domingo, 20 de julho de 2014

Ucrânia: viragem num conflito fora de controlo / Ucrânia. Putin tem de permitir acesso ao local da queda do avião, diz PM holandês.

Ilustração publicada no “TIMES”

Ucrânia: viragem num conflito fora de controlo
Que muda com os 300 mortos do avião da Malaysia Airlines? É a grande incógnita
Análise Jorge Almeida Fernandes / 20-7-2014 / PÚBLICO

1. A primeira questão é esta: em que medida será a tragédia do voo 17 da Malaysia Airlines um ponto de viragem na crise ucraniana? E em que sentido? Quanto à segunda questão — a dos autores do crime — é sensato esperar por mais dados (escrevo na sextafeira). A suspeita recai sobre os separatistas pró-russos, o que implicaria a responsabilidade indirecta de Moscovo. Um analista espanhol chega a evocar a hipótese de uma iniciativa dos extremistas pró-russos para comprometerem Vladimir Putin e forçá-lo a manter o seu apoio ( El País, 17 de Julho).
A primeira declaração de Putin foi ambígua: “O drama não teria acontecido se Kiev não tivesse recomeçado a guerra no Leste da Ucrânia.” Ou seja, atribui a responsabilidade política a Kiev mas deixa em aberto a possibilidade do míssil ter sido lançado por separatistas prórussos.
É a primeira questão — a do ponto de viragem — que aqui interessa. O conflito parece fora de controlo. O Leste ucraniano está em guerra. Nas últimas semanas, os pró-russos abateram aviões militares ucranianos e o Presidente Petro Porochenko decidiu passar por cima das várias tréguas e forçar a reocupação das cidades do Leste antes que os separatistas reforcem as suas posições.
Vai o desastre de quinta-feira servir de sinal de alarme e levar a uma negociação “antes que seja tarde de mais” ou, pelo contrário, vai desencadear uma escalada e uma crise internacional? Disse Putin que a catástrofe mostra a urgência de uma “solução política rápida”. O problema é que as soluções aceitáveis por Moscovo e Kiev (e ocidentais) parecem incompatíveis e que até agora têm-se sucedido os erros de cálculo — o mais perigoso factor da generalização de um conflito. Temos de voltar atrás.

2.A crise actual começou com um choque de interesses e vários erros de cálculo. Por iniciativa da Polónia, a União Europeia apostou em criar uma Parceria Oriental englobando seis países que outrora fizeram parte da URSS. Visava estabilizar económica e politicamente a sua periferia oriental. Para Moscovo estava em jogo o seu estatuto de grande potência e um projecto concorrente com o europeu: uma União Euro-Asiática que solidificaria a sua hegemonia sobre o antigo território soviético, que designa por “estrangeiro próximo”. Acontece que esse “estrangeiro próximo” também é o da UE. O confronto tornou-se inevitável.
Hoje, a Parceria Oriental está congelada e igualmente longínqua parece a União Euro-asiática, que não tem sentido sem a Ucrânia. A UE subestimou os interesses e a reacção da Rússia. A Rússia subestimou a Ucrânia.
A partir do momento em que perdeu a influência em Kiev, Putin não desistiu e lançou uma dupla resposta. Anexou a Crimeia, violando uma “linha vermelha” da ordem europeia pós-Ialta — a proibição de mudar as fronteiras pela força. Depois, subiu a parada na Ucrânia encorajando as zonas russófonas do Leste e do Sul a lançarem movimentos de secessão. O objectivo não era “conquistar” mais território ucraniano nem dividir o país: era impor uma federalização, ou melhor, uma “balcanização” que tornaria impotente o poder central de Kiev. Como consequência, consumou-se uma aliança de facto entre Kiev e o Ocidente.

3. O movimento separatista começou por falhar. Não conseguiu uma mobilização de massas. A maioria da população do Leste e do Sul quer manter relações estreitas com Moscovo e é adversa a uma política ocidentalista em Kiev. Mas tem uma identidade ucraniana e não aceita ser integrada na Rússia.
Os rebeldes pró-russos são grupos armados que se apoderaram de várias cidades pela força, graças ao apoio logístico e político da Rússia — e perante a impotência da polícia e do exército ucranianos. Muitos são ex-militares russos. O seu “ministro da defesa” é Igor Guirkin, “Strelkov”, antigo quadro do serviço de informações militares russos (GRU). Têm armamento pesado, tanques e mísseis: uns fornecidos “por russos”, outros capturados em arsenais ucranianos. Não têm problemas de abastecimento: Moscovo não vigia a fronteira e tudo passa, inclusive tanques.
Putin alcançou, após a anexação da Crimeia, uma taxa de aprovação de 83%. Está refém da própria “glória”. Para os “falcões” russos o fim da rebelião separatista na Ucrânia seria “uma traição”. Nos últimos tempos, Putin distanciou-se dos seus rebeldes. Mas nada fez para os obrigar a negociar. Eles são um instrumento da política de desestabilização que Moscovo sempre usou para enfraquecer e domesticar Kiev.
Para especialistas da Ucrânia, como a historiadora Angela Stent ou o analista Sam Charap, as milícias pró-russas ameaçam “tornar-se incontroláveis”. São directamente apoiadas pelos ultranacionalistas russos, como Maxim Kalachnikov ou Alexandre Duguin, que fazem sérias advertências ao Kremlin.
Putin quer evitar sanções “economicamente proibitivas”. Dizem os analistas que, até agora, a sua opção era “ganhar tempo”, prosseguir o desgaste de Kiev até negociar com Porochenko um modus vivendi que satisfaça os interesses básicos de Moscovo: a garantia de não adesão à NATO e a federalização do país.

4. Que muda com os 300 mortos do avião da Malaysia Airlines? Para lá do choque emocional os mortos voltam a iluminar a guerra que se trava na Ucrânia. “Se houver provas sólidas de que os rebeldes foram os autores e de que a arma veio da Rússia, haverá uma fortíssima pressão sobre Putin para contribuir para uma desescalada”, diz à Reuters a analista russa Maria Lipman. “Pode ser um ponto crítico”, frisa Charap. “Pode forçar os russos a um recuo táctico. Não penso que desistam, mas talvez controlem os seus loucos.”
Nada disto assegura uma solução diplomática estável. Passa-se ao terreno da incógnita. Tudo depende da leitura que Putin faça. Pode entender que, com as relações russoamericanas no ponto mais baixo no pós-Guerra Fria, pouco tem a perder em desafiar a pressão ocidental, continuando a apoiar os separatistas. Será mais difícil a alguns países europeus resistir a sanções pesadas contra Moscovo. Mas o Kremlin pode manter a sua aposta na divisão dos interesses nacionais na Europa. A UE quer evitar a todo o custo um conflito geopolítico com a Rússia. De resto, nem a Europa nem os EUA têm uma articulada “política russa”.


Repita-se: é uma situação clássica em que a prudência pode levar a uma negociação e a um compromisso entre dois projectos estratégicos opostos. Ou, inversamente, a um cenário em que os erros de percepção dos vários actores poderão precipitar uma crise internacional de grande dimensão.

Ucrânia. Putin tem de permitir acesso ao local da queda do avião, diz PM holandês
Por Agência Lusa
publicado em 19 Jul 2014 in (jornal) i online

Para Mark Rutte, "o acesso desimpedido e a rápida recuperação dos corpos é a prioridade número um"
O primeiro-ministro holandês afirmou hoje que o presidente da Rússia tem de permitir o acesso à zona da Ucrânia, que está controlada pelos russos e onde caiu um avião da Malaysia Airlines, para que os corpos possam ser recolhidos.

"Ele [Putin] tem de assumir responsabilidade em relação aos rebeldes", disse o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, aos jornalistas em Haia, após uma conversa telefónica com o presidente russo, Vladimir Putin.

"A Holanda e o mundo vão ver se ele faz o que tem de ser feito. Tendo em conta os desenvolvimentos e as imagens desta manhã, enviei uma mensagem ao presidente [da Rússia] para lhe pedir novamente que exerça a sua influência sobre os rebeldes", acrescentou o líder do governo da Holanda.

Sublinhando que "toda a gente viu os destroços e como os passageiros e os seus pertences pessoais ainda estão espalhados no local", Mark Rutte disse que Putin tinha prometido na sexta-feira "a sua cooperação".

"Disse-lhe que tem de mostrar ao mundo que quer ajudar", reiterou o primeiro-ministro holandês, afirmando estar "chocado" com as novas imagens dos rebeldes com bens dos passageiros a passear no local do acidente "sem vergonha nenhuma".

Para Mark Rutte, "o acesso desimpedido e a rápida recuperação dos corpos é a prioridade número um".

Os bancos holandeses afirmaram hoje que estão a tomar "medidas preventivas" depois dos registos de que estão a ser recolhidos cartões bancários do local onde o avião da Malaysia Airlines caiu e onde morreram 192 cidadãos holandeses.

"Os media internacionais noticiaram que os cartões bancários das vítimas foram roubados. Os bancos estão a tomar as medidas preventivas necessárias", afirmou hoje a Associação de Bancos Holandesa, em comunicado.

O Boeing 777 da Malaysia Airlines, que fazia a ligação entre Amesterdão e Kuala Lumpur sob o número MH17, caiu na quinta-feira na região leste da Ucrânia com 298 pessoas a bordo, depois de, alegadamente, ter sido atingido por um míssil que a comunidade internacional diz ter sido disparado pelos rebeldes pró-russos.

A Rússia exigiu hoje da Ucrânia respostas sobre o abate do avião da Malaysia Airlines, numa zona controlada pelos separatistas ucranianos pró-russos, acusando o Governo de Kiev de ser o responsável.


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