quarta-feira, 25 de junho de 2014

Bruxelas teme que Cameron lance “bomba atómica” contra Juncker

EDITORIAL / PÚBLICO / 26 jun 2014
Crise da cadeira vazia e da cadeira ocupada
Em Downing Street já se invoca um compromisso do tempo de Gaulle para travar a escolha de Juncker

OTratado de Lisboa prevê que os governos da União Europeia escolham o presidente da Comissão Europeia tendo em conta os resultados das eleições europeias. Eéo que vai acontecer. O PPE foi a família política mais votada e, como tal, o candidato do centrodireita Jean-Claude Juncker será o escolhido para ocupar a cadeira de Durão Barroso.
Na cimeira dos 28 desta sexta-feira, David Cameron já tinha dito que iria propor uma votação para a escolha do comissário europeu, numa operação de estética política para consumo interno. Agora, as informações que chegam de Londres dizem que em Downing Street se foi ao fundo do baú desencantar uma lei, ou melhor, um compromisso de 1966 — o “compromisso do Luxemburgo” — para tentar travar a escolha de Juncker que Cameron considera ser demasiado federalista para consumo britânico.
Este compromisso foi a solução encontrada para resolver a chamada crise da “cadeira vazia” quando Charles de Gaulle se recusou a sentar à mesa do Conselho de Ministros dos então seis países fundadores da União por não concordar com a orientação do projecto europeu para uma passagem progressiva da unanimidade para a maioria qualificada nos processos de decisão. O “compromisso do Luxemburgo” diz que os membros devem abster-se de tomar uma decisão por maioria qualificada que afecte um “interesse vital” de um dos países-membros.
E, para Cameron, o federalismo de Juncker é razão para invocar esse “interesse vital” que, embora não se sobrepondo aos tratados, com certeza provocará algum embaraço na cimeira. O espaço que Cameron está desesperadamente a tentar ocupar já foi ocupado pelo UKIP. E qualquer tentativa de ser mais “faragista” do que Nigel Farage só agravará ainda mais o euroceptismo, afastando ainda mais os britânicos do projecto europeu.

Bruxelas teme que Cameron lance “bomba atómica” contra Juncker
ISABEL ARRIAGA E CUNHA (Bruxelas) 25/06/2014 - PÚBLICO
Primeiro-ministro britânico pode vetar, na cimeira de sexta-feira, a nomeação do luxemburguês para suceder a Durão Barroso.

O alarme instalou-se em Bruxelas face à possibilidade de David Cameron, primeiro-ministro britânico, avançar para o que é considerado uma verdadeira “bomba atómica” para bloquear, na sexta-feira, a nomeação de Jean-Claude Juncker para suceder a Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia.

Os rumores abundam em Londres sobre a possibilidade de Cameron invocar o chamado “compromisso do Luxemburgo” para vetar a nomeação do luxemburguês durante a cimeira de líderes dos 28 países da União Europeia (UE), na sexta-feira, em que a decisão é esperada.

Essa eventualidade está a ser levada muito a sério e mesmo a assustar vários responsáveis europeus devido às implicações que terá para as relações entre os Estados-membros e, sobretudo, para a posição do Reino Unido na UE.

O “compromisso do Luxemburgo” é um acordo de cavalheiros que foi concluído em 1966 para acabar com a chamada crise da “cadeira vazia” provocada pelo então Presidente francês, Charles de Gaulle.

A crise resultou da recusa dos franceses em se sentarem à mesa do Conselho de Ministros dos então Seis países fundadores – que tem a competência para aprovar, alterar ou rejeitar as propostas legislativas da Comissão Europeia – para protestar contra a passagem da unanimidade para a maioria qualificada numa série de decisões europeias.

Prevista no Tratado de Roma de 1957, esta passagem progressiva da unanimidade para a maioria qualificada resultou da vontade dos países fundadores de orientar o projecto europeu de uma cooperação entre governos – intergovernamental – para uma integração “comunitária”, assente em instituições europeias viradas para o desenvolvimento do interesse comum.

A crise da “cadeira vazia”, que durou sete meses, foi resolvida graças ao “compromisso do Luxemburgo” no qual os Seis aceitaram que se absteriam de tomar uma decisão por maioria qualificada que afectasse um “interesse vital” de um dos países-membros.

Este compromisso, que nunca teve expressão jurídica em nenhum tratado da UE, é considerado a “bomba atómica” que só é invocada em casos absolutamente excepcionais e com custos políticos importantes para o país em causa. Este direito de veto é considerado totalmente contrário ao espírito e à letra dos tratados, porque é visto como o símbolo dos aspectos mais negativos da Europa “intergovernamental” em que o poder pertence aos países mais poderosos, com a agravante de que representa uma ameaça real de bloqueio da UE.

Na memória de um diplomata europeu com uma longa experiência, este compromisso foi invocado pela última vez em 2005 pela Polónia num diferendo sobre a reforma do regime de ajudas europeias à produção de açúcar e contou com o apoio da França e do Reino Unido.

O risco de Cameron invocar um “interesse vital” é considerado real devido ao isolamento total em que se colocou na oposição à nomeação de Juncker, o candidato dos partidos de centro-direita (PPE) e que foi apresentado como tal nas eleições europeias de Maio.

Para Londres, o luxemburguês, grande defensor do aprofundamento da integração europeia, representa tudo o que Cameron e o seu partido conservador cada vez mais antieuropeu combatem.

Isolado, e contando apenas com o apoio do seu homólogo húngaro, Viktor Orban, Cameron já deixou em todo o caso claro que pedirá a Herman van Rompuy, que preside às cimeiras dos 28, para proceder a uma votação. A ser assim, esta será só por si uma situação totalmente inédita, já que os líderes deliberam sempre por consenso.

Desde o Tratado de Nice de 2002, no entanto, que a nomeação do presidente da Comissão Europeia apenas precisa do apoio de uma maioria qualificada dos 28, o que, neste caso, está mais do que garantido.

Se uma eventual passagem ao voto já é uma situação que causa desconforto nalguns países, a possibilidade de Cameron invocar um “interesse vital” para bloquear Juncker está a provocar o maior embaraço.

“O compromisso do Luxemburgo existe para o Conselho [de Ministros dos 28], mas nunca foi um argumento no Conselho Europeu [as cimeiras de líderes]”, assegura um responsável europeu, garantindo que esse risco não existe.

Mesmo sabendo que esta fórmula não tem qualquer base jurídica, vários diplomatas europeus reconhecem, contudo, que “o compromisso do Luxemburgo existe politicamente na cabeça de alguns” dos líderes. Isso significa que a dúvida persistirá até sexta-feira sobre o que farão os líderes num cenário desses, entre suspender a decisão, eventualmente adiando-a duas ou três semanas para permitir um “tempo de reflexão”, ou se forçarão a decisão contra Cameron.

Em qualquer dos cenários, o chefe do Governo britânico – que enfrenta uma pressão interna cada vez mais forte contra a Europa – poderá ganhar alguma popularidade ao apresentar-se à sua opinião pública como um homem de convicções que se bateu até ao fim pelo que considera o melhor para a Europa, mas foi maltratado pelos seus parceiros europeus.

Para os outros países, em contrapartida, o risco é que um confronto desta amplitude acentue ainda mais o afastamento do Reino Unido face à Europa, acelerando a sua possível saída da UE.

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