terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Draghi ou Tsipras podem tirar-nos da situação em que estamos? / PAULO TRIGO PEREIRA



OPINIÃO
Draghi ou Tsipras podem tirar-nos da situação em que estamos?
PAULO TRIGO PEREIRA 26/01/2015 – PÚBLICO

Nem Draghi nem Tsipras nos resolverão os problemas, mas dão alguma ajuda. Imaginemos que, por algum processo engenhoso, conseguíssemos reduzir, sem efeitos colaterais significativos, o rácio da dívida no produto de cerca de 130% para 90%. Ignoremos mesmo que existe um Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) e um Tratado Orçamental, ou seja, assumamos que não há restrições políticas europeias. Teríamos o nosso problema das finanças públicas resolvido?

Não, pois este tem a ver com a dinâmica da dívida (que advém do défice primário, dos juros e do crescimento económico) e não do valor absoluto.  A sustentabilidade das finanças públicas não adviria assim de uma redução do stock da dívida de 40 pontos. Se a tendência de crescimento do seu peso no produto se mantivesse crescente ela seria insustentável. Dado que uma política orçamental contraccionista, como temos tido (de subida de impostos e/ou redução de despesa), tem um efeito quer no numerador (dívida) quer no denominador (PIB), a dificuldade está em calibrar o ritmo e a composição da consolidação orçamental para assegurar um adequado decréscimo do peso da dívida, mantendo de forma adequada as funções que o Estado deve desempenhar numa economia mista que se quer competitiva, mas solidária.

Nos últimos anos por razões substantivas (défices excessivos mesmo com perímetro orçamental constante) e contabilísticas (alargamento do perímetro orçamental), o rácio da dívida no produto tem vindo sempre a aumentar. Atingiu-se o ponto máximo? Não há certezas neste momento, pois não se conhece o défice orçamental de 2014 e as outras necessidades líquidas de financiamento das administrações públicas (por exemplo para recapitalização de empresas públicas). A minha intuição é que atingiremos o ponto de viragem em 2014 com a dívida a crescer ainda ligeiramente mais que o PIB nominal.

Cingindo-me à análise contabilística, o défice orçamental rondaria os 3,6% do PIB sem contar com o contributo para o défice  das empresas adicionais que passarão a integrar o perímetro orçamental em 2014. Dessas, as que terão um impacto mais significativo no défice serão todos os hospitais EPE (que tinham um resultado líquido de -189 milhões, ou 0,11% do PIB, em Agosto) e a CP. Sem outros efeitos significativos do novo sistema de contas (SEC2010) e sem a contribuição para o Fundo de Resolução da banca, o défice de 2014, em contas nacionais, poderá rondar os 4% do PIB, um progresso relativamente a 2013. Há, porém, alguns dados a partir dos quais se podem tirar conclusões.

Os impostos sobem mais 926 milhões do que era previsto no orçamento rectificativo de Maio 2014 (mesmo retirando o IRS que é transferido para os municípios). O principal responsável por esta sub-orçamentação de receitas é o IVA e, a seguir, o IRS.  É curioso registar que a receita do Imposto sobre Produtos Petrolíferos diminuiu ligeiramente, reflectindo um aumento do consumo de combustíveis, mas também a queda do preço do petróleo, que terá neutralizado esse efeito. Dado manter-se esta queda em 2015, não se percebe bem como aumentará a receita deste imposto em 2015 na ordem dos 10,4%. Aliás, à excepção do IRS, em que o OE2015 prevê um crescimento da colecta a acompanhar o crescimento nominal do PIB, em todos os restantes principais impostos o Governo prevê que a colecta aumente consideravelmente mais que o produto.

As contribuições sociais também dão um contributo favorável superior ao previsto na redução do défice de 2014, quer para a Caixa Geral de Aposentações (onde se verificou um  aumento da taxa contributiva do Estado) quer para a Segurança Social.

Do lado da despesa, houve uma execução abaixo da prevista em todas as prestações da segurança social à excepção das pensões. O principal contributo para a redução do défice foi a redução do subsídio de desemprego, que só de Maio ao final do ano gerou um desvio positivo de 608 milhões. De salientar também a acção social, onde houve uma execução menor de 242 milhões. Em sentido oposto, contribuindo para agravar o défice, estão sobretudo o acréscimo de despesas com pessoal (Estado e Fundos e Serviços Autónomos), em que a sub-orçamentação da despesa (rectificativo de Maio) é da ordem dos 1143 milhões. Parte deste desvio deve-se ao Acordão do Tribunal Constitucional que obrigou a uma reposição salarial na função pública, com efeitos de Junho a Agosto, e que levou ao pagamento do subsídio de férias.


PS: Voei ontem, talvez pela última vez, na TAP pública, que é algo que me entristece, porque evitável. Os dois principais responsáveis são, de um lado, o Governo, que sempre optou pela privatização e, do outro, a grande maioria dos inúmeros sindicatos, que não quiserem perceber que parte da solução passaria por eles. Mais um exemplo do “dilema do prisioneiro”, em que a solução cooperativa para o “jogo”, que seria melhor para todos, não foi alcançada.       

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