / CDS tenta disfarçar incómodo com biografia de Passos Coelho /

EDITORIAL / PÚBLICO
O livro de Passos
DIRECÇÃO EDITORIAL 05/05/2015 / PÚBLICO

Não fora a coligação já ter sido formalizada, o mais certo seria PSD e CDS não irem juntos a eleições. E mesmo assim… A dúvida coloca-se, legitimamente, depois de ser conhecido o livro Somos o que escolhemos, uma biografia autorizada de Passos Coelho ontem lançada, que recolhe depoimentos do próprio primeiro-ministro, entre outros, com revelações muito polémicas sobre os dias de brasa que conduziram o Governo à crise do Verão de 2013. O que fica, muitas vezes pela boca de Passos, é a imagem de irresponsável colada a Paulo Portas, cujo comportamento quer em relação a Vítor Gaspar, à troika, ou ao próprio chefe do Governo é pontuado por frases assassinas que lhe endossam toda a responsabilidade sobre o que se passou. Passos pode ter querido fragilizar Portas para justificar uma posição de dureza nas negociações com o CDS, mas o abalo que provocou na confiança entre dois partidos cujo horizonte é uma dura batalha eleitoral não podia ser mais arrasador.

CDS tenta disfarçar incómodo com biografia de Passos Coelho
No livro, líder do PSD afirma que soube da demissão de Paulo Portas em 2013 por sms. Uma versão contrariada pelo vice-primeiro-ministro, que admite ter havido “um lapso” da autora, mas desvaloriza

Nos dois partidos sobram perguntas sobre a razão que levou Passos a autorizar estas revelações nesta altura, dias depois de renovada a coligação, quando as direcções estão empenhadas em mostrar entrosamento

Sofia Rodrigues, Nuno Ribeiro, Leonete Botelho e Paulo Pena / 6-5-2015 / PÚBLICO

Um dia depois de uma reunião com dirigentes locais do PSD e do CDS que decorreu num clima de confiança quase inédito — como descreveram ao PÚBLICO fontes partidárias — as revelações de Passos Coelho sobre a crise no Governo, em Julho de 2013, vieram causar instabilidade nos dois partidos. O CDS tentou disfarçar o incómodo e não quis alimentar a polémica, mas deixou escapar que a história agora contada é parcial.
Na biografia de Passos Coelho intitulada Somos o que escolhemos, da autoria da assessora do PSD Sofia Aureliano, lançada ontem, o primeiro-ministro revela que Paulo Portas “se demitiu por sms” do cargo de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros por ser contra a nomeação de Maria Luís Albuquerque para ministra das Finanças.
O gabinete de Paulo Portas desvaloriza o assunto, mas esclarece que o pedido de demissão aconteceu de manhã e foi “naturalmente formalizado por carta”. “O dr. Paulo Portas não falou com a autora do livro, pelo que admite que a mesma tenha incorrido num lapso a que não atribui importância”, acrescenta a nota de imprensa enviada à hora de jantar.
Durante o dia, entre as recusas em comentar o conteúdo do livro, os centristas confessaram achar estranho o momento das revelações. Passaram dez dias da assinatura do compromisso de coligação entre Passos e Portas. Um dirigente centrista questiona: “E se isto se soubesse no 24 de Abril?”. Mais contundente foi Diogo Feio, vice-presidente do CDS: “Era bom que o livro dissesse de que forma o primeiro-ministro informou Paulo Portas sobre o nome da nova ministra das Finanças”. Essa informação foi dada por sms dias antes da demissão de Paulo Portas, segundo notícias publicadas na altura.
O comentário de Diogo Feio é isolado, já que os centristas parecem não querer estragar o ambiente da coligação recém-renovada.
No PSD, o tom também é de desvalorização. Os sociais-democratas lembram que o livro estava a ser preparado há meses. Nos dois partidos sobram perguntas sobre a razão que levou Passos Coelho a autorizar estas revelações nesta altura. Ainda para mais quando as direcções estão empenhadas em mostrar um entrosamento dos partidos a nível local (ver caixa).
Certo é que na sessão de lançamento do livro, ao fim da tarde, não estava presente nenhum dirigente ou rosto conhecido do CDS, e mesmo do PSD apenas marcaram presença o comissário europeu Carlos Moedas (que apresentou a obra), o ministro Nuno Crato e o líder parlamentar, Luís Montenegro.

Versões diferentes
O vice-primeiro-ministro, que se encontra na Colômbia para participar em mais uma reunião da comissão bilateral com Portugal, manteve-se fiel ao princípio de não comentar no estrangeiro incidências da vida política portuguesa. No entanto, fonte centrista afirmou ao PÚBLICO que Paulo Portas não valoriza a questão, pelo que não a vai comentar aquando do seu regresso a Lisboa. “Há coisas mais importantes”, justificou a mesma fonte. Aquele informador destacou, contudo, que a demissão de Portas como ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros foi apresentada na manhã do dia 2 de Julho e formalizada por carta.
A diferença de versões não é de agora. Naquela semana crítica de Julho de 2013 foram publicadas notícias que dão conta de que Portas e Passos Coelho se reuniram em S. Bento na terça-feira 2 de Julho, de manhã, dia em que foi conhecido o pedido de demissão do líder do CDS do Governo. Segundo a edição do Expresso dessa semana, essa conversa a dois teria terminado com o pedido de demissão.
Segundo a mesma notícia, que dá conta do “relato que Portas fez ao seu inner circle”, Passos Coelho falou com o líder centrista no dia 29 de Junho sobre a escolha de Maria Luís Albuquerque para substituir Vítor Gaspar no Ministério das Finanças — cuja demissão estava já nas mãos do primeiro-ministro, apesar de só ter sido divulgada a 1 de Julho. Nesse sábado 29, Portas terá discordado da escolha e pediu a Passos que adiasse a remodelação para depois do congresso do CDS, marcado para esse mês.
Nesse mesmo dia o então ministro dos Negócios Estrangeiros viajou para o Bahrain e quando voltou, na segunda-feira, dia 1, tinha um sms do primeiro-ministro a informá-lo que já tinha informado o Presidente da República de que Maria Luís iria substituir Vítor Gaspar. No dia seguinte é recebido em S. Bento por Passos Coelho de manhã e já não vai à tomada de posse da nova ministra das Finanças, às 17h. A sua demissão é divulgada cerca de uma hora antes da cerimónia.
O livro também refere esse encontro a dois na residência oficial, na manhã do dia 2. Segundo o relato, Paulo Portas “afirmou não estar confortável” com a escolha de Maria Luís Albuquerque porque isso “significaria que Passos Coelho continuaria a ser informalmente o ministro das Finanças”. E prossegue: “Quando Paulo Portas saiu de S. Bento, Pedro Passos Coelho estava longe de equacionar o cenário que se seguia. ‘Fui almoçar e quando ia a caminho da comissão permanente, às 15 horas, recebi um sms do dr. Paulo Portas a dizer que tinha reflectido muito e que se ia demitir’”.
Cavaco promete “memórias”
No mesmo capítulo da biografia autorizada, há também referências à “estranheza” em relação à forma como Cavaco Silva geriu a crise no Governo. Depois de Passos Coelho ter tornado revogável a demissão de Paulo Portas, fazendo-o subir a viceprimeiro-ministro e fazendo uma remodelação no Governo indo ao encontro das reivindicações do CDS, o Presidente da República impôs aos partidos da coligação uma tentativa de entendimento com o PS liderado por António José Seguro.
Como o próprio Passos Coelho afirma no livro, o Presidente “disse que não procederia a qualquer mexida no Governo, não empossaria um novo ministro, enquanto os partidos não assumissem o desafio de atingir um entendimento”. A autora afirma que essa tentativa causava “estranheza” ao PSD, uma vez que Seguro já tinha deixado bem claro que não aceitaria qualquer negociação. E acrescenta: “Cavaco Silva deixou o Governo em banho-maria durante os vinte dias de estéril negociação” com o PS, “cujo desfecho era, desde o início, absolutamente previsível”.
Na Noruega, onde se encontra em visita oficial, o Presidente da República remeteu para o ano a sua própria versão dos acontecimentos. “Só escreverei as minhas memórias depois de 9 de Março de 2016”, respondeu aos jornalistas, referindo-se à tradicional data da tomada de posse do futuro chefe de Estado, que deverá ser eleito em Janeiro próximo.

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