quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Quase em lágrimas, Cameron pediu à Escócia para não partir Não se trata de dar uma tareia aos “filhos da mãe dos disse o primeiro-ministro britânico, mas de manter unida uma “família de nações”. Nova sondagem coloca o “não” de novo em vantagem.


Quase em lágrimas, Cameron pediu à Escócia para não partir
Não se trata de dar uma tareia aos “filhos da mãe dos disse o primeiro-ministro britânico, mas de manter unida uma “família de nações”. Nova sondagem coloca o “não” de novo em vantagem

Um dos pesospesados da economia escocesa avisou que pode transferir parte das suas operações para Inglaterra
Ana Fonseca Pereira / 11-9-2014 / PÚBLICO

Com a meta à vista e a distância entre os corredores mais curta do que nunca, o debate sobre o futuro da Escócia — e, por consequência, do Reino Unido — faz-se cada vez mais no domínio da emoção, com cada um dos lados a tentar encontrar as palavras mais directas ao coração dos eleitores. Foi esse jogo que os líderes dos três principais partidos britânicos jogaram ontem, numa visita simultânea ao Norte para pedir aos escoceses que não rompam a união com Londres. “Ficaria destroçado se esta família de nações que construímos — e que fez tantas coisas fantásticas junta — fosse destruída”, disse o primeiro-ministro, David Cameron.
Uma sondagem pode ajudar a acalmar os ânimos em Londres, ao não confirmar a vantagem do “sim” anunciada pelo estudo do You Gov divulgado domingo. Segundo o Instituto Survation, 53% dos eleitores planeiam votar contra a independência no referendo de dia 18, contra 47% que apoiam o “sim”.
Na embaixada montada à pressa por Westminster para responder ao impulso conseguido nas últimas semanas pelos independentistas, era Cameron quem tinha a tarefa mais arriscada. Ele é o líder dos conservadores, partido que nas últimas legislativas conseguiu apenas um dos 59 deputados eleitos pela Escócia. É o primeiro-ministro cujas políticas de austeridade mais têm servido a campanha do “sim”. É também um político nascido em berço de ouro e educado nas escolas de elite que qualquer assessor de relações públicas não teria dúvidas em considerar um activo tóxico junto de um eleitorado de centro-esquerda.
Conscientes dos riscos em jogo, os spin-doctors de Downing Street optaram por ir directos à boca do leão. “Às vezes as pessoas podem sentir que isto é mais ou menos como nas legislativas. Toma-se uma decisão e, cinco anos depois, pode mudar-se de opinião — se estás cansado dos filhos da mãe dos tories dás-lhes um pontapé e talvez eles aprendam a lição”, disse o primeiro-ministro perante uma plateia seleccionada em Edimburgo. Mas o que está em jogo, acrescentou, é “totalmente diferente”. “Esta não é uma decisão para os próximos cinco anos, é uma decisão para o próximo século.”
Este tem sido um dos motes da campanha pelo “não”, na esperança de um recuo dos eleitores, perante a hipótese, agora realista, do fim da união que dura desde 1707.
Várias vezes acusado pelo primeiro-ministro escocês, Alex Salmond, de usar o medo como táctica, Cameron fez um discurso emotivo — o jornal The Telegraph escreveu que esteve “à beira das lágrimas” —, falando do Reino Unido como “um país extraordinário” que escoceses, ingleses, galeses e irlandeses construíram em conjunto. Lembrou ainda os que dizem que os conservadores teriam mais facilidade em continuar no poder se a Escócia (um bastião dos trabalhistas) optasse pela independência, para deixar outro dos soundbytes do dia: “A minha resposta é que me preocupo mais com o país do que com o meu partido”.
O mesmo mote serviu ao líder dos trabalhistas, Ed Miliband, que foi a Glasgow defender o Reino Unido com “a cabeça, o coração e a alma”. “Fiquem connosco porque somos mais fortes juntos. Fiquem connosco porque juntos podemos tornar o Reino Unido melhor”. O vice-primeiro-ministro, Nick Clegg, foi o único a arriscar um curto passeio pelas ruas, num dos bastiões dos liberais-democratas no Sul da Escócia, mas não se desviou da mensagem, avisando que as futuras gerações “ficarão mais pobres e menos seguras se as diferentes partes do Reino Unido virarem as costas umas às outras”.
Numa lotada acção de rua, a curta distância do local onde Cameron discursou, Salmond sublinhou o contraste entre a campanha que lidera e a visita de Cameron, Miliband e Clegg. “O dia de hoje é um bom exemplo do que é a equipa da Escócia contra a equipa de Westminster”, afirmou. Enquanto uma fala “directamente para a sociedade escocesa”, indo para as ruas, a outra “dá mostras de pânico e desespero”; enquanto uma “se preocupa em criar um país capaz de gerar empregos, a outra está preocupada com o seu emprego”.
É consensual a ideia de que foi o pânico gerado pela sondagem do YouGov a determinar a mudança de estratégia. Também ninguém duvida que a ida dos líderes partidários à Escócia pode ser contraproducente — os três são ingleses e dirigem o sistema político que tantos escoceses rejeitam. “De cada vez que os de Westminster intervêm na campanha, os votos pendem mais a nosso favor”, disse à AFP Michael Granados, um apoiante de Salmond.

Mas Cameron, que ontem voltou a insistir que recusará partilhar a libra com a Escócia, recebeu vários apoios de peso à sua causa. O presidente da petrolífera BP, um dos maiores investidores na Escócia, disse que o futuro do sector “será melhor servido” se a integridade do Reino Unido for mantida. Também a gestora de fundos de pensões Standart Life, um dos pesospesados da economia escocesa, avisou que poderá transferir parte das suas operações para Inglaterra.

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