domingo, 29 de março de 2015

Ongoing. Uma história de poder, ambição e desgraça / Nuno Vasconcellos. O herdeiro dos sabões e filho do “Expresso” que quis um império / Alguns processos e muitas ligações (pouco) secretas /As perguntas e as respostas que explicam o início e o fim da influência do grupo


Ongoing. Uma história de poder, ambição e desgraça
Por Filipe Paiva Cardoso
publicado em 28 Mar 2015 in (jornal) i online

Vasconcellos e Mora cresceram à sombra dos holofotes que os atraiam. Mas quanto mais puxaram o foco para si, mais se tornaram evidentes as ramificações políticas, empresariais e maçónicas deste projecto de império
O foco encandeia. O mediatismo e o papel cada vez mais relevante que a Ongoing procurou no mundo político-empresarial trouxe os holofotes que Nuno Vasconcellos e Rafael Mora tanto desejavam, mas com cada vez mais luz a incidir num grupo opaco, o projecto-de-império foi cada vez mais alvo de escrutínio. Longe já iam os dias em que à sombra dos holofotes a dupla foi crescendo e embrenhando-se no seio das ditas elites que nos últimos anos arrastaram o país para o estado actual. Pina Moura, Jorge Coelho e António Mexia terão servido de “apresentadores” à elite e a dupla de empresários em pouco tempo acumulou avenças para a sua Heidrick &Struggles (H&S) entre o sector empresarial do Estado. 

Na década de 1990, Vasconcellos e Mora eram já bastante próximos, depois de se cruzarem na Andersen Consulting. Avançam então para a independência, lançando a H&S, uma head-hunter e consultora de recursos humanos que lhes servirá de porta de entrada na rede empresarial e política, onde a sua contratação coincidia com a recomendação pela H&Sde altos salários para os gestores que os contratavam. A gradual entrada na rede foi possível graças àquilo que mais procuravam anular, o anonimato.

AH&Sserviu assim para avançarem por um caminho de prémio-benefício com gestores e políticos, com destaque para o hoje CEOda EDP, António Mexia. AHeidrick serviu a Galp deMexia e foi servir as empresas públicas a partir do momento em que este “gestor-político-facilitador” saltou para o Ministério dasObras Públicas – de onde partiu para ir ganhar milhões de euros para aEDPpor sugestão da H&S... prémio-benefício. “É para garantir a performance sustentável a médio prazo”, explicou então Mora sobre a proposta que a H&S fez para o salário de Mexia na EDP.
Com Pina Moura e Jorge Coelho já na sua esfera, Mora e Vasconcellos conseguem superar a troca de governo: a ascensão de Sócrates, que traz Mário Lino como ministro das Obras Públicas, permite-lhes, por um lado, aprofundar as ligações aos círculos do poder mas, por outro, traz o primeiro escândalo sobre avenças e influências:a H&S recebia 150 mil euros/mês dos CTTsem prestar qualquer serviço. Apesar do escândalo, a H&Sdá por si já a prestar serviços à ANA, Carris, Estradas de Portugal, TAP, EDP, Águas dePortugal...

Com o primeiro governo de Sócrates, o mundo empresarial sofreu fortes abalos e em todos eles os nomes dos empresários foram recorrentes:da guerra fratricida no BCP – onde eram próximos dePaulo Teixeira Pinto – ao cerco à comunicação social, passando pelas telecomunicações, estes foram anos de guerra aberta pelo controlo dos grupos das elites. Para entrar na guerra, são precisas armas e também um padrinho, de preferência um que reúna as duas coisas: quem melhor que Ricardo Salgado himself? Foi a OPAda Sonae à PT em 2006 que o tornou possível – operadora a que a H&S depois iria servir e encaixar milhões.Os interesses instalados na PT – dos milhões pagos a accionistas, aos milhões pagos a gestores, passando pelos empregos a ex-políticos –, uniram-se para a criação de uma frente anti-Sonae.
Em defesa do status, era preciso aliados:a Ongoing aparece assim como novo accionista da PT, alinhada com o BES, justificando o financiamento da operação com a herança de Vasconcellos, vinda da Sociedade Nacional de Sabões. Porém, a entrada e reforços de posição na PT, até aos 10%, foram garantidos sobretudo com dívida, do BES e BCP, com as próprias acções da PTa servirem de garantia. Foi neste dossier que a Ongoing atraiu de vez os holofotes para si. 


O“status PT quo” resiste e a OPA é chumbada. Segue-se o prémio--benefício:as compensações e os prémios combinados entre accionistas e administração não se fizeram esperar, com milhares de milhões de euros a voar para ambos, cabendo ainda a cereja em cima do bolo para Vasconcellos eMora, que garantem lugares na administração daPT e no circuito dos milhões em bónus e salários que a empresa pagava anualmente. Seguiu-se a venda da Vivo e nova distribuição de milhões – em dez anos, a PTpagou 112 milhões de euros aos gestores enquanto desvalorizava 80%. No meio de tanto auto-prémio e auto-dividendo, porém, a PTacabou por ter o destino hoje conhecido, até porque havia mais a acontecer com o dinheiro da PT.

Assegurado o lugar na sala dos grandes e uma parte dos dividendos milionários do ex-monopólio, aOngoing precisava de resolver uma posição na banca e depois apontar baterias a outro sector de influência:os media. No BCP, Mora desenha o modelo dualista de governação e eclode uma guerra de accionistas, com a Ongoing a entrar no capital para apoiar TeixeiraPinto contra Jardim Gonçalves – ou Maçonaria (ver págs. 6/7)contra Opus Dei – e, pelo caminho, ganhar lugares na administração. “Os relacionamentos agora conhecidos [maçonaria e secretas] abrem uma nova perspectiva sobre o que aconteceu no BCP”, viria a comentar em 2012 Filipe Pinhal, em declarações para o retrato aprofundado à Ongoing feito então pelo “Público”. Voltando a 2007, dizia na altura o “Diário Económico” sobre o conflito no BCP: “Os exércitos estão formados e já começaram a disparar.” E por falar em “Económico”, hora de olhar para os media.

Entre 2008 e 2009, a Ongoing torna-se um accionista cada vez mais relevante na Impresa, grupo que o pai de Nuno Vasconcellos, Luís Vasconcellos fundou com Balsemão, atingindo mais de 20% em ano e meio, num movimento que deixou Balsemão surpreendido. O assédio e o reforço na SIC intensificava-se ao mesmo tempo que o grupo mostrou com força que a presença na comunicação social era decisiva:pagou 27,5 milhões pelo “Diário Económico” e “Semanário Económico”, valor visto como exagerado mas que garantiu que os jornais não lhe escapavam. Ainda neste ano e meio, o i noticia emJunho de 2009 que também a TVIestá a ser assediada:a Media Capital está a vender, e aPT, Controlinveste e Ongoing posicionam-se para comprar o canal então envolto em polémica com JoséSócrates e a sua acusação de “Telejornal travestido.” As escutas do FaceOculta divulgadas pelo “Sol” indiciam que o avanço para a TVIpelaPTseria um esquema do executivo para controlar os media com um novo grupo, esquema no qual aOngoing também representaria o seu papel. Nas escutas, também SoaresCarneiro, então administrador daPT, acaba por ser ouvido. Pouco depois, JoséEduardo Moniz, ex-director-geral daTVI, está a trabalhar na Ongoing. Mas o negócio TVInão corre bem e a Ongoing acaba por reforçar o assédio ao controlo da Impresa, que levará a uma troca de processos judiciais entre as empresas, cujas decisões seriam favoráveis a Balsemão.

A referência anterior a SoaresCarneiro não surgiu por acaso. Todas estas movimentações do grupo deVasconcellos e Mora exigiam capital e, como atrás referimos, havia muito a acontecer com o dinheiro daPT – e não só na Rioforte. Foi em Julho de 2009 que JorgeTomé, representante daCGD na PT, denunciou que o Fundo de Pensões daoperadora, presidido por SoaresCarneiro, aplicou 75 milhões de euros em fundos de alto risco da Ongoing, que assim se ia financiando:também o BES aplicou largos milhões nestes fundos. Oassunto foi polémico e SoaresCarneiro acabou por sair daPT para aOngoing.

Ocrescimento agressivo da empresa nestes anos atraiu uma imensa atenção mediática. As contas e as dívidas acumuladas da Ongoing começaram a ser temas recorrentes e as movimentações e contratações da empresa já não passavam despercebidas:Agostinho Branquinho, deputado do PSDé contratado poucos meses depois de lançar a célebre “O que é a Ongoing?”, segue-se SilvaCarvalho, as ligaçõesàs secretas, e uma sucessão de polémicas, que vão das renegociações de dívidas com Armando Vara, já no BCP-socrático, aos processos judiciais no Brasil, tudo enquanto Vasconcellos e Mora se preparam já para um terreno mais laranja do que cor-de-rosa:Miguel Relvas, José LuísArnaut, Eduardo Catroga participam numa reunião de quadros do grupo.  

Depois chegou a crise.AOngoing, já encadeada e demasiado exposta perante os holofotes, dá por si em igual situação perante os custos da dívida, isto quando a PTjá está em decadência. A lista de polémicas às costas parece infindável, até porque por esta altura já as ligações no Brasil a Lula daSilva e JoséDirceu eram cada vez mais noticiadas, o que fez com que a luz dos amigos anteriores começasse a fundir-se:Ricardo Salgado e o BESfazem saber que as ligações com a Ongoing “nunca foram assim tanto quanto se dizia” – ironicamente como muitos dirão hoje sobre o próprio BES – e o grupo empresarial decide afastar-se do mediatismo. Apesar disso, certo é que as repercussões e réplicas do percurso dos últimos anos ainda hoje se fazem sentir, como o início do julgamento do caso das Secretas, agora em Abril, abordado nas páginas seguintes.




 Nuno Vasconcellos. O herdeiro dos sabões e filho do “Expresso” que quis um império

Herdeiro dos Rocha dos Santos e filho de um dos fundadores da Impresa, levou a família à 21.ªposição dos mais ricos do país. Mas teve de abdicar do plano de tornar a Impresa numa “obra que ultrapasse o próprio criador” e o seu maior trunfo, a PT, colapsou. Agora, perdeu o seu estratega. E o rumo?

“Nós somos uma empresa de cariz familiar, com várias gerações, já passámos por grandes dificuldades, duas guerras mundiais, revoluções... e continuamos de cabeça erguida, com transparência e nada a esconder.” Era assim que Nuno Vasconcellos definia a Ongoing no Verão de 2009 em entrevista ao i, dada em plena oferta à TVI e pouco depois de reclamar a gestão partilhada da Impresa, recusando as acusações de uma estratégia de hostilização à dona daSIC:“Tenho uma enorme estima e amizade pelo dr. Balsemão, é como se fosse o meu segundo pai”, garantia. Os anos seguintes colocariam esta relação em xeque, num mate que chegou no início de 2014, quando a Ongoing vendeu a posição na Impresa e Francisco Pinto Balsemão atirou:“Esta saída coloca um ponto final numa estratégia hostil de tentativa de controlo de um grupo de comunicação livre e independente.”

Nuno Vasconcellos celebrou em 2014 o seu 50.o aniversário. Viveu em Lisboa até aos 11 anos e frequentou o secundário na Bélgica, prosseguindo a formação emGestão de Empresas já nos EstadosUnidos, no Curry College de Boston. Em 1995, já associado aRafael Mora, lançou a sucursal portuguesa da Heidrick &Struggles, “dedicando-se assim à Gestão deTalento em algumas das principais empresas a operar no país”. Os sócios cruzaram-se naAndersen Consulting, onde Vasconcellos entrou em 1987 e onde ficou oito anos. Foi da sua herança familiar que nasceu a Ongoing mas também o apetite pelaImpresa:pelo lado Rocha dosSantos tinha uma participação de relevo no Grupo Industrial SociedadeNacional de Sabões, pela faceta Vasconcellos tinha o apetite pelaImpresa. “Há um respeito pela obra que foi feita por ele [Balsemão] e pelo meu pai”, disse o líder da Ongoing na mesma entrevista ao i. Luiz Vasconcellos foi um dos fundadores do “Expresso” em 1973 com Pinto Balsemão e vice-presidente da Impresa largos anos. Na guerra pela Impresa, Vasconcellos terá procurado sobretudo reclamar para si aquilo que o seu pai também ajudou a fundar, criar e edificar.  

Mais dado ao low profile que Rafael Mora, mas igualmente apostado em ser um empresário/empreendedor de sucesso, o seu percurso profissional ligado ao mundo das consultoras visou prepará-lo para a gestão dos negócios da família. Se na Andersen os sócios foram recolhendo relações, na Heidrick &Struggles estas cresceram e reforçaram-se, permitindo o acesso às redes de influência do país e então dar o salto com os negócios da família. AOngoing apresentou-se como uma holding que “agrega os investimentos da família Rocha dos Santos” mas precisou de recorrer a financiamentos bancários para chegar à sala dos grandes do mundo empresarial português.

A ascensão foi apadrinhada por Ricardo Salgado, com a Ongoing a entrar também na Espírito Santo Financial Group. O crescimento da Ongoing representou o crescimento deNuno Vasconcellos enquanto figura pública. Em 2007, a família Rocha dosSantos era já apontada como a 21.a mais rica do país. Mas ao mesmo tempo que o seu grupo ganhava importância, também resistências, polémicas e inimigos foram sendo acumulados.

“Se não foi uma ditadura que nos impediu de fazer negócios, nada nos inibe”, declarava contudo Vasconcellos. O grupo entrou em quase todas as guerras empresariais da era Sócrates e chegou a ser apontado como testa-de--ferro de angolanos e associado a um plano de controlo dos media por parte de Sócrates. Vasconcellos negou tudo mas o grupo não passou incólume:a crise, o endividamento, as polémicas, o declínio da PT e as apostas menos sucedidas colocaram tudo em risco, risco agora potenciado com a saída de Rafael Mora, o estratega de Vasconcellos.


Alguns processos e muitas ligações (pouco) secretas
Por Carlos Diogo Santos
publicado em 28 Mar 2015 in (jornal) i online

Dos processos que trouxeram a Ongoing para as páginas dos jornais, o das Secretas assumiu especial destaque – o julgamento é no próximo mês –, mas a empresa já tinha sido referida nas escutas do Face Oculta. Além destes dois casos houve mais um que foi crescendo: uma denúncia de Balsemão na sequência do processo das Secretas  acabou com a acusação do MP 

A Ongoing envolveu-se em vários casos mediáticos ao longo dos últimos anos. Em Portugal foi notícia pela tentativa de compra da TVI e pelo processo das Secretas. No Brasil pela investigação do Ministério Público Federal de São Paulo por alegado desrespeito pela Constituição daquele país (ver texto ao lado).

O caso que envolve o antigo director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) começa a ser julgado a 16 de Abril. Jorge Silva Carvalho é acusado de fornecer informações secretas à empresa de Nuno Vasconcellos, que mais tarde acabaria por o contratar. A notícia chegou às páginas dos jornais em Julho de 2011, precisamente nove meses depois da data do despacho de exoneração de director do SIED.
Em 2012, o Ministério Público acusou três arguidos: Nuno Vasconcellos, presidente da Ongoing, por corrupção activa, Jorge Silva Carvalho por acesso indevido a dados pessoais, abuso de poder e violação de segredo de Estado e João Luís, ex-director do SIED, por co-autoria dos crimes de abuso de poder, acesso ilegítimo agravado e acesso indevido a dados pessoais.

 Segundo a acusação, tudo começou quando Silva Carvalho ordenou, entre 7 e 17 de Agosto de 2010, ao arguido João Luís que obtivesse os dados de tráfego do número de telefone (da operadora Optimus) utilizado pelo jornalista Nuno Simas, no período compreendido entre Julho e Agosto de 2010. Os investigadores acreditam que a finalidade era perceber quem é que das Secretas tinha passado informações ao jornal “Público” sobre o mal-estar causado por mudanças de espiões e dirigentes.

Entrada do espião na Ongoing Segundo o MP, nas vésperas de Silva Carvalho sair do SIED começou a desenhar-se a sua entrada na Ongoing. Nesta empresa trabalhavam já duas pessoas conhecidas do então director do SIED: João Alfaro, ex-funcionário do Sistema de Informações e Segurança (SIS), e Fernando Paulo Santos que participavam em sessões, encontros e jantares da organização maçónica, a Grande Loja Legal de Portugal, de Silva Carvalho (ver págs. seguintes).

Ainda antes de sair do SIED – o então director da Secreta externa enviou a Nuno Vasconcellos informação secreta sobre os empresários russos que estavam em negociação com a Ongoing  na sequência do interesse da empresa em entrar numa parceria para construção de infra-estruturas no porto grego de Astakos. 

Em Janeiro de 2011, a Ongoing apresentava um reforço de peso: o ex-director do SIED. Mas durou pouco. A investigação do MP considera que a seis meses das eleições legislativas de 2011, o antigo espião iniciou contactos com dirigentes partidários com o propósito de regressar aos Serviços Secretos. 

Além dos três arguidos acusados, na fase de instrução foram pronunciados outros dois por terem colaborado na obtenção de informações sobre o telemóvel do jornalista Nuno Simas.

O relatório sobre balsemão Não demorou até que outras pessoas entrassem na história. A relação de Pinto Balsemão e de Nuno Vasconcellos voltou a cruzar-se. O pai do presidente da Ongoing, Luís Vasconcellos,  fundou com Balsemão o semanário “Expresso” e o grupo Impresa, mas a ligação de há muitos anos não tem chegado para acalmar a relação conturbada que ambos têm tido desde que Luís Vasconcellos morreu.

Quando em 2012 foi tornado público que Silva Carvalho tinha encomendado relatórios sobre pessoas cuja vida interessava à Ongoing, entre as quais o patrão da SIC, o comunicado do fundador do “Expresso” não tardou: “Tendo tomado conhecimento, através da comunicação social, do conteúdo do relatório sobre mim produzido, no qual são referenciadas dezenas de calúnias e falsidades – algumas das quais de mau gosto e grotescas – decidi proceder às diligências necessárias, junto dos meus advogados, no sentido de responsabilizar criminalmente os autores do documento”. O Ministério Público deduziu acusação pelo crime de  devassa por meio informático não havendo ainda data marcada para início de julgamento.

Escutas face oculta Outro dos processos que acabou por trazer o nome da Ongoing para as páginas dos jornais foi o Face Oculta. Das escutas resulta que o grupo português pretendia controlar uma televisão generalista.

E a Ongoing ainda chegou a acordar com os espanhóis a compra de 33% da Media Capital por cerca de 100 milhões de euros, mas o negócio acabaria por nunca se concretizar. O que travou a pretensão do grupo português foi a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, isto porque a acontecer o grupo ficaria com 22% da Impresa e 35% na Media Capital. 


As perguntas e as respostas que explicam o início e o fim da influência do grupo

A Ongoing reuniu um vasto rol de participações empresariais, ramificações políticas e polémicas que tornaram o percurso do grupo numa autêntica montanha-russa, cujo trajecto recente tem sido de uma forte descida. Hora de traçar de forma mais sintética o trajecto, perímetro e ligações do grupo, tal como os conflitos, controvérsias e a crescente teia de vínculos que, do PS ao PSD e da Maçonaria às Secretas, permitiram um rápido crescimento daOngoing e do mediatismo das suas duas principais caras: Nuno Vasconcellos e Rafael Mora.

Por Carlos Diogo Santos e Filipe Paiva Cardoso
publicado em 28 Mar 2015 in (jornal) i online

O que é a Ongoing?

A Ongoing Strategy Investments é uma holding que concentra os investimentos da família Rocha dos Santos, gerida por Nuno Vasconcellos. Estas apostas vão das telecomunicações ao imobiliário e chegaram a incluir uma participação no Espírito Santo Financial Group. Asparticipações na PT e na Impresa seriam as mais relevantes e mediáticas mas ambas foram perdendo força:aOngoing vendeu a posição naImpresa no início de 2014 e a PTentrou em colapso com a compra daOi.   

Como nasceu e cresceu?

Antes da Ongoing, Nuno Vasconcellos e Rafael Mora lançaram o ramo português da Heidrick &Struggles, consultora dedicada “à Gestão de Talento em algumas das principais empresas a operar no país”. Foi através desta que aumentaram as suas ligações com os líderes e gestores do país, com a H&S a surgir como prestadora de serviços em várias empresas, sobretudo do sector empresarial do Estado ao início. Depois chegou a hora daOngoing:a família Rocha dos Santos detinha uma posição de relevo na SociedadeNacional de Sabões, chegando por esta via parte dos fundos daOngoing. Porém, estes não chegavam para as tomadas agressivas de posições em empresas a que o grupo procedeu.

De onde veio o capital?
Para conseguir entrar nas estruturas accionistas daPT, BCPou ESFG, além de outros negócios, como a aquisição do  “Diário Económico”e “Semanário Económico” por uma quantia de 27,5 milhões de euros, e o gradual reforço até perto dos 30% do capital naImpresa, aOngoing foi obrigada a recorrer à banca. Aqui beneficiou do desejo do BES de ter um aliado no combate à OPA da Sonae à PT, e também das ligações ao BCP. Os dois bancos apoiaram os endividamentos da Ongoing. Posteriormente, parte dos investimentos do grupo deVasconcellos já foram financiados não por empréstimos bancários mas antes pela aposta de bancos e também daPT nos fundos de investimento da Ongoing.

De onde veio o mediatismo?
Aparticipação activa no combateà OPAda Sonae trouxe-apara a ribalta, onde continuou posteriormente pela participação na guerra fratricida do BCPe pelo avanço para o sector da comunicação social. A guerra em que Nuno Vasconcellos entrou contra Pinto Balsemão também assegurou várias páginas de jornais, tal como ocorreu aquando da tentativa de avanço para a TVI, através da Media Capital e daPrisa.

Porquê a guerra com a impresa?
AOngoing entre 2008 e 2009 foi reforçando a participação no capital daImpresa e de uma forma que surpreendeu Pinto Balsemão que, em conjunto com o pai de Nuno Vasconcellos, fundou o “Expresso”. Em causa estava não só a vontade de ter um pé numa TV, como a ligação que Vasconcellos sentia ao grupo que o seu pai edificou. Olíder da Ongoing chegou a referir-se a Balsemão como seu “segundo pai” mas esta foi uma batalha perdida e que levou a processos judiciais. Nicolau Santos, no “Expresso”, referiu-se à Ongoing como um império construído com “avenças de empresas públicas, financiamento de bancos amigos, influência empresarial e política, ligações à maçonaria e às Secretas”, no seguimento de um trabalho do “Público”sobre o grupo.
Quais as ramificações políticas?
Jorge Coelho, Pina Moura, Mexia, Catroga, Miguel Relvas, José LuísArnaut, Agostinho Branquinho, José Dirceu, José António Pinto Ribeiro, Silva Carvalho, Rita Marques Guedes, Costa Pina ou Guilherme Dray foram alguns dos ilustres atraídos pela Ongoing ou Heidrick &Struggles, ou que participaram simplesmente em reuniões de quadros da empresa.


Quais as ramificações empresariais?
Uma das mais importantes foi António Mexia, com a H&S a prestar serviços à Galp e depois a evoluir para as empresas públicas que o hoje gestor daEDPiria tutelar. Também na transição para a eléctrica surge a H&S, com Rafael Mora a dar a cara pela nova política de remuneração da eléctrica, que atribui a possibilidade de Mexia ganhar até 4,2 milhões de euros num ano. Antes disso, e já Mário Lino como ministro das Obras Públicas, a consultora beneficia de novas avenças em empresas públicas. Depois chegamos ao BES, à PT e ao BCP:além de ajudar no combate à OPA daSonae, viu a operadora investir 75 milhões nos seus fundos, contratando de seguida o homem que tomou a decisão, SoaresCarneiro. Já no BCP, a Ongoing entra ao lado deTeixeira Pinto na luta com Jardim Gonçalves e mais tarde contrata TeixeiraPinto. TambémJosé Eduardo Moniz, ex--director geral da TVI, acabaria na Ongoing.
Desde os primeiros passos empresariais que Vasconcellos eMora procuraram cultivar amplas relações com o poder político, com maior ou menor vínculo destes à Ongoing.

E quais as ligações da Ongoing à Maçonaria?

Já várias vezes foi escrito que o presidente da Ongoing pertence à loja Mozart49. Mas o assunto ganhou especial destaque no caso das secretas, uma vez que o ex--espião Jorge Silva Carvalho e outros elementos da Ongoing pertenciam também à mesma loja. Em 2012, uma notícia desvendava que muitas vezes as ligações maçónicas se entrecruzam com as ligações políticas. O líder parlamentar do PSD Luís Montenegro foi convidado para participar num jantar reservado a “membros da casa”, ou seja da loja Mozart49, com o objectivo de interagir com o “mundo profano” (o dos que não são maçons). Nessa lista de  convidados da Mozart49 estavam os nomes de sete altos quadros da Ongoing, entre eles o presidente e vice--presidente, Vasconcelos e Rafael Mora, respectivamente, Jorge Silva Carvalho, ex--director do SIED, João Paulo Alfaro, ex-espião, Agostinho Branquinho, ex-deputado do PSD, e ainda os ex--parlamentares Pedro Duarte, do PSD, e Humberto Pacheco, do PS.

E como lida com a colagem à Maçonaria?
Há uma tentativa de não mostrar publicamente a existência de ligações. Quando, por exemplo, foi tornado público o encontro maçónico para que foi convidado Luís Montenegro, foi enviado um comunicado aos funcionários da empresa atribuindo a culpa dessa colagem a Pinto Balsemão: “Somos vítimas recorrentes de uma força de poder instalada, que, inaceitavelmente, ao longo dos anos se permite, sem escrutínio nem contraditório, ditar moralidade e ética para cima de tudo e de todos, como se os seus próprios comportamentos fossem de tal forma irrepreensíveis que imunes a qualquer crítica [...] Somos vítimas do cumprimento da ameaça feita por Pinto Balsemão, na entrevista que concedeu [...] ao jornal ‘Público’ [em Agosto de 2011] de que ‘a Ongoing há-de pagar’”.
Quais os casos da justiça a que a Ongoing apareceu ligada?

No âmbito do processo Face Oculta, o jornal “Sol” revelou que as escutas deixavam claro que a Ongoing tinha intenção de controlar uma televisão generalista. De acordo com aquele jornal ficava claro que as aspirações do grupo iam muito além da compra de 30% da TVI. A estratégia passava por conseguir em simultâneo com esse negócio comprar um grande grupo de comunicação social, que se tornaria parceiro da Portugal Telecom. Inicialmente esse grupo seria ou a Cofina (que detém o “Correio da Manhã”) ou a Impresa, por fim surgiu a hipótese da Controlinveste (que detém o “Diário de Notícias” e o “Jornal de Notícias”).

Esse foi o caso que mais impacto teve?

Não. O chamado caso das Secretas acabou por ter maiores consequências para o grupo. Desde logo porque o inquérito levou à acusação de Nuno Vasconcellos e do ex--director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED). 

O que é o caso das secretas?

O caso das Secretas, que começará a ser julgado no dia 16 de Abril nas varas criminais de Lisboa, começou com as suspeitas de que Jorge Silva Carvalho tivera acesso ilegal à facturação detalhada do telefone do jornalista do  “Público” Nuno Simas.

Como é que a ongoing entra neste processo?
Segundo o Ministério Público, Silva Carvalho acabou por sair da Secreta externa e ser contratado pela Ongoing, para que este conseguisse, com a sua influência no SIED, obter informação relevante para o grupo Ongoing.

E houve informação que chegou a ser passada?

De acordo com a investigação sim. Antes de abandonar o SIED,  o então director da Secreta externa terá enviado a Nuno Vasconcellos informação secreta sobre os empresários russos que estavam em negociação com a Ongoing, na sequência do interesse da empresa em entrar numa parceria para construção de infra-estruturas no porto grego de Astakos. O Ministério Público acredita que era para este tipo de passagem de informação que a Ongoing pretendia Silva Carvalho.

Quem vai a julgamento? 

O Ministério Público acusou três pessoas: Jorge Silva Carvalho, Nuno Vasconcellos e um funcionário do SIED, João Luís, por violação do segredo de Estado, corrupção e abuso de poder. Mas não serão apenas estes que se irão sentar no banco dos réus em Abril. Isto porque a juíza de instrução criminal decidiu que além destes arguidos deveriam ir a julgamento outros dois: Nuno Dias, agente do Serviço de Informações de Segurança (SIS), e a sua companheira então funcionária da Optimus, Filomena Teixeira. Estes dois arguidos terão colaborado na obtenção de informações sobre a facturação de telemóvel do jornalista Nuno Simas, do “Público”.

Porque foi aberto um inquérito por devassa da vida de Balsemão?

Em 2012 foi noticiado que Silva Carvalho tinha encomendado relatórios sobre pessoas cuja vida interessava à Ongoing, entre as quais o patrão da SIC. Uma queixa de  Pinto Balsemão acabou com a abertura de um inquérito pelo crime de devassa por meio informático. A acusação de Silva Carvalho aconteceu porque o relatório com informações pessoais de Pinto Balsemão foram encontrados no seu computador. Tais informações não terão sido conseguidas junto das Secretas mas junto de fontes abertas. Ainda não há data de julgamento marcada para este caso.

Quando é que a Ongoing Entrou no Brasil?

O grupo de Nuno Vasconcellos decidiu mergulhar no mercado brasileiro em 2009 e pouco depois estava a lançar um projecto na área da comunicação social: o “Brasil Económico”. O jornal era apenas detido em 30% pelos portugueses. Isto porque a constituição daquele país não permite que estrangeiros tenham uma posição de controlo em meios de comunicação social.
Aquem pertencia o resto da Ejesa?

Para que pudesse cumprir o artigo 222.º da Constituição brasileira, 70% da empresa ficou nas mãos da família da então mulher de Nuno Vasconcellos, Alexandra Vasconcellos, que tem nacionalidade brasileira. Ainda assim, a solução encontrada levou o Ministério Público Federal de São Paulo a abrir um inquérito. Em causa estava a possibilidade de a Ongoing ter fintado a Constituição com esta solução. Os investigadores concluíram, porém, não haver qualquer incumprimento e o inquérito acabou arquivado.

No Brasil a Ongoing só apostou num jornal?

Não, o grupo português acabou por apostar em outros títulos um ano após entrar no Brasil, entre os quais se encontram os jornais “O Dia”, “Meia Hora” e “Marca”.

A empresa tinha ligações a políticos brasileiros?

Na biografia de José Dirceu escrita pelo jornalista Otávio Cabral são descritas grandes ligações dos portugueses da Ongoing a José Dirceu, um homem influente no Partido dos Trabalhadores brasileiro. Um dos dados que confirmam essas ligações é o facto de a ex-mulher de Dirceu trabalhar para a Ejesa, empresa detida em 30% pela Ongoing.

E que portas se poderiam abrir mais no Brasil?

Os conhecimentos de José Sócrates na política brasileira também não foi ignorada. O ex-primeiro-ministro chegou a encontrar-se com Rafael Mora em 2013, então vice--presidente da Ongoing, numa das suas deslocações a São Paulo. Nessa altura estavam já a trabalhar Guilherme Dray, ex-chefe de gabinete de Sócrates e Carlos Costa Pina, secretário de Estado do Tesouro do mesmo executivo. Guilherme Dray, ainda funcionário da Ongoing – acabou mesmo por estar com Sócrates numa reunião com o governo brasileiro, integrado na comitiva da farmacêutica Octapharma.

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