sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Vão rolar cabeças na educação e na justiça, por PEDRO SOUSA CARVALHO


OPINIÃO
Vão rolar cabeças na educação e na justiça
PEDRO SOUSA CARVALHO 19/09/2014 - PÚBLICO
Não vale a pena ir a tribunal contestar a trapalhada na educação. A Justiça também não está a funcionar.

Ver ministros deste Governo a pedir desculpas não é propriamente algo inédito. O que só lhes fica bem. Aliás, a moda começou com o próprio primeiro-ministro que, ainda líder da oposição, veio pedir desculpa aos portugueses por ter dado o seu consentimento a um aumento de impostos num orçamento de José Sócrates: “Devo pessoalmente um pedido de desculpas ao país por estar a fazer aquilo que disse que não gostaria de fazer e que não achava que devesse ser feito”.

Esta semana foram dois os ministros de Passos Coelho a pedir desculpas, não por promessas feitas e não cumpridas, mas pelo caos que tem tomado conta dos tribunais e das escolas nos últimos dias. Caos não… perdão… transtorno. Dois ministros a pedir desculpa na mesma semana é muita coincidência, digo eu. Ou desnorte, dizem as más-línguas. Pedir desculpa é um sinal de humildade, digo eu. Mas dois ministros na mesma semana a pedir desculpas já não é humildade, é incompetência, dizem as mesmas línguas. Já lá vamos a Paula Teixeira da Cruz. Comecemos por Nuno Crato, que ontem veio pedir “desculpa aos pais, aos professores e ao país”.

Este arranque de ano lectivo, para variar, voltou a ser aos solavancos. E a culpa não é só de Nuno Crato. Há anos que é assim. O que não é argumento para que todos os anos assim seja. Este ano, para não variar, ocorreram problemas nos dois primeiros concursos de colocação de professores: o de mobilidade interna, para professores do quadro, e o de contratação inicial, para docentes sem vínculo à função pública.

Mas o mais caricato foi o erro matemático que aconteceu no concurso de colocação de professores através da chamada Bolsa de Contratação de Escola, um instrumento de que as escolas dispõem para preencher os horários residuais e contratar professores em falta. Para ordenar e classificar os professores neste concurso a lei determina que se use uma fórmula matemática que tem em conta 50% da ‘graduação profissional’ (a nota de curso, mais os anos de serviço, mais uma bonificação pela avaliação de desempenho) e 50% da ‘avaliação curricular’ (que é obtida através da resposta aos subcritérios definidos pelas próprias escolas, o que até faz sentido, já que elas conhecem melhor do que ninguém as suas necessidades).

O problema é que a ‘graduação profissional’ é medida numa escala que começa em zero e, teoricamente, não tem um limite superior (tipicamente varia de 14 e 35). E a ‘avaliação curricular’ é feita numa base de 0 a 100%. Somar uma coisa à outra é somar alhos com bugalhos. E de olhos esbugalhados ficaram os professores que foram ver as listas de colocações e constataram que foram ultrapassados, em centenas ou milhares de posições, por outros docentes com muito menos anos de serviços e que estavam muito atrás na lista nacional.

Fazer uma soma aritmética entre duas variáveis ponderadas com diferentes unidades é um erro de palmatória e que naturalmente desvirtua a ponderação de 50% + 50% exigida pela lei. Na prática, com o erro a ‘avaliação curricular’, que é precisamente a variável contestada pelos professores, ganhava maior ponderação. Alguns docentes contestam ainda o facto de a pontuação máxima na ‘graduação profissional’ só ser alcançável, na prática, por quem tenha uma média de vinte valores na classificação profissional e oitenta anos de serviço.

Depois de mais de quatro dias de protestos, o ministro da Educação assumiu o erro e prometeu refazer os cálculos. E já rolou a primeira cabeça, a de Mário Agostinho Alves Pereira, director-geral da Administração Escolar. É o mínimo que se exige para um ministério no qual o ministro é catedrático de Matemática e onde todos deveriam saber fazer contas básicas. E todos os que estiveram envolvidos a fazer as listas de classificações deveriam ser obrigados a fazer as provas de avaliação que Nuno Crato tanto gosta de impingir aos professores, alguns deles já com vários anos de serviço. E começar mesmo pelo mais básico, pela tabuada.

Perante tamanha trapalhada os professores até ameaçaram ir a tribunal contestar o concurso. Também não lhes adiantaria de muito porque esta semana os tribunais não estão a funcionar. Mas também não é caso para grandes alaridos, uma vez que a ministra da Justiça também já veio pedir desculpa: "Peço desculpa em nome do Ministério da Justiça pelos transtornos". E Paula Teixeira da Cruz disse ainda “assumir integralmente a responsabilidade política”, seja lá o que for que isso quer dizer.


Para os muitos que, como eu, defenderam a bondade da reforma do mapa judiciário é caso agora para corar de vergonha. Antes de desenhar o novo mapa judiciário, fechar comarcas, transferir serviços e mexer com a vida de milhares de pessoas e milhões de processos alguém deveria ter-se lembrado de testar o sistema informático a ver se funcionava. E se a ministra garante que alguém lhe garantiu que a 1 de Setembro o Citius estaria em condições de funcionar em pleno, e se esse alguém já se identificou, também não lhe ficaria mal sair pela mesma porta pela qual saiu Mário Agostinho Alves Pereira.

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