terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O que recebeu uma carta branca, por Luís Osório


O que recebeu uma carta branca
Por Luís Osório
publicado em 26 Jan 2015 in (Jornal) i online

A Grécia faz fronteira com a Turquia, país que não se importaria (como a Rússia) de oferecer uma “mãozinha”. Não me parece que a Europa se possa dar a esse luxo asiático deixar os gregos numa barcaça à deriva e com o fantasma da sobrevivência à solta

A vitória do Syriza é um ajuste de contas dos gregos. Em relação à forma como foram tratados nos últimos anos e no brutal e antidemocrático condicionamento do seu voto durante a campanha eleitoral. Uma vergonha alicerçada no arrogante poder da Alemanha que fez de tudo para que os distintos helénicos não pensassem que eram descendentes de Atenas ou Esparta. Seria um lamentável erro histórico se ganhassem essa ilusão porque a realidade, na visão germânica e de Merkel, era outra: os gregos modernos tinham de perceber o que perdiam se dessem a vitória a Alexis Tsipras; perdiam tudo e um par de botas.

Os vencedores da primeira Grande Guerra, no rescaldo do tratado de Versalhes, assinado em 1919, tentaram que a Alemanha não levantasse mais a cabeça. Humilharam a classe média, esmagaram qualquer hipótese de crescimento económico e obrigaram os alemães ao pagamento de uma avultada indemnização que criaria as condições para a subida ao poder de Hitler. Não comparo o Syriza à ascensão dos nazis ou dos fascistas italianos. Todavia, é justo afirmar que a Europa não aprendeu nada com a História, nomeadamente os alemães que não se importam de fazer aos outros o que antes os outros lhes fizeram. Peculiar. E se não aprenderam nada, criam as condições para que movimentos (à esquerda mas também à direita, como se tem visto um pouco por todo o lado) possam florescer e impor uma nova ordem.

Tsipras, o novo senhor da Grécia, recuará em algumas das medidas que propôs, mas não abdicará do que o fez ganhar. Tem carta-branca dos gregos para renegociar a dívida. Renegociará a dívida. E se tiver de sair da União Europeia sairá. Os gregos mostraram que estão por tudo e o Syriza vai mostrar ao que vai pois, no íntimo das suas principais figuras, o melhor talvez seja ficarem por sua conta e risco.

As próximas semanas serão interessantes. Pode acontecer uma de duas coisas: a Europa aceita renegociar com os gregos ou não aceita. Se sim, Portugal poderá beneficiar da brutal vitória de Tsipras – abrir uma negociação com os gregos e não o fazer com países em situações semelhantes, faz pouco ou nenhum sentido. Isto se Passos Coelho não resolver colocar a sua cara de “gato das botas” e dizer que, pela nossa parte, fazemos questão de pagar até ao último cêntimo e ao último juro. Se não aceitarem, a Grécia terá de sair da União Europeia. A pior situação possível. Porque o equilíbrio geoestratégico europeu ficará abalado e a Grécia faz fronteira com a Turquia, país que não se importaria (como a Rússia) de oferecer uma “mãozinha”. Não me parece que a Europa se possa dar ao luxo de deixar os gregos numa barcaça à deriva e com o fantasma da sobrevivência à solta. Dependerá do novo líder, da sua capacidade de ceder ou não a pressões, veremos do que será capaz. E veremos o que fará o primeiro-ministro de Portugal, como se comportará perante esta inesperada ajuda do destino. Ou desvio.


Quanto ao Bloco de Esquerda, que falou de Tsipras como se ele fosse o seu militante número um, não tem emenda. É um partido que sem Louçã ou Miguel Portas é mais conservador do que o PCP. Ver a líder do Bloco é como recuar a um livro de Gorki. Compará-la a Tsipras é apelar a um excesso de benevolência.

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