quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Carlos Moedas e a ciência portuguesa

"O problema é outro. É de decoro, simbolismo e moral. O governo, no seu balanço entre o deve e haver, fez coisas boas e outras más, e entre estas, na primeira linha das que nos farão pagar um alto preço, está o desinvestimento na ciência e na investigação. Muitas centenas de cientistas tiveram de sair do país, muitos foram obrigados a suspender as suas colaborações com institutos públicos após trabalharem anos sem qualquer garantia, muitos estão sem emprego sem direito sequer a um subsídio de desemprego. Uma delapidação total de património humano num tempo em que tanto se exalta a competitividade, a inovação, o empreendedorismo. Um lamentável contra-senso – reforçado por esta escolha de pelouros do novo comissário português.

Moedas dirá, ou alguém por ele, que é uma boa notícia para a ciência portuguesa. Uma história de embalar que se repete sempre que um português ocupa um lugar internacional. Não significa nada. Somos o que somos. E mesmo quando falamos do que somos dizemos “os portugueses”, não “nós, os portugueses”. Nada a fazer. Adoramos o que detestamos, odiamos o que amamos. Temos o sol mas inventámos o fado. Temos inveja e somos generosos. Somos uma coisa e o seu contrário. É uma marca genética, traços que nos distinguem dos alemães, dos franceses ou dos ingleses; ao invés deles, banhados de certezas, temos a arrogância da dúvida permanente. E temos uma lata desgraçada. E o dinheiro que Moedas irá gerir tem estas marcas. Perguntem a um cientista que ele responderá."
Luís Osório

Carlos Moedas e a ciência portuguesa
Por Luís Osório
publicado em 11-9-2014 in (jornal) i online
A contradição de um comissário que terá o pelouro da ciência e da investigação

Carlos Moedas não é um político. Não tem, aparentemente, sede de protagonismo. E a sua imagem é a de alguém em quem facilmente confiaríamos. Tudo qualidades que, nos tempos que correm, não são um pormenor. Um burocrata de rosto humano que, afável e zeloso, recebeu a troika e manteve a compostura durante as várias avaliações dos cobradores e das oposições. Muito bem.

O primeiro-ministro ofereceu-lhe o lugar de comissário. Para muitos, uma surpresa. Juncker, ao que se jura, preferia Maria Luís Albuquerque, mas esta tornou-se essencial e uma “domadora” de pesadelos, como bem é sublinhado por António Ribeiro Ferreira hoje no i. As circunstâncias fizeram o resto e o estrangeirado Carlos Moedas tornou-se um cometa; em três anos passou de ilustre desconhecido a ilustre senhor da investigação, ciência e inovação na Comissão Europeia.

O problema é outro. É de decoro, simbolismo e moral. O governo, no seu balanço entre o deve e haver, fez coisas boas e outras más, e entre estas, na primeira linha das que nos farão pagar um alto preço, está o desinvestimento na ciência e na investigação. Muitas centenas de cientistas tiveram de sair do país, muitos foram obrigados a suspender as suas colaborações com institutos públicos após trabalharem anos sem qualquer garantia, muitos estão sem emprego sem direito sequer a um subsídio de desemprego. Uma delapidação total de património humano num tempo em que tanto se exalta a competitividade, a inovação, o empreendedorismo. Um lamentável contra-senso – reforçado por esta escolha de pelouros do novo comissário português.


Moedas dirá, ou alguém por ele, que é uma boa notícia para a ciência portuguesa. Uma história de embalar que se repete sempre que um português ocupa um lugar internacional. Não significa nada. Somos o que somos. E mesmo quando falamos do que somos dizemos “os portugueses”, não “nós, os portugueses”. Nada a fazer. Adoramos o que detestamos, odiamos o que amamos. Temos o sol mas inventámos o fado. Temos inveja e somos generosos. Somos uma coisa e o seu contrário. É uma marca genética, traços que nos distinguem dos alemães, dos franceses ou dos ingleses; ao invés deles, banhados de certezas, temos a arrogância da dúvida permanente. E temos uma lata desgraçada. E o dinheiro que Moedas irá gerir tem estas marcas. Perguntem a um cientista que ele responderá.

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