sexta-feira, 30 de maio de 2014

TC decidiu que 600 mil funcionários públicos voltam aos salários pré-crise


TC decidiu que 600 mil funcionários públicos voltam aos salários pré-crise
Por Ana Suspiro e Susete Francisco
publicado em 30 Maio 2014 in (jornal) i online
Tempo é escasso para executar alternativas que compensem impacto

Afinal os trabalhadores do Estado não terão de esperar pela prometida reposição de 20% dos cortes salariais em 2015. Ao chumbar o artigo 33 do Orçamento do Estado, o Tribunal Constitucional chumba não só os cortes salariais adicionais introduzidos este ano, que apanham vencimentos acima de 675 euros brutos e vão até 12%, mas também a redução de remunerações aprovadas pelo governo de Sócrates no primeiro ano do ajustamento: 2011.

Em causa está um universo de cerca de 600 mil funcionários públicos que irá voltar a receber a remuneração pré-cortes a partir de Junho, excluindo o efeito da inflação e redução de pagamento da horas extraordinárias. Mesmo que a medida não tenha efeitos práticos já no próximo mês, por razões operacionais, quando for feita a reposição terá de ser a partir de Junho.

O Tribunal declarou ontem inconstitucionais três das quatro normas que estavam em análise, após os pedidos de fiscalização sucessiva do PS, pelo PCP, BE e PEV, e Provedor de Justiça. Para além dos cortes salariais, norma considerada "excessiva e por isso constitucionalmente ilícita perante o princípio da igualdade", foram inviabilizadas mais duas medidas.

Joaquim Sousa Ribeiro, presidente do TC, explicou que a decisão se fundou quer no facto de o limite inferior dos cortes ter passados dos anteriores 1500 euros de remuneração (brutos) para os 675 euros, quer no alargamento dos cortes (de 2,5% a 12%, quando anteriormente eram entre 3,5 e 10%). A decisão foi tomada por dez votos a favor e três contra. Mas os juízes decidiram, nesta norma, limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade - que não terá efeitos retroactivos ao início do ano, entrando em vigor à data do acórdão. Ou seja, ontem. Uma limitação justificada por "razões de interesse público de excepcional relevo". Neste caso, a decisão foi mais renhida: oito votos a favor, cinco contra.

O TC declarou também inconstitucionais os cortes de 5 e 6% aplicados aos subsídios de doença e de desemprego. "Os fins orçamentais visados com esta norma não justificam que se sacrifique aqueles que auferem prestações de menor valor e cuja redução só deve constituir uma iniciativa extrema", refere o comunicado do TC. Foram ainda chumbados os cortes nas pensões de sobrevivência de viúvos com pensões de reforma superiores a 2000 euros. Pelo crivo do TC só passou a redução dos complementos de reforma nas empresas deficitárias do Estado

O governo fica agora com um rombo de cerca de 900 milhões de euros no orçamento em termos brutos, que baixará para 700 milhões em termos líquidos. Ontem, o primeiro-ministro não afastou o cenário de um novo aumento de impostos. "Não me posso comprometer com um não aumento de impostos na medida em que não sei se vai ser necessário", afirmou Passos Coelho, horas antes de ser conhecida a decisão do TC.

POUCO TEMPO Mas o executivo tem uma margem temporal muito reduzida para aplicar medidas compensatórias com a dimensão necessária. Qualquer aumento de impostos ou reposição dos cortes salariais mais moderados, para os quais o Tribunal mostrou abertura, têm de passar por um Orçamento Rectificativo. A experiência recente de outros chumbos mostra que este caminho demora três a quatro meses a produzir resultados. Foi o que aconteceu na reconfiguração da CES (Contribuição Extraordinária de Solidariedade) sobre as pensões e o aumento das contribuições para a ADSE. As medidas que responderam ao chumbo da convergência das pensões só entraram em vigor em Abril.

Na melhor das hipóteses, as alternativas podem estar no terreno em Setembro ou, mais provavelmente, Outubro. Mas estariam em vigor apenas três a quatro meses. No caso do aumento da taxa máxima do IVA, o cenário apontado como mais provável - uma subida de dois pontos para 25% - representa 1200 milhões de euros por ano, mas em três meses a cobrança seria de apenas 300 milhões de euros.

Também a reposição dos cortes salariais aprovados pelo governo de Sócrates teria um período de vigência curto, o que não permitiria compensar o buraco aberto pela decisão do TC. Antes de executar, o executivo terá ainda de acertar até Junho as alternativas com o FMI para fechar de vez o programa.

A FOLGA DE 910 MILHÕES Por outro lado, há hoje uma folga de 910 milhões de euros (ver texto do lado), que em tese permitirá absorver o choque das medidas chumbadas. Esta reserva orçamental serviu já no ano passado para compensar outro veto do Constitucional, que obrigou à reposição de um subsídio a funcionários e pensionistas. O impacto foi comparável e não houve medidas alternativas para além do corte adicional nas despesas e no investimento.


Só que em 2013 o governo teve ajuda da economia que permitiu um défice inferior ao previsto. Este ano, os dados do primeiro trimestre apontam no sentido contrário, o que poderá afectar a margem que hoje existe para acomodar a subida da despesa.

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