sábado, 22 de março de 2014

“Não podemos manter tudo em formol”, afirma Manuel Salgado. Há ou não hotéis a mais na Baixa?

Manuel Salgado, perante uma ausência de uma política e estratégia integrada de Urbanismo Comercial e de Planeamento Estratégico capaz de equilibrar os usos e funções do Centro Histórico, continua a afirmar que não pode substituir / intervir e regular “o mercado”.
Também reconhece que toda a função residencial começa ser ocupada exclusivamente por habitação de curto prazo.
Tal como eu já afirmei várias vezes em diversas circunstâncias:
 “Tudo dirigido ao novo “Bezerro de Ouro” que se chama Turismo, fenómeno importante com indiscutível potencial de reconhecimento e prestígio, com vasta dimensão económica, mas que sem gestão equilibrada, transforma as cidades em produto efémero e temporário.”

Mas não é precisamente a Função do Vereador do Urbanismo de planear e garantir este mesmo equílibrio e evitar o desastre que se adivinha com saturação “do mercado”( excesso de oferta / ocupação monofuncional ) e Omnipresença de Gentrificação Especulativa e Hotelaria,  tornando o centro  da cidade, numa área  proíbitiva e económicamente  inacessível para os seus próprios habitantes e tranformando-a exclusivamente num “palco” e “decor” da Globalização com as conhecidas consequências para a sua Identidade e Vivência no quotidiano ?
António Sérgio Rosa de Carvalho



“Não podemos manter tudo em formol”, afirma Manuel Salgado
O vereador de Lisboa diz, em entrevista ao PÚBLICO, que nos casos em que não é possível preservar as fachadas dos edifícios “se calhar é melhor fazer uma coisa diferente, e não macaquear o que lá estava”
Inês Boaventura / 22-3-2014 / PÚBLICO

O vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa, entidade que vários especialistas e cidadãos têm acusado de promover uma reabilitação em que só as fachadas dos edifícios são preservadas, garante que essa não é “de maneira alguma” a política que defende para a cidade. Ainda assim, Manuel Salgado sublinha que nem tudo pode ser conservado “em formol”.
“Tem de haver aqui bom senso. Não podemos manter tudo em formol”, afirmou o autarca, numa entrevista ao PÚBLICO à margem de uma conferência no âmbito da Semana da Reabilitação Urbana.
Manuel Salgado considera que o município tem feito aquilo que está ao seu alcance para evitar a proliferação de situações em que a frontaria dos prédios permanece mas o seu miolo não. E acrescenta que mesmo quando isso acontece há bons exemplos a assinalar, como o do número 240 da Avenida da Liberdade, onde no último Verão se instalou a loja da Cartier. “Eu acho que ficou um excelente edifício. A fachada foi mantida e o interior foi refeito porque estava completamente podre”, descreve o autarca.
Diferentes são os casos, como aquele com que se confrontou na passada quarta-feira, em que os promotores de operações de reabilitação para as quais foi determinada a manutenção dos edifícios originais se dirigem ao município pedindo-lhe que autorize a demolição mas assumindo o compromisso de mais tarde reproduzir a fachada original. “Para quê? Para ganhar 20 centímetros a toda a volta porque as paredes são mais estreitas”, explica Manuel Salgado, acrescentando que “o Plano Director Municipal não o permite”.
Quanto às situações em que a frontaria não pode efectivamente ser preservada, por estar “completamente podre” ou por não haver “hipóteses técnicas de a manter”, Manuel Salgado diz que “se calhar até é melhor fazer uma coisa diferente, e não estar a macaquear o que lá estava”. “Nalguns casos tem-se admitido pura e simplesmente arquitectura contemporânea”, refere, reconhecendo que “infelizmente nem todos os exemplos são excelentes”.
O vereador, que acumula os pelouros do Planeamento, Urbanismo, Reabilitação Urbana e Espaço Público, defende que seria importante para a cidade que se apostasse em contratos de arrendamento de curta duração, à semelhança do que acontece noutros países da Europa e nos Estados Unidos. O objectivo é que os edifícios possam ter ocupações provisórias, enquanto os proprietários não têm condições para os reabilitar, evitando-se assim que estejam devolutos e que a sua degradação se vá acentuando.
O autarca, eleito pelo PS, defende que a câmara deve contribuir para a reabilitação urbana essencialmente como “facilitadora, dinamizadora, reguladora”. “Não nos podemos colocar numa posição passiva de estar à espera que os investidores privados nos batam à porta a perguntar se podem fazer assim ou assado”, afirma Manuel Salgado.
O vereador destaca o trabalho já feito ou em curso em zonas de Lisboa como Avenida da Liberdade, Mouraria, Bica, Ajuda, bairros Padre Cruz e da Boavista, Marvila, Alfama e Castelo. “Mas tudo isto sabe a pouco porque a necessidade de reabilitação estende-se a toda a cidade”, reconhece Manuel Salgado. Mesmo no centro, admite, há “bolsas de pobreza extrema”, casas com “condições de habitabilidade inaceitáveis”, “situações graves ao nível da saúde pública” e um número significativo de edifícios total ou parcialmente devolutos.
Na intervenção que realizou no âmbito da Semana de Reabilitação Urbana, o autarca defendeu a necessidade de se encontrar “um novo modelo de financiamento à habitação”. Se tal não acontecer, diz, “tudo continuará a ser como dantes”.
“Não devíamos voltar a ter um financiamento à compra de casa própria, devíamos ter um mercado de arrendamento forte e saudável”, explicitou Manuel Salgado ao PÚBLICO. O autarca admite que esse financiamento “foi importante porque permitiu resolver rapidamente um problema de habitação”, mas lembra que também teve “efeitos perversos”.
Como exemplo da “irracionalidade urbanística” a que isso levou, o autarca aponta a Área Metropolitana de Lisboa, que “cresceu em mancha de óleo, cada vez mais longe”. “Primeiro houve crescimento nos concelhos à volta de Lisboa, como Amadora, Loures e Odivelas. Depois começou a haver mais longe, em Sintra, Vila Franca, Cascais. E agora já é em Mafra, Torres Vedras”, constata Manuel Salgado, lembrando que isso se traduz em mais tempo e mais energia gastos nas deslocações.

Há ou não hotéis a mais na Baixa?
Numa altura em que muito se tem falado numa suposta febre hoteleira na Baixa pombalina, Manuel Salgado diz que não compete à Câmara de Lisboa “fazer uma regulação do mercado”, algo que, em seu entender, nem sequer seria “desejável”. O autarca acredita que se os promotores avançam com os projectos é porque haverá procura e recusa a ideia de que se esteja a roubar espaço para a habitação.
“Não lhe sei dizer isso”, respondeu Manuel Salgado, quando o PÚBLICO lhe perguntou se não haverá um excesso de oferta quando todos os hotéis que têm vindo a ser licenciados para esta zona da cidade estiverem abertos. “Eu não sou hoteleiro, mas também não acredito que alguém se ponha a investir uns milhões a construir um hotel e não tenha feito as contas”, acrescenta, lembrando que, “na maior parte das cidades, os hotéis tendem a estar concentrados no centro”.
O vereador do Urbanismo admite que a opção por um equipamento desta natureza implica que haverá menos um edifício de habitação, mas sublinha que “são raros os hotéis que são construídos de raiz”, surgindo “a maior parte” deles em prédios que já tinham esse fim ou que eram pensões e foram entretanto reabilitados.
Além disso, afirma Manuel Salgado, é preciso que haja na Baixa, onde há 79 edifícios total ou parcialmente devolutos, “uma mistura” de usos, com residentes, emprego e comércio. A esse respeito, o autarca admite que se está a assistir a “uma coisa perversa” nesta zona: à transformação de “muita habitação” em habitação de curta duração.

Quanto à questão da preservação das lojas históricas, o vereador diz que “legalmente” a câmara “não tem mecanismos” para fazer mais. E apela à sociedade civil para que se organize, dando como exemplo Covent Garden, em Londres, onde “uma associação de comerciantes adquire espaços e os arrenda”.

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