terça-feira, 23 de setembro de 2014

Eu, tu… tu, eu - SÃO JOSÉ ALMEIDA / PÚBLICO. O Seguro mais agressivo, o Costa de sempre - José Manuel Fernandes / OBSERVADOR

Depois do festival de subjectivismo pessoal e total ausência de conteúdos com que fomos brindados no último debate, confirma-se a grave degradação na qualidade de representatividade dos candidatos e consequente grave erosão de credibilidade, não só do PS, mas de toda actividade Política.
OVOODOCORVO

“Essa tarefa de apresentarem a sua missão perante o país saiu gorada e quer Seguro, quer Costa, desperdiçaram a oportunidade que lhes foi proporcionada nestas primárias. Limitaram-se a comportar-se como dois políticos inexperientes e irresponsáveis.

E se Seguro se portou mal pela forma como deliberadamente lançou provocações a Costa, a verdade é que Costa se mostrou de uma ingenuidade e imaturidade políticas surpreendentes em si, já que se deixou conduzir para o terreno de discussão para o qual Seguro o quis levar, tornando-se assim co-responsável pela oportunidade perdida.”
SÃO JOSÉ ALMEIDA

Eu, tu… tu, eu
SÃO JOSÉ ALMEIDA 23/09/2014 / PÚBLICO

Os debates televisivos são momentos altos da discussão política hoje em dia e são uma forma privilegiada de fazer chegar ideias aos cidadãos, mas nas primárias do PS, o conjunto dos três debates televisivos que se realização, o balanço analítico que se pode fazer é o de concluir que os cidadãos em geral, a política portuguesa e o PS saíram a perder de um espectáculo de agressividade e acusações que ontem atingiu um clímax na RTP com uma cacofonia de dislates, que por vezes raiaram o insulto.

No primeiro debate, a 9 de Setembro na TVI, a oportunidade de apresentar e dialogar propostas para o futuro foi gorada pelo deslizar da discussão para o domínio pessoal, com António José Seguro a insistir na acusação de que António Costa tinha sido desleal e o tinha traído ao lançar o desafio de liderança. Ontem, o nível de acusação pessoal a Costa atingiu níveis desproporcionados.

De tal forma que Seguro fez mesmo algo que é inédito num líder político: para acusar Costa de estar cercado de apoiantes que podem alegadamente ter tido comportamentos promíscuos em relação a actos de corrupção, citou como exemplo um fundador do PS que é apoiante do autarca, o advogado Nuno Godinho de Matos.

Se Costa no primeiro debate ficou surpreendido com a estratégia do seu adversário, ontem vinha preparado para responder na mesma moeda. E os trinta minutos televisivos passaram com uma sucessão de acusações, de frases ditas por cima do adversário, numa ensurdecedora cascata de eu, tu … tu, eu, em crescendo, que apenas criaram ruído e se aproximaram do que vulgarmente se nomeia de “peixeirada”.

Para além do que foi uma sucessão de acusações e de afirmações de carácter, num tipo de atitude política absolutamente desajustado a um momento como é a realização de eleições primárias, pouco restou para que o país ficasse esclarecido sobre o que ambos os candidatos se propõem fazer.

Ontem, para além de uma abordagem à proposta de Seguro de alteração do sistema eleitoral, cuja discussão e troca de argumentos foi feita já em clima de absoluta crispação, apenas nos primeiros minutos do debate foi possível ouvir trocar argumentos, com os dois candidatos a apresentarem as suas prioridades para o país.

A saber, ambos a defender o desenvolvimento económico e o combate ao desemprego, a reposição dos cortes a pensionistas, a reformados e a funcionários públicos, ainda que nestes âmbito de reposição salarial com um António Costa mais defensivo em relação a assumir um compromisso.

No sentido de se poder perceber o que cada candidato propõe salva-se, nestes debates televisivos das primárias, o segundo debate realizado a 10 de Setembro na SIC. Com Costa a salientar a importância que dá à forma como os fundos estruturais devem ser aplicados no apoio ao desenvolvimento da economia, bem como a sublinhar a necessidade de voltar a apostar nas energias renováveis como forma de facilitar o crescimento.

Costa pode mesmo repetir a sua posição de não aceitar discutir soluções para a dívida pública antes de apresentar o seu programa eleitoral. E insistir na ideia de que quer ter uma maioria absoluta e só então decidirá sobre coligações, que acredita poderem ser protagonizadas por qualquer partido com assento parlamentar.

Também Seguro esteve melhor no segundo debate, travando mesmo então a sua agressividade e quase não dirigindo acusações a Costa. Conseguiu apresentar as suas ideias sobre a aposta na reindustrialização do país, repetir as suas posições sobre a restruturação e mutualização da dívida pública, apresentar as suas posições sobre o futuro da União Europeia.

Seguro conseguiu até ser mais explícito no que foi a definição de uma política de alianças pós eleitorais, excluindo não só os partidos que apoiam o Governo e querem desmantelar “o Estado Social” ou privatizar a TAP e a Caixa Geral de Depósitos, mas também excluindo partidos que querem sair do euro, referindo-se implicitamente ao PCP.

A qualidade atingida no segundo debate pelos dois candidatos, ao nível do que foi a capacidade de apresentação e de explicação de ideias, apenas serviu para tornar explicito como ambos desperdiçaram as outras duas oportunidades que lhes foi dadas pelas televisões de, no espaço mediático, se poderem apresentar ao país como verdadeiros candidatos a primeiro-ministro.

Essa tarefa de apresentarem a sua missão perante o país saiu gorada e quer Seguro, quer Costa, desperdiçaram a oportunidade que lhes foi proporcionada nestas primárias. Limitaram-se a comportar-se como dois políticos inexperientes e irresponsáveis.

E se Seguro se portou mal pela forma como deliberadamente lançou provocações a Costa, a verdade é que Costa se mostrou de uma ingenuidade e imaturidade políticas surpreendentes em si, já que se deixou conduzir para o terreno de discussão para o qual Seguro o quis levar, tornando-se assim co-responsável pela oportunidade perdida.

Em que os cidadãos, os telespectadores, os eleitores saíram defraudados da promessa de que as primárias inovariam na aproximação com os políticos e os partidos. No fim desta experiência, a medir pelos debates televisivos, as primárias afastam-nos ainda mais.

O Seguro mais agressivo, o Costa de sempre
José Manuel Fernandes 
23/9/2014 / OBSERVADOR

Já se desconfiava, veio a confirmação: os Antónios detestam-se. Os Antónios magoam-se. Os Antónios não divergem nas ideias, divergem no carácter e no ego. Perdeu a política, perdeu sobretudo o PS.

Num ponto António Costa tem razão: António José Seguro está nesta campanha com uma energia e uma determinação que antes não se lhe conhecia. Mas esse é também o drama de Costa – o seu lado quase blasé lida mal com adversários mais agressivos, e Seguro terá sido apenas o primeiro deles.

Este último debate teve momentos penosos de ver – momentos penosos sobretudo para o PS.

Foi penoso ver dois candidatos à liderança do Partido Socialista reconhecerem que, afinal, nada os divide no campo das ideias, mas que tudo os separa porque se odeiam ao ponto de se ter ficado sem perceber se são sequer capazes de se olhar olhos nos olhos a não ser para atirar acusações um ao outro. Acusações que são sempre facadas venenosas.

Foi também penoso perceber, ao fim de três debates, o pouco que dois líderes que pretendem ser o próximo primeiro-ministro têm para dizer quando toca a concretrizar políticas, foi penoso ver como continuam a esquivar-se a tudo o que é compromissos, como continuam a atirar muito lá para diante dizerem como, com realismo, fariam diferente.

Durante muitos anos olhámos para o PS como um partido de ideias que, quando discutia lideranças, discutia alinhamentos mais ou menos à esquerda ou à direita. O PSD é que era o partido das lutas de galos, o partido que só se preocupava em escolher o melhor cavalo para ganhar a próxima corrida eleitoral. Este debate, estes debates, mostraram até que ponto esse PS é passado, até que ponto se quis reduzir a discussão a um “eu sou melhor do que tu”, ou a um “tu é que traíste, tu é que tiveste medo dos anos difíceis da oposição”. Pior: fica-se com a ideia de que, para além da forma como pessoalmente se detestam, Costa e Seguro também se afastam de forma dramática pelos apoios que trazem, pelo que representam do PS. E isso assusta um bocadinho, porque é nebuloso e escorregadio.

Não sei se este debate mudou alguma coisa no sentimento de quem vai votar no próximo domingo. Não sei se a agressividade de Seguro não irritou demasiado o PS que ainda acredita que é PS. Não sei se as fragilidades mostradas por Costa, que voltou a parecer intimidado e pouco preparado, não contrinuiram para desiludir alguns dos seus apoiantes.

O pior para Costa de toda esta campanha eleitoral, e destes debates, é que ficámos a conhecê-lo melhor, e isso não foi bom para ele. Paradoxalmente, o Seguro desta campanha e destes debates revelou-se melhor, mesmo nos seus excessos, do que o Seguro dos moles debates parlamentares, e isso foi bom para ele.

Quanto ao Partido Socialista, foi quem mais saiu a perder do último debate dos Antónios.

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