segunda-feira, 24 de novembro de 2014

PS. Não vai ser porreiro, pá.

Edite Estrela na sua conta no Twitter deixou uma pergunta sugestiva: "Qual a melhor forma de desviar as atenções do escândalo dos vistos gold?" Ficou por aqui. O i tentou contactar a ex-eurodeputada e amiga de José Sócrates durante o dia de ontem, sem sucesso.
Jornal i
“A antiga eurodeputada (saiu, com desagrado seu, das listas socialistas nas europeias de Maio deste ano) é das figuras do PS mais próximas de José Sócrates e a sua pergunta deu já origem a dezenas de comentários. Alguns são de apoio e acrescentam que a detenção de Sócrates também será para desviar a atenção do caso BES e até dos submarinos; outros recuperam uma frase do próprio Sócrates para lembrar a Edite Estrela que "o mundo mudou".(RR)

PS. Não vai ser porreiro, pá
Por Rita Tavares
publicado em 24 Nov 2014 – in (jornal) i online

PS diz ter aprendido a lição e Costa pôs freio a teorias da conspiração. Novo ciclo arranca em clima de choque
Por estes dias é raro o socialista que não fale da detenção de Sócrates sem disparar com a descrição do momento em que soube, ainda que a pergunta não seja essa. O choque é profundo, sobretudo porque chega contra a corrente do jogo. Com Congresso marcado para o próximo fim-de-semana, o PS está em plena preparação de um novo ciclo, agora ensombrado por outro mais antigo. E António Costa travou a fundo a recuperação da linha de argumentação de outro tempo ainda mais atrás: o da "tese da cabala".

"Também vamos aprendendo e reajustando a estratégia", diz ao i um socialista quando se fala na defesa levantada pelo PS no tempo do processo Casa Pia que envolveu figuras de topo do partido em 2003. Nessa altura, António Costa era o líder parlamentar socialista e dizia existirem "fortes indícios" de que o caso teria sido "uma montagem". Hoje, perante a detenção do ex-líder Sócrates, o líder recém-eleito alinhou um discurso bem mais recuado e sereno face ao poder político e judicial. "Só à Justiça cabe conduzir com plena independência" o processo, disse Costa, logo na manhã seguinte à detenção de Sócrates para interrogatório, através de uma mensagem escrita enviada aos militantes (ver ao lado). A urgência em serenar ânimos e ditar a regra era grande, afinal o fim-de-semana era o da eleição do líder. Costa é secretário-geral do PS, eleito com 96% dos votos, e na hora da vitória homenageou ex-líderes e, sobre Sócrates, garantiu que "o PS é um partido que não adopta as más práticas estalinistas de eliminação da fotografia deste ou daquele. Assume toda a sua história, dos bons e dos maus momentos".

Nas eleições primárias, Costa reintroduziu no discurso socialista a defesa da herança Sócrates que os seus apoiantes (e ele mesmo) se queixavam de ter sido descurada por António José Seguro. A colagem a Sócrates é inevitável, mas o líder quer manter distância face a esse caso. Longe do tempo em que foi ouvido no Departamento de Investigação e Acção Penal, em Junho de 2003, para "aprofundar as pistas" que dizia ter e que sustentavam a "tese da cabala" contra o PS no processo Casa Pia. A tese não vingou no Ministério Público e deixou marcas profundas no PS que nem era unânime neste argumento - em 2003, o homem que Costa quer agora para presidente do PS, Carlos César, não o defendia. Desta vez, o secretário-geral jogou por antecipação e a ordem foi entranhada. João Galamba, que chegou a deputado na era Sócrates, mostrou isso mesmo ao dizer, na noite de sábado, que "é importante não deixar que os assuntos da justiça sejam contaminados por questões políticas".

"RESISTIR"
Um socialista próximo de Sócrates repete várias vezes a palavra "resistir" quando questionado sobre os tempos que se seguem para o PS. "Neste momento é só resistir", diz ao i. Só mesmo entre o grupo mais próximo de Sócrates é que a linha traçada por Costa é pisada. Edite Estrela na sua conta no Twitter deixou uma pergunta sugestiva: "Qual a melhor forma de desviar as atenções do escândalo dos vistos gold?" Ficou por aqui. O i tentou contactar a ex-eurodeputada e amiga de José Sócrates durante o dia de ontem, sem sucesso.

O deputado do PS André Figueiredo, um dos mais fiéis socráticos, diz que o caso "tanto quanto parece é um misto de todos os outros que conhecemos até então, sendo que este se destaca por uma tentativa de humilhação pública repugnante e em dose nunca vista". O socialista diz mesmo que "não é novidade para ninguém que Sócrates, ao longo dos anos, tem sido permanentemente perseguido, atacado e vilipendiado". Renato Sampaio, outro deputado do PS que se enquadra no grupo dos fiéis, escreveu no facebook: "Não nos resta outra alternativa que não seja acreditar na sua capacidade de defesa e na sua clarividência. Eu acredito."

Augusto Santos Silva também utilizou as redes sociais, mas para atirar à violação do segredo de justiça, dizendo ser um dos "crimes públicos que foram já efectivamente cometidos" nos dois últimos dias. E conclui: "Por onde pode começar o Ministério Público a investigar esses crimes, como é sua obrigação: o próprio Ministério Público."

E A MAIORIA?
A detenção de Sócrates é já uma pedra pesada no caminho do PS de Costa que tem como objectivo para as legislativas do próximo ano a maioria absoluta. "Tudo isto pode eventualmente ter efeitos negativos para o PS, dependendo sempre da dimensão e desenvolvimento dos acontecimentos", escreveu nas redes sociais o amigo de Sócrates, Renato Sampaio.


Os socialistas contactados pelo i não arriscam previsões e apenas colocam pressão na velocidade com que pretendem ver correr o processo: "Bem" e "rápido", disse João Galamba aos jornalistas na noite das eleições directas. Já António Costa fica-se pelo desejo de que "a Justiça apure tudo o que houver a apurar sobre essa matéria". E afasta o discurso político socialista do assunto, pedindo um "PS concentrado na acção política, a fazer aquilo que lhe compete: a oposição a este governo e a construção de uma alternativa de futuro governo".

Sem comentários: