sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Costa, Vals e os socialistas sem nome, por Luís Rosa


Costa, Vals e os socialistas sem nome
Por Luís Rosa
publicado em 25 Out 2014 / in (jornal) i online
António Costa tem razão em defender um debate sobre a dívida pública

Na semana em que o primeiro-ministro francês, Manuel Vals, anunciou a intenção de reinventar o Partido Socialista francês para fazer frente ao crescimento da extrema-direita, o seu camarada António Costa continua sem mostrar qual o caminho que defende para Portugal. Enquanto Vals provoca a ala esquerda do seu partido dizendo que quer retirar a palavra "socialista" do nome do seu partido, Costa continua a não mostrar o jogo.

Veja-se a questão da dívida pública. Foi um dos grandes falhanços da troika e do governo de Passos Coelho. Em vez de cumprida a promessa da descida, a dívida está nos 134% do PIB. Um valor insustentável, particularmente se tivermos em conta o valor dos juros que Portugal terá de pagar até 2020: 60 mil milhões de euros - só às instituições da União Europeia que financiaram o resgate. É um valor altíssimo, que desvia fundos indispensáveis para o investimento no país. É um tema que urge, portanto, debater.

António Costa esteve bem esta semana quando tentou marcar a diferença face ao Bloco de Esquerda e ao PCP, apresentando um projecto de resolução no parlamento para abrir um "processo parlamentar de audição pública" sobre o problema da dívida pública sem se comprometer com a reestruturação. Ontem defendeu que esta questão só poderá ser resolvida em termos europeus. É uma frase à La Palisse, mas é uma evidência que um sector forte dos seus apoiantes não quer ver. Sem um apoio da Alemanha, de França, do Reino Unido ou de Itália realmente não é possível Portugal mudar as regras da dívida por muitos gritos de "Não pagamos!" que os portugueses dêem.

Costa tem razão quando diz que é necessário debater o problema e procurar um consenso técnico em relação ao problema da dívida, pois "não é possível retomar uma trajectória de crescimento se todos os recursos financeiros do país estiverem alocados ao cumprimento das obrigações relativas à dívida". É uma realidade. O mínimo de 60 mil milhões de euros de juros que Portugal tem de pagar até 2020 é essencial para um investimento público eficaz.

O problema de António Costa está em ver os direitos dos funcionários públicos e dos pensionistas como "obrigações constitucionais". Ao fazê-lo, está a validar a tese dos direitos adquiridos, preferindo ignorar a volatilidade dos ciclos económicos que permitem (ou não) financiar essas "obrigações constitucionais". É precisamente neste ponto que se vê a natureza conservadora do projecto político de António Costa - que contrasta com a ousadia programática de Manuel Vals em França. E se começa a perceber que o seu PS fará tudo para garantir fundos que financiem tais direitos adquiridos.


A reforma do Estado e da Segurança Social são matérias a que o futuro secretário-geral do PS não poderá fugir quando chegar ao governo. Por uma razão simples: o dinheiro não nasce nas árvores nem as empresas e as famílias portuguesas conseguirão pagar mais impostos do que já pagam. Como financiará António Costa as "obrigações constitucionais"? Eis uma resposta que terá de dar nos próximos meses.

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