quarta-feira, 29 de outubro de 2014

António Costa não ouviu a maior parte das críticas e foi acusado de autoritarismo. PS faz “pirueta política” e vota contra recomendação à câmara para levar estatutos da Emel à assembleia. Todos unidos contra António Costa.

António Costa não ouviu a maior parte das críticas e foi acusado de autoritarismo

PS faz “pirueta política” e vota contra recomendação à câmara para levar estatutos da Emel à assembleia
INÊS BOAVENTURA 28/10/2014 - PÚBLICO

Sérgio Azevedo, do PSD, e João Pinheiro, do PS, envolveram-se numa acesa troca de argumentos e ameaçaram mesmo resolver o diferendo fora da Assembleia Municipal de Lisboa

“A maior pirueta política de que há memória desde que se iniciou este mandato”. Foi assim que o líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa classificou o facto de o PS ter votado contra a recomendação à Câmara de Lisboa para que submetesse àquele órgão a alteração de estatutos da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (Emel).

Uma “pirueta” que, sublinhou Sérgio Azevedo, ocorreu depois de os deputados socialistas na Comissão de Mobilidade terem votado a favor de um parecer que incluía aquela recomendação. E também depois de o líder da bancada do PS, Rui Paulo Figueiredo, ter apresentado nesse mesmo fórum uma “posição política”, na qual defendia que a alteração de estatutos devia ser alvo de uma “dupla deliberação”.

 “Politicamente, dada a transformação estrutural existente, não se entende a não submissão à assembleia municipal”, sustentava o deputado socialista nesse documento, cujo conteúdo foi recordado esta terça-feira por Sérgio Azevedo, que deixou no ar a ideia de que terá havido “alguma pressão, por parte da câmara, provavelmente”.

A intervenção do social-democrata não foi bem acolhida por João Pinheiro, o eleito socialista a quem coube a missão de tentar justificar a mudança de posição do seu partido. Os dois deputados chegaram aliás a levantar-se dos seus lugares, ameaçando resolver o diferendo fora do edifício da assembleia, mas os ânimos acabaram por acalmar-se.

“Os senhores deputados estão muito nervosos. Não vejo razão para tal”, afirmou a dada altura o vereador Duarte Cordeiro (PS). Já a presidente da assembleia municipal, Helena Roseta acabou por brincar com a situação, depois de ter feito um apelo aos deputados para que acompanhassem o debate “com a devida dignidade”: “Estão a colocar a mesa sob um teste de stress e eu não sei se a mesa aguenta”, disse Helena Roseta, arrancando gargalhadas da plateia.

Antes de os ânimos se exaltarem, João Pinheiro justificou o facto de o PS votar contra a recomendação dizendo que o seu partido considerava que “a convergência em momentos críticos é fundamental”. O deputado desvalorizou a alteração de estatutos da Emel, afirmando que “o que interessa mesmo” é “unir esforços” para travar “uma privatização oculta” da Carris e do Metropolitano de Lisboa.

Apesar do voto contra do PS, a recomendação à câmara foi aprovada, com a abstenção do movimento Parque das Nações Por Nós e o voto favorável de todos os outros eleitos, incluindo Helena Roseta. “Vou matutar no assunto e ver que mais diligências devemos fazer para que esta recomendação chegue a bom porto”, disse Helena Roseta, que está a ponderar pedir um parecer jurídico sobre o assunto à Direcção-Geral das Autarquias Locais.

A decisão da câmara de não submeter à assembleia a alteração de estatutos da Emel foi muito criticada na reunião desta terça-feira. Victor Gonçalves falou em “desrespeito” por este órgão e “desprezo total” pela sua vontade e garantiu que o PSD irá “usar de todos os meios ao seu dispor” para inverter este processo.

Ana Páscoa, do PCP, considerou a situação “muito grave” e Cláudia Madeira, d’Os Verdes considerou que se está a tentar espoliar a assembleia das suas competências. Já o BE, pela voz de Ricardo Robles, acusou António Costa de “privilegiar uma eficácia interna sem discussão, fazendo um uso autoritário da sua maioria”.

As críticas vieram também dos Cidadãos por Lisboa, que acusaram a câmara de ter perpetrado “uma menorização de competências da assembleia municipal difícil de aceitar”. Miguel Graça admitiu ter recebido com “surpresa e desacordo” a notícia de que a câmara ia mesmo avançar com a alteração de estatutos da Emel sem ouvir “a casa da cidadania”.

O presidente da câmara abandonou a reunião antes do fim e não ouviu a maior parte do debate, mas fez uma intervenção na qual afirmou não ter “a menor das dúvidas” sobre a legalidade da decisão que tomou. “A câmara procura sempre respeitar a assembleia”, disse ainda António Costa, frisando no entanto que “uma recomendação, como o nome indica, é só uma recomendação”. 

Todos unidos contra António Costa
HELENA PEREIRA

24/10/2014 / OBSERVADOR
Reunião de câmara aprovou alteração aos estatutos que permitem à Emel ter negócios em Angola ou concorrer à gestão da Carris e Metro. Oposição une-se para suspender decisão.

O PSD, o movimento Cidadãos por Lisboa e a restante oposição vai unir-se para tentar travar a decisão da reunião de câmara, aprovada esta quarta-feira apenas pelos vereadores do PS, de alterar os estatutos da EMEL – Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa.

Em causa está uma alteração que permitirá à EMEL ter negócios fora de Portugal (como Angola e Cabo Verde) que a oposição entende que deve ser a assembleia municipal a aprovar e não os vereadores.

Segundo apurou o Observador, na reunião da assembleia municipal de terça-feira, a presidente Helena Roseta (eleita pelo movimento Cidadãos por Lisboa) vai apresentar uma proposta a reivindicar que seja este órgão a ter a palavra decisiva sobre os estatutos da EMEL, que deverá ser apoiada por todos os partidos da oposição. Roseta confirmou ao Observador que essa proposta será discutida na segunda-feira com os vários partidos. “Vou tentar desampatar esta questão que não é apenas uma questão de Lisboa”, afirmou, referindo-se às regras das autarquias no relacionamento com as empresas municipais.

O movimento Cidadãos por Lisboa equaciona pedir também um parecer à tutela, a secretaria de Estado das Autarquias Locais, sobre a decisão tomada em reunião de câmara.

“A proposta da presidente será muito oportuna. O que está em causa não é a EMEL nem a sua gestão. O que está em causa é a violação do princípio da confiança que deve existir entre os eleitores e os eleitos. Percebemos bem que António Costa não gosta de ser escrutinado pelas suas decisões. Não podemos abdicar de escrutinar a câmara e as suas empresas. Há algum problema nisso? António Costa não leva este assunto à assembleia municipal por alguma razão em especial? Era importante por uma questão de transparência e de confiança que reconsiderasse”, afirmou ao Observador o líder da bancada social-democrata na assembleia municipal, Sérgio Azevedo.

Para o CDS, “isto são quase uns estatutos novos, dando que alarga tanto o âmbito da Emel”. João Pereira Gonçalves considera que a discussão é tanto “jurídica como política”.

A decisão de quarta-feira foi tomada depois de já ter havido um parecer subscrito por todas as forças políticas representadas na Comissão de Mobilidade da Assembleia Municipal de Lisboa a defender que a competência para aprovar tal alteração pertencia exclusivamente à assembleia municipal.

A proposta aprovada foi no sentido de “mandatar o representante do município de Lisboa na assembleia geral da empresa [Manuel Salgado] para aprovar essa alteração” aos estatutos que permitirá à empresa ter novos “projetos de internacionalização” e poder vir a gerir os transportes públicos (motivo que suscita mais dúvidas por parte do PSD).

Na prática esta alteração permitirá à Câmara de Lisboa, através da Emel, concorrer à concessão da operação da Carris e Metro, no concurso que o governo quer lançar ainda este ano. Esta semana António Costa reafirmou a sua oposição à concessão a privados, defendendo a gestão municipal dos transportes públicos.

Os vereadores do PS muniram-se também de um parecer jurídico para defender a sua competência em fazer esta alteração. Não foi possível obter esta sexta-feira mais esclarecimentos da câmara.

Segundo o Público, a votação desta proposta já tinha estado agendada por duas vezes, mas acabou por ser adiada depois de vários vereadores da oposição e dos Cidadãos por Lisboa (eleitos na lista do PS), terem manifestado dúvidas sobre a sua legalidade e defendido que ela deveria também ser apreciada pela assembleia municipal.

O autor do parecer da Comissão de Mobilidade, o deputado municipal Fernando Nunes da Silva, dos Cidadãos por Lisboa, afirmou esta semana ao Observador que a interpretação de António Costa é “suis generis” e “viola a lei sobre atribuições das autarquias locais e competência dos seus órgãos”.

Nunes da Silva lembra ainda que em 2011, quando Costa não tinha maioria absoluta (só há um ano conseguiu ter essa maioria absoluta), esta questão sobre a internacionalização da Emel foi uma das condições que o movimento Cidadãos por Lisboa colocou para celebrar acordo com o presidente de câmara. “Retirar o que foi negociado quando não tinha maioria absoluta é altamente criticável e esta alteração de comportamento não é bom sinal”, disse.

O deputado municipal critica a expansão da EMEL para Angola ou Cabo Verde pelo facto de, assim, uma empresa municipal de Lisboa, por exemplo, “passar a reger-se pelo direito angolano”.


O parecer da Comissão de Mobilidade diz que a “interpretação” de que a alteração de estatutos de uma empresa municipal não tem de ser submetida à apreciação da assembleia “contraria a prática existente no município de Lisboa e em inúmeros outros municípios portugueses”.

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