sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Novo historiador de arte na gestão do São Carlos e mais uma demissão Instabilidade na administração do teatro de ópera e da companhia de bailado tem sido uma constante. Nomeação de Monterroso Teixeira surpreende.

“Para Luísa Taveira, directora artística da Companhia Nacional de Bailado desde Outubro de 2010, a nomeação de Monterroso Teixeira para o Opart é “uma incógnita em absoluto”. Taveira não conhece pessoalmente o novo presidente, nem a vogal vinda do Teatro D. Maria II, mas lembra que mais importante do que mudar as caras é mudar o modelo de gestão da CNB e do teatro de ópera. Juntar os dois, diz, da forma como vem sendo feito, “simplesmente não resulta” e nasce de uma visão da relação entre o ballet e a ópera que é própria do século XIX, “desajustada”, “ultrapassada”.

Não há teatro de ópera sem director artístico profissional
Comentário Manuel Pedro Ferreira / PÚBLICO
A situação do Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) é emblemática da crise que afecta a produção cultural em Portugal. Esta crise tem causa próxima na imposição, pelo corrente Governo, de uma agenda que, não reconhecendo a importância para a democracia de uma política pública de alargamento do acesso à cultura, reduziu um ministério a um secretário de Estado e deu-lhe o orçamento percentualmente mais baixo dos países do Ocidente europeu.
Fê-lo na ausência de uma visão integrada e sem qualquer esforço sério de racionalização dos meios já existentes, que libertasse recursos onde eles estão mal aplicados, para os aplicar na rentabilização de salas e orquestras. Fê-lo desconhecendo as realidades do sector, e por isso não só incumpriu contratos, lançou no desemprego inúmeros agentes artísticos e reduziu a oferta cultural, como praticamente paralisou a ópera. Na verdade, o TNSC devia ser visto como parte de uma política músico-teatral mais vasta, que não existe. Mas é evidente que não há teatro de ópera sem director artístico profissional, e que um tal director requer condições de trabalho mínimas, que dificilmente podem existir se não houver um orçamento de produção que equivalha, ao menos, ao orçamento de um teatro de província em França.
A fasquia está tão baixa, que só nos sonhos mais mirabolantes podemos pensar em tornar o TNSC um palco que rivalize com os seus congéneres europeus. Mas o Governo conseguiu frustrar mesmo esta fasquia periférica. Na impossibilidade de encontrar alguém competente que aceitasse um cargo de director artístico sem as correspondentes condições, lançou-se a operação “consultor artístico”, que agora chega ao fim sem glória para os envolvidos, nem proveito de registo para o público.
Esta foi uma tentativa da tutela de nos convencer de que o TNSC não fechou, e que existe algum serviço público no domínio operático, agora “em versão de concerto” ou de zarzuela. É triste confrontar a prática com o programa de governo apresentado aos eleitores na área da cultura: a única ideia, e promessa firme, aí assumida, era haver boa ópera. Não podemos negar que nos deram música...

Novo historiador de arte na gestão do São Carlos e mais uma demissão

Instabilidade na administração do teatro de ópera e da companhia de bailado tem sido uma constante. Nomeação de Monterroso Teixeira surpreende

O historiador de arte José de Monterroso Teixeira é o novo presidente do conselho de administração do Opart — Organismo de Produção Artística, entidade que gere o Teatro Nacional de São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado (CNB).

 Cláudia Carvalho, Isabel Salema e Lucinda Canelas   /30 jan 2015 / PÚBLICO

Monterroso Teixeira é um conhecido comissário e gestor cultural, tendo sido director do Museu de Évora e do Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém, entre outros cargos. É comissário, por exemplo, da exposição sobre a colecção de Franco Maria Ricci, que está neste momento no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA). A nomeação de mais um historiador de arte é surpreendente, de acordo com pessoas do meio artístico ouvidas pelo PÚBLICO e que preferiram manter o anonimato. Ontem, Monterroso Teixeira mostrou-se indisponível para falar por se encontrar fora de Lisboa.
Adriano Jordão mantém o seu lugar como vogal do conselho de administração, enquanto Sandra Castro Simões, uma economista, é a nova vogal do conselho de administração, tendo feito parte da administração do Teatro Nacional D. Maria II entre 2011 e 2014.
Estas nomeações foram ontem aprovadas em reunião do Conselho de Ministros, divulgou a Secretaria de Estado da Cultura em comunicado. Foi também aprovada a exoneração do ex-presidente do conselho de administração José António Falcão e de João Pedro Consolado, ex-vogal do conselho de administração. Questionado pelo PÚBLICO sobre esta decisão, o gabinete de Jorge Barreto Xavier confirmou apenas que a demissão foi pedida pelo secretário de Estado da Cultura e aprovada pelo Governo, escusando-se a mais informações. Falcão e Consolado estiveram também indisponíveis para explicar as razões da saída, mas desde Outubro que são visíveis as divergências entre a tutela e a administração, na sequência das confusões com o contrato do consultor artístico do São Carlos, Paolo Pinamonti, que já tinha sido director deste teatro de ópera.
O historiador de arte José António Falcão esteve menos de um ano no cargo de presidente do Opart, tendo sido nomeado em Fevereiro do ano passado, substituindo João Villa-Lobos. Falcão foi proposto por Jorge Barreto Xavier, assim como os restantes membros do conselho de administração: João Pedro Consolado, que sai agora com Falcão, e o pianista Adriano Jordão, no Opart desde Setembro de 2013, quando foi chamado a substituir o maestro César Viana.
José António Falcão e Paolo Pinamonti já tinham trabalhado juntos no passado. Falcão faz parte da comissão organizadora do Festival Terras Sem Sombra de Música Sacra do Baixo Alentejo, no qual Pinamonti exercia o cargo de director artístico.
Para Luísa Taveira, directora artística da Companhia Nacional de Bailado desde Outubro de 2010, a nomeação de Monterroso Teixeira para o Opart é “uma incógnita em absoluto”. Taveira não conhece pessoalmente o novo presidente, nem a vogal vinda do Teatro D. Maria II, mas lembra que mais importante do que mudar as caras é mudar o modelo de gestão da CNB e do teatro de ópera. Juntar os dois, diz, da forma como vem sendo feito, “simplesmente não resulta” e nasce de uma visão da relação entre o ballet e a ópera que é própria do século XIX, “desajustada”, “ultrapassada”.
E porque é que o modelo não serve? “Está enquistado à partida. O São Carlos é uma casa que deslumbra, que nos ganha. Eu sei, porque é o meu teatro de bailarina. Quando toda a equipa do Opart está lá e não está motivada para o projecto da companhia, é fácil fazer com que ela pareça um apêndice com que o conselho tem de lidar, como uma coisa que não pertence ali”, explica ao PÚBLICO a directora, numa breve conversa telefónica.
Taveira parece estar, no entanto, disposta a dar o benefício da dúvida ao novo conselho de administração: “Quando o modelo que se usa é mau, são as pessoas que têm de fazer a diferença.”
Ao modelo “sem sentido” junta-se a instabilidade, se tivermos em conta, como lembra Luísa Taveira, que desde Outubro de 2010 o Opart já conheceu oito composições diferentes do seu conselho de administração, o que dá uma média superior a um por ano.
O contrato e a polémica
Os problemas na gestão do Opart tornaram-se públicos após em Outubro do ano passado o PS ter questionado o processo contratual de Paolo Pinamonti. Em Dezembro, o musicólogo italiano demitiu-se alegando incompatibilidade entre o cargo de Lisboa e aquele que ocupa em Madrid como director do Teatro de La Zarzuela.
Para a socialista Gabriela Canavilhas, foi Barreto Xavier quem causou a instabilidade no São Carlos. “Para todos os efeitos o que deu origem a este imbróglio foi a situação de Pinamonti escolhido pelo secretário de Estado, que tornou público que esta contratação decorria num quadro de articulação com o Governo de Espanha”, disse ao PÚBLICO a deputada do PS, considerando que nos últimos meses se viveu no Opart uma “situação constrangedora”.
Já no início deste ano, na comissão parlamentar de balanço da política cultural com Barreto Xavier, a deputada acusou o secretário de Estado de não saber gerir a situação no teatro de ópera e de passar as responsabilidades do caso para o Opart, acusando-o ainda de fazer força para que o conselho de administração se demitisse.
Na altura, o secretário de Estado prometeu que resolveria o problema em breve. “A situação do Opart não é a melhor. As coisas não têm corrido bem, temos garantido bom serviço de cultura, mas nem tudo corre pelo melhor. É assim na vida das pessoas, é assim na vida do Estado. As coisas podiam estar bem melhor”, admitiu.
O musicólogo Rui Vieira Nery não quer comentar a nomeação do historiador de arte para a administração do Opart. “Mais importante do que a questão da administração é resolver a questão da direcção artística do Teatro São Carlos. Um teatro de ópera não pode funcionar na base do conselheiro informal. A segunda questão é a inadequação do modelo institucional do Opart em relação à natureza do Teatro de São Carlos e da Companhia Nacional de Bailado. São duas instituições completamente diferentes com interesses por vezes contraditórios.”
Falta um director artístico
Quanto ao orçamento de produção, que seria de 1,7 milhões de euros conforme anunciado em Setembro, Nery, que foi secretário de
Estado da Cultura num governo socialista, diz que é “manifestamente insuficiente”: “O investimento global no São Carlos é demasiado elevado para não se dispor de meios de produção adequados.”


José Monterroso Teixeira, autor de vários livros, participou há bem pouco tempo num volume dedicado precisamente ao Teatro Nacional de São Carlos ( São Carlos: Um Teatro de Ópera para Lisboa), ao lado de outros especialistas. Entre 2002 e 2006, Monterroso Teixeira foi director-geral de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa. Foi também comissário da representação oficial portuguesa na Bienal de Veneza de 1995 e de exposições como Triomphe du Baroque, que integrou a Europália 91 em Bruxelas, Almada — A Cena do Corpo, patente no Centro Cultural de Belém em 1994, e Splendours of Portugal, Five Centuries of Portuguese Art, que esteve em 1997 no Tokyo Fuji Museum of Art.

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