sexta-feira, 8 de maio de 2015

Cameron tem maioria mas vai governar um país dividido


Cameron tem maioria mas vai governar um país dividido
ANA GOMES FERREIRA (em Londres) 08/05/2015 - 10:51 / PÚBLICO

O novo Governo de Londres tem nas mãos um Reino Unido frágil e fracturado. Numas eleições de resultados surpreendentes – as sondagens falharam -, a esquerda sai derrotada e nacionalismo escocês impõe-se.

Triunfante mas sem triunfalismos, David Cameron regressou a Londres na manhã desta sexta-feira, vindo do seu círculo eleitoral em Oxfordshire, sabendo que será mais difícil governar este Reino Unido que lhe deu maioria do que quando tinha uma coligação.

As eleições legislativas de quinta-feira não serviram apenas para escolher um partido para governar, tiveram implícito o futuro territorial da união e a relação do país com a Europa. O novo mapa eleitoral é radicalmente diferente do de há cinco anos, quando Cameron chegou ao poder. Então, a recuperação da economia era a prioridade do primeiro-ministro; hoje tem no topo da agenda política a relação de Londres com a Escócia e o referendo sobre a permanência ou não do Reino Unido na União Europeia.

Quando só faltavam oito círculos eleitorais, o Partido Conservador de Cameron contabilizava 325 deputados em Westminster, devendo acabar com 329, ou seja, maioria absoluta. O Partido Trabalhista, de Ed Miliband, contava 230 - uma derrota pesada que o líder justificou com a ascensão do “nacionalismo escocês”. “Foi uma noite de grande desilusão”, disse Miliband que pediu “profundas desculpas” aos eleitores do Labour.

A sua permanência à frente do partido foi posta imediatamente em causa e espera-se que clarificasse o seu futuro político e o do Partido Trabalhista ao início da tarde – marcou uma conferência de imprensa e, segundo a imprensa britânica, irá demitir-se. Para os analistas, é a única opção para Miliband , que tem que abrir caminho a uma nova e forte liderança para sanar a ferida e evitar uma crise maior no partido.

O ambiente de triunfalismo vivia-se na Escócia, onde o Partido Nacional Escocês (SNP na sigla inglesa) obliterou do mapa eleitoral os trabalhistas locais. Estavam-lhe atribuídos 56 dos 59 lugares atribuídos à Escócia no Parlamento de Westminster.

Pela primeira vez na História do Reino Unido, um partido nacional torna-se a terceira força política da união e Cameron não poderá iludir o peso desta bancada.

"O SNP não pode ser ignorado e vai ser difícil travá-lo” quando o governo quiser legislar sobre a Escócia, disse Alex Salmond, o homem que vai estar à frente da bancada nacionalista escocesa em Westminster. Foi ele que conduziu a campanha do referendo pela independência na Escócia no ano passado – a líder do partido, a carismática Nicola Sturgeon, permanece à frente do governo de Edimburgo.

Sturgeon manteve-se cautelosa, durante a campanha, sobre a possibilidade de se realizar um segundo referendo. E Salmond chegou a dizer que a independência só poderá tornar-se uma realidade para “a próxima geração”.

Mas para construir este surpreendente mapa eleitoral – as sondagens falharam em toda a linha, quer as pré-eleições que empatavam conservadores e trabalhistas quer as que, à boca das urnas, diziam que Cameron deveria ter que repetir uma coligação para conservar o poder – o primeiro-ministro prometeu um referendo à UE. Para já, quer renegociar a parceria entre Londres e Bruxelas, ideia que foi bem acolhida pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Os analistas britânicos, no entanto, estão descrentes nesta renegociação. Outros países da UE não aceitarão criar um regime de excepção para o Reino Unido e Juncker, dizem, só poderá aceitar mudanças "cosméticas". A Cameron, não restará outra hipótese a não ser avançar com o referendo.

Um referendo que desagrada a Edimburgo e aos escoceses, que rejeitam a ideia de abandonar Bruxelas. Entrando pelo campo da especulação, os analistas disseram que os escoceses podem aproveitá-lo para voltar a agitar a bandeira da independência.

O mais provável, porém, é que os nacionalistas escoceses pressionem Cameron a conceder mais autonomia política e económica ao governo de Edimburgo. Nicola Sturgeon fez exigências durante a campanha: por exemplo o direito de aumentar, na Escócia, o salário mínimo, o direito de passar legislação baixando ou eliminando as propinas universitárias, manter no país uma maior percentagem dos impostos pagos pelos escoceses e que são canalizados para o orçamento da união.

Uma derrota sem precedentes sofreu também o Partido Liberal-Democrata, parceiro de coligação de Cameron no governo anterior. Nick Clegg, que era vice-primeiro-ministro, conseguiu manter o seu lugar de deputado, mas perdeu quase toda a sua bancada – em 2010, elegeram 57 deputados, neste Parlamento deverão ter oito. “Foi uma noite cruel e castigadora”, disse Clegg que, a meio da manhã anunciou a sua demissão da liderança do partido.

Esperava-se o fim do escrutínio para se perceber a posição dos pequenos partidos. O Verde manteve um deputado (o segundo estava em dúvida), o UKIP (anti-imigração e anti-Europa) elegeu também um mas seu o líder do partido, Nigel Farage, não conseguiu ganhar o seu círculo eleitoral de South Thanet. O futuro deste partido estava também em causa com a promessa de Farage – o homem que carrega o partido nos ombros – de se retirar da política se falhasse Westminster. Outras formações políticas (independentes, partidos galeses e norte-irlandeses) elegeram dez deputados.

“Esta eleição tem profundas implicações para o país”, disse um derrubado Nick Clegg que, ao longo da vertiginosa noite eleitoral, ainda queria acreditar que as sondagens à boca das urnas estavam profundamente erradas. Estavam – o resultado dos liberais-democratas ainda foi pior do que o previsto.


As empresas de estudos de opinião sofreram a maior humilhação da noite. Durante semanas, projectaram um Reino Unido à beira de uma crise política com um Parlamento sem maiorias – um cenário de medo que pode ter convencido muitos milhões de eleitores que, a horas do encerramento das urnas, ainda diziam que estavam indecisos; terão sido eles a decidir o resultado. A projecção à boca das urnas aproximou-se mais da realidade, ao apostar que Cameron se manteria primeiro-ministro, mas também acertou ao lado.

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