sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Manuel Salgado altera PDM à medida dos interesses do Grupo Mello .Compra de terreno em Alcântara para instalar hospital da CUF concretizou-se. PSD condena hasta pública “encenada” para venda de terreno em Alcântara.


( ...) “Por outro lado, quem fez o plano não se distraiu com o “triângulo dourado”, o terreno municipal com 20 mil m2 que confina com as avenidas 24 de Julho e Ceuta. Este terreno serve na perfeição os interesses do Grupo Mello para instalar um novo hospital privado. O Grupo Mello apresentou em Maio de 2013 um pedido de informação prévia à CML sobre este terreno e o vereador do urbanismo tratou de garantir que o plano de urbanização de Alcântara se adaptava aos interesses deste grupo privado. Para isso revogou o pdm nos artigos que limitam a altura das fachadas e a profundidade dos edifícios e fez aprovar a hasta pública para venda do terreno. O urbanismo dos cifrões a impor-se na CML.”

Compra de terreno em Alcântara para instalar hospital da CUF concretizou-se
INÊS BOAVENTURA 22/01/2015 - PÚBLICO

Uma empresa ligada à José de Mello Saúde adquiriu à Câmara de Lisboa, por um euro acima do valor base de licitação, o lote na Av. 24 de Julho.

O terreno em Alcântara que a Câmara de Lisboa levou à praça esta quinta-feira foi arrematado por uma sociedade por quotas que tem entre os seus gerentes Salvador José de Mello, presidente do conselho de administração da José de Mello Saúde. Esta última empresa tem em apreciação no município, desde meados de 2013, um Pedido de Informação Prévia (PIP) para a construção de um hospital no lote agora adquirido.

A LBO Land foi a única concorrente à compra do terreno, que se localiza entre a Avenida 24 de Julho, a Avenida da Índia e a Rua de Cascais e tem uma dimensão superior a 20 mil m2. O valor base de licitação era de 20,350 milhões de euros, tendo aquela sociedade (que além de Salvador José de Mello tem entre os seus gerentes cinco dos oito vogais do conselho de administração da empresa responsável pelos hospitais CUF) oferecido um euro acima desse montante.

No final da sessão de hasta pública, o director jurídico da José de Mello Saúde, Rui Ramalhal, confirmou à Lusa que é intenção do grupo construir uma unidade de saúde no terreno adquirido e defendeu que “todo o processo decorreu de forma transparente” .

Não é essa a opinião do PSD, que em comunicado assinado pelo líder da bancada do partido na Assembleia Municipal de Lisboa classifica o negócio como "uma farsa" que "deixa mais uma mancha na gestão da Câmara Municipal de Lisboa". "É uma situação que nos deixa a todos envergonhados", afirma Sérgio Azevedo, acrescentando que aquilo que aconteceu esta quinta-feira foi "uma vergonha", "uma hasta pública encenada, uma venda directa de património municipal sob a capa de uma hasta pública".

Para a última reunião da câmara, que se realizou a 14 de Janeiro, chegou a estar agendada uma proposta que visava “homologar favoravelmente condicionado o pedido de informação prévia relativo à construção nova de edifício destinado a unidade hospitalar, com a demolição das construções existentes, a realizar em parcela propriedade privada do município”. A apreciação do documento, subscrito pelo vereador Manuel Salgado, acabou por ser adiada.

Na semana anterior tinha-se realizado, segundo documentação à qual o PÚBLICO teve acesso, uma reunião “que contou com a presença das equipas do vereador Manuel Salgado, da DMMT [Direcção Municipal de Mobilidade e Transportes] e dos proponentes”, na qual “foram discutidos vários cenários por forma a identificar soluções que possam criar condições para uma possível viabilização do projecto” apresentado pela José de Mello Saúde. No fim desse encontro concluiu-se que o licenciamento podia avançar tendo como condicionante a verificação de um conjunto de “condições de segurança, adequação e funcionalidade da circulação viária”.

Essa reunião ocorreu depois de o Departamento de Gestão de Mobilidade e Tráfego da câmara ter defendido, em Julho de 2014, que “a diminuição da rede viária” prevista no Plano de Urbanização de Alcântara (PUA) “não é compatível com a implementação de equipamentos que exigem o reforço dessa mesma rede”, como é o caso de um hospital. 

Como o PÚBLICO já noticiou, está em causa, de acordo com informação constante do estudo de tráfego entregue à autarquia, a construção de “um equipamento hospitalar de média dimensão”, com “capacidade prevista máxima de 220 camas, 75 gabinetes de consultas e um serviço de urgência”. Este projecto, a cargo do arquitecto Frederico Valsassina, desenvolve-se em quatro volumes, com seis pisos acima do solo e três pisos subterrâneos, e inclui 650 lugares de estacionamento.

Também arrematadas na hasta pública desta quinta-feira, por diferentes empresas, foram nove fracções para estacionamento num parque subterrâneo no Largo da Boa Hora, cuja venda rendeu ao município um total de 213.800 euros. Já os dois prédios na freguesia de Santa Maria Maior que também foram levados à praça não tiveram qualquer licitação.

PSD condena hasta pública “encenada” para venda de terreno em Alcântara
INÊS BOAVENTURA 22/01/2015 - PÚBLICO

O chamado “triângulo dourado” vai à praça esta quinta-feira. O PCP quer respostas sobre as 330 pessoas que lá trabalham.

A Câmara de Lisboa vai tentar vender esta quinta-feira, por 20,350 milhões de euros, um terreno em Alcântara para o qual existe um Pedido de Informação Prévia (PIP) com vista à instalação de um hospital privado. O PSD acusa o município de estar a promover uma hasta pública “encenada” e de ter prestado “informação privilegiada” ao requerente durante mais de um ano.

Estas acusações são feitas por Margarida Saavedra, a deputada da Assembleia Municipal de Lisboa que, no passado mês de Dezembro, quando este órgão autárquico se pronunciou sobre a hasta pública, confrontou o vereador do Urbanismo com a existência de um PIP para o terreno conhecido como “triângulo dourado”. Depois de alguma insistência, Manuel Salgado acabou por admitir que sim, mas desvalorizou o procedimento, desencadeado em Maio de 2013, pela José de Mello Saúde.

“Qualquer pessoa pode concorrer. Ninguém sabe se aparece um, dois ou quatro interessados”, acrescentou na altura o vereador do PS, recusando a ideia de que estivesse em curso “uma venda directa”, como a classificou o deputado social-democrata Victor Gonçalves.

As respostas dadas pelo executivo camarário não convencem Margarida Saavedra, que não hesita em dizer que a hasta pública que se vai realizar esta quinta-feira é “encenada”. “Ficaria muito surpreendida se, de modo directo ou indirecto, o Grupo Mello não ficasse com o terreno”, afirmou a arquitecta em declarações ao PÚBLICO, acrescentando que teria “imenso gosto em estar enganada”.

A autarca social-democrata reconhece que esta “história no mínimo insólita” lhe “faz lembrar uma outra”, a do terreno que foi vendido pela câmara à Espírito Santo Saúde para ampliação do Hospital da Luz (terreno onde está o quartel dos sapadores bombeiros, junto ao hospital). Mas, no caso de Alcântara, sublinha, há “uma agravante”, que é o facto de o Departamento de Gestão de Mobilidade e Tráfego da câmara ter concluído, como o PÚBLICO noticiou, que “a diminuição da rede viária” prevista no Plano de Urbanização de Alcântara (PUA) “não é compatível com a implementação de equipamentos que exigem o reforço dessa mesma rede”.

Ora, se o projecto do Grupo Mello é considerado incompatível com o instrumento de gestão territorial eficaz para esta zona da cidade, Margarida Saavedra só vê duas hipóteses: ou o PIP que prevê a construção de um hospital é chumbado ou o PUA é alterado. A esse respeito, a deputada do PSD lembra que esse plano, que “teve custos e levou dez anos a fazer”, foi aprovado pela assembleia municipal apenas em Dezembro passado. E acrescenta que “devem ser os PIP que se adaptam aos planos e não o contrário”.

Ao já extenso rol de críticas à forma como este processo tem vindo a desenrolar-se, a arquitecta acrescenta uma outra. Atendendo a que o processo (do PIP) entrado na câmara em Maio de 2013 foi avançando e teve informações dos serviços “de acordo com um plano [o PUA] que ainda não estava aprovado e que poderia ter sofrido alterações”, Margarida Saavedra considera que o município deu à José de Mello Saúde “informação privilegiada”.

“O Grupo Mello tem vários meses de antecedência em relação a qualquer outro concorrente”, constata a deputada municipal, admitindo que essa circunstância “provavelmente afastará outros concorrentes” da hasta pública. O que, alerta, poderá representar um prejuízo para o erário público, na medida em que a existência de apenas um interessado na compra do terreno impedirá a sua valorização.

O PCP também “regista” o “interesse” do Grupo Mello no chamado “triângulo dourado”, mas é no futuro dos cerca de 330 trabalhadores do município que ali desempenham a sua actividade que concentra a sua atenção. Na segunda-feira, o vereador João Ferreira visitou o espaço, falou com funcionários de diferentes serviços e concluiu que “há um conjunto de inquietações muito grandes”.

Uma delas, explica o autarca ao PÚBLICO, é a indefinição sobre o local para onde serão transferidos esses funcionários e sobre a data em que essa transferência terá lugar. “Não se sabe nada”, lamenta João Ferreira, criticando que o município presidido por António Costa não tenha “envolvido e auscultado” os trabalhadores neste processo. Algo que, em seu entender, denota “uma falta de respeito” por eles e “a ausência de uma visão sobre o futuro dos serviços municipais”.

A esse respeito, o autarca explica que, na visita que realizou, foram várias as vozes de preocupação com o futuro dos serviços municipais que hoje estão instalados em Alcântara, como aos da iluminação pública e dos espaços verdes. Para tal contribuem não só “as especificidades” de alguns desses serviços (para os quais a “centralidade” que oferece Alcântara é importante na “rapidez e eficácia de resposta”), mas também a recente descentralização de competências para as freguesias (que fez diminuir o volume de trabalho de alguns serviços) e a anunciada reestruturação interna da câmara.    


Além do terreno em Alcântara, na hasta pública que se realiza esta quinta-feira o município vai tentar vender nove fracções para estacionamento no Largo da Boa Hora (cada uma das quais com uma base de licitação de 23 mil euros), um prédio na Rua de São Miguel (com uma base de licitação de 286,5 mil euros) e outro no Largo de Rodrigo de Freitas (com uma base de licitação de 145 mil euros). Contas feitas, a câmara espera amealhar quase 21 milhões de euros com estas alienações.

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