quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Ideia de criar um Museu da Medicina no Hospital de São José ganha terreno. MUSEU DA SAÚDE SUGERIDO PARA A COLINA DE SANTANA. Necessidade de preservar memória gera consenso.


Ideia de criar um Museu da Medicina no Hospital de São José ganha terreno
A historiadora Raquel Henriques da Silva defendeu a necessidade de “resgatar” espólios que estão ao abandono em vários hospitais da colina de Santana
Inês Boaventura / 12 fev 2014 / Público

A criação de um Museu da Medicina no Hospital de São José foi defendida esta terça-feira por vários dos intervenientes naquele que foi o quarto debate promovido pela Assembleia Municipal sobre o futuro da Colina de Santana.
O mesmo é proposto pela Câmara de Lisboa no seu Documento Estratégico de Intervenção na zona, embora aí se deixe em aberto a localização desse equipamento.
Em discussão neste debate, que mobilizou mais de 200 pessoas, estava o impacte das propostas para os hospitais Miguel Bombarda, São José, Santa Marta e Capuchos “na memória e identidade histórica” desta zona da cidade. Mais uma vez, a decisão de encerrar esses estabelecimentos hospitalares, com a qual muitos munícipes, incluindo profissionais de saúde, não se conformam, dominou boa parte das intervenções.
Foi a historiadora Raquel Henriques da Silva quem introduziu a ideia de um Museu da Medicina, lembrando que existem já hoje “espólios de qualidade muito significativa”, dispersos por vários equipamentos da Colina de Santana. Por exemplo, o Museu Mac-Bride, em Santa Marta, que “está completamente abandonado” e onde se destaca a mesa de trabalho de Egas Moniz, e o núcleo museológico do Hospital dos Capuchos, que se assemelha a “uma arrecadação mal cuidada”.
A professora associada da Universidade Nova de Lisboa lembrou que existe já um Museu da Saúde, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, embora seja “um espaço virtual”. Nesse sentido, Raquel Henriques da Silva defendeu que “é impensável” que na colecção futura desse museu “a memória dos hospitais da Colina de Santana não permaneça, não seja regatada, tratada, cuidada e integrada”.
A historiadora não tem dúvidas de que o espaço com “vocação” para acolher um Museu da Medicina é o Hospital de São José, “independentemente de manter a valência hospitalar ou não”. No debate, Raquel Henriques da Silva propôs que a ex-presidente da Assembleia Municipal Simonetta Luz Afonso ficasse responsável pela elaboração de um plano nesse sentido.
O reitor da Universidade Nova de Lisboa aplaudiu a ideia e garantiu que esta instituição assumiu o compromisso de “ajudar a transformar a Colina de Santana na Colina do Conhecimento”, designação que tem sido promovida pela Câmara de Lisboa. António Rendas afirmou que “o património é sagrado mas não é intocável”, acrescentando que acima dele devem estar as pessoas.
O reitor destacou ainda que para um projecto como este possa avançar é preciso que os técnicos apresentem “soluções viáveis” para travar a degradação daquela zona da cidade e que o Governo se comprometa com “um cronograma inabalável”. “Os próximos anos vão ser excitantes para a colina”, concluiu António Rendas.
Mais críticos de todo este processo foram Vítor Freire, presidente da Associação Portuguesa de Arte Outsider, e o arquitecto José Aguiar. O primeiro manifestou-se contra o facto de os projectos arquitectónicos existentes preverem a demolição de muitos imóveis, sem estudos que o justifiquem e sem respeitar as Zonas Especiais de Protecção dos edifícios.
Vítor Freire, que tem sido particularmente crítico do projecto existente para o Hospital Miguel Bombarda, do qual foi administrador, denunciou ainda os “elevados índices de construção” previstos e o impacto “desastroso” que terão sobre a memória da Colina de Santana.
Já José Aguiar lamentou que não tenham sido equacionadas outras alternativas para os terrenos dos quatro hospitais, defendendo que se devia optar por uma “intervenção mínima”. O arquitecto também sublinhou a importância de “prever desde já usos para os edifícios desactivados”, para que não se transformem em ruínas quando deixarem de funcionar.
O Documento Estratégico de Intervenção para a Colina de Santana, elaborado pelos serviços camarários no fim de 2013, diz que “as questões patrimoniais e identitárias da área não podem ser menosprezadas” e propõe a criação de um Museu da Medicina, como forma de “perpetuar essas memórias para as gerações futuras”.

Notícia corrigida às 9h30: corrige nome do Museu da Saúde

MUSEU DA SAÚDE SUGERIDO PARA A COLINA DE SANTANA

Texto: Francisco Neves              Fotografia: Samuel Alemão

A instalação de um museu dedicado à saúde na Colina de Santana, tendo por núcleo principal o Hospital de São José, foi por mais que uma vez defendida no quarto de uma série de cinco debates sobre os impactos da operação urbanística em gestação para aquela zona do centro da cidade, organizado pela Assembleia Municipal de Lisboa e ocorrido ao princípio da noite desta terça-feira.
A historiadora Raquel Henriques da Silva, membro do painel do debate, foi quem primeiro apresentou a sugestão do museu, que aproveitaria “espólios de qualidade muito significativa”, pertença de diferentes hospitais da colina. Na zona de Santana, em Santa Marta, funcinou, entre 1957 e 1974, um Museu dos Hospitais Civis de Lisboa, agora abandonado e com as colecções dispersas, enquanto nos Capuchos existe o Museu da Dermatologia e no Miguel Bombarda se constituiu uma expressiva colecção de arte produzida pelos doentes que o frequentaram. No São José, ao rico património azulejar, junta-se, por exemplo, uma “biblioteca notabilíssima”.
A memória destes hospitais tem que permanecer, disse a historiadora. Para ela, “a vocação fundamental do Hospital de São José será a de núcleo principal” desse futuro Museu da Saúde, independentemente da função que o Estado lhe reserve. Também o cirurgião Damas Mora se pronunciou no mesmo sentido.
Para outros, como a médica Elsa Soares Jara, a vocação do São José é manter-se a funcionar como hospital, bem como os outros dois ainda em actividade. Considerando que não há fundamento para a destruição dos estabelecimentos de saúde da colina – num total de seis, nas mãos da empresa de capitais públicos Estamo, que os pretende lotear para construir habitação e hotéis –, afirmou: “Quem não honra o passado não terá nunca futuro”. Em sentido idêntico intervieram deputados municipais do PCP.
Num processo que já vem de longe, o Governo, invocando custos pesados das unidades hospitalares da Colina de Santana e a vantagem da sua substituição por um novo hospital – o de Todos-os-Santos, a erguer não se sabe quando, em Marvila –, entregou à Estamo seis unidades de saúde desactivadas ou a desactivar (São José, Miguel Bombarda, Capuchos, Desterro, Santa Marta e Santa Joana) para as reconverter em novas urbanizações. Os processos conducentes ao loteamento das quatro primeiras desta série já deram entrada na Câmara Municipal de Lisboa.
“O património é sagrado, mas não é intocável”, sintetizou António Rendas, reitor da Universidade Nova de Lisboa, que assumiu um compromisso: “Vamos ajudar a transformar a Colina de Santana na Colina do Conhecimento. Para isso, “é preciso dar voz aos técnicos e à sociedade”, disse. Aqueles devem “apresentar soluções viáveis, porque não creio que ninguém esteja satisfeito com a degradação da Colina de Santana”, disse. “Digam o que querem fazer e quanto é que custa. Sem isso, ficamos em terreno pantanoso”. Defendeu ainda que se ouçam também os responsáveis hospitalares. Lembrando que a medicina que se faz neste conjunto de hospitais “é de grande qualidade”, perguntou como é que se vai fazer a transição entre estes e o futuro Hospital de Todos-os-Santos.
A colina deve manter uma ou mais unidades de saúde, defendeu, por seu turno, José Aguiar, professor da Faculdade de Arquitectura de Lisboa. Este membro da mesa de oradores lamentou que o Documento Municipal de Estratégia para a intervenção não preveja mais do que reabilitar os edifícios mais pobres e que permita a densificação imobiliária no que toca ao “bife” da colina – os grandes recintos hospitalares.
Segundo Vítor Freire, administrador hospitalar, o índice de construção proposto pela Estamo para o Hospital de São José, com prédios de cinco andares, é alto e, a ser cumprido, constituirá “um atentado à cultura portuguesa e europeia”. Os projectos não contemplam zonas especiais de protecção, criticou. Propôs, por isso, o congelamento dos projectos para os recintos hospitalares, que só deverão ser negociados após a construção do seu substituto, em Marvila. E sugeriu a criação de um pólo cultural no desactivado Hospital Miguel Bombarda, para a arte “outsider” produzida por antigos doentes, a ser servido por uma linha de eléctrico vinda do Martim Moniz.
Os cerca de duzentos participantes no penúltimo debate dedicado ao impacto da intervenção urbanística na Colina de Santana puderam observar que algumas demolições de limpeza já começaram em edifícios desocupados, como é o caso do Desterro, onde se repôs o claustro, que fora fechado.
A prevista demolição de edifícios registados na carta municipal do património não é pacífica. Segundo Maria Ramalho, membro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), tais intervenções “carecem de fundamentação séria” e “há edifícios muito bons que não estão classificados”. Um deles será o edifício em “poste telefónico” das enfermarias do Miguel Bombarda.
Mesmo fora das cercas que delimitam as grandes unidades de intervenção entregues à Estamo, esta é “uma das zonas mais ricas da cidade de Lisboa do ponto de vista patrimonial”, comentou o olissipógrafo José Sarmento de Matos, que ali tem estudado diversos edifícios do século XVIII pós-1755, onde se incluem exemplos de alternativas ao modelo construtivo aplicado pela Sala do Risco na Baixa Pombalina – uma delas é o palacete Tomé Sequeira, na Calçada de Santana.

No termo da discussão, a deputada municipal Simoneta Luz Afonso (PS) diria ter ficado “uma certeza: queremos preservar a memória da Colina de Santana”. Da série de debates deverá sair um conjunto de recomendações da Assembleia Municipal ao executivo camarário.


COLINA DE SANTANA
Necessidade de preservar memória gera consenso
por Inês Banha Hoje in DN online

Hospital de São José é visto como a melhor hipótese para albergar núcleo museológico sobre saúde. Demolição de construções não classificadas criticada
"Queremos todos preservar a memória da Colina de Santana. Como, vamos trabalhar." Foi com estas palavras que, ao início da noite de ontem, Simonetta Luz Afonso deu por terminada a última de quatro sessões temáticas na Assembleia Municipal de Lisboa (AML) sobre o futuro daquele território, numa reunião que ficou marcada, ao contrário do que tem sido habitual, pelo consenso entre os intervenientes na discussão. Em causa está a necessidade de manter viva a história dos hospitais ali existentes - os já desativados Miguel Bombarda e do Desterro e os ainda em funcionamento São José, Santa Marta e Santo António dos Capuchos.
O mote foi lançado no início do debate sobre o impacte das propostas "na memória e identidade histórica da Colina de Santana" por Raquel Henriques da Silva, historiadora e um dos membros do painel de oradores. "É impossível que na Colina de Santana as memórias [de saúde] não permaneçam e que as coleções [que existem nos hospitais] não sejam resgatadas, tratadas e estruturadas", frisou, lembrando que foram vários os núcleos do género que já ali foram instalados.
Um deles - o Museu dos Hospitais Civis de Lisboa - funcionou em Santa Marta entre 1957 e 1974, outro a partir de 1977 em Santo António dos Capuchos, mas, a avaliar pelo debate de ontem, hoje parece ser São José a localização que reúne mais apoiantes, "independentemente" de este vir a deixar, ou não, de ter uma função hospitalar. O espaço poderia, de resto, integrar uma rede cultural que incluísse também os restantes equipamentos de saúde da Colina de Santana.
Até porque, salientou o olisipógrafo José Sarmento de Matos e também membro da mesa, a memória histórica do território delimitado pelas avenidas Almirante Reis e da Liberdade não se resume àqueles edifícios. Exemplo disso é uma "casa nobre apalaçada", datada de 1764, na Calçada de Santana, o palácio que em tempos pertenceu ao Patriarcado de Lisboa ou o Bairro do Andaluz, construído no século XVI. Não é, por isso, de estranhar que a criação de "rotas turísticas" tenha sido uma das hipóteses referidas pelo público e que consta, de resto, do Documento Estratégico de Intervenção na área.
O estudo é da autoria da Câmara Municipal de Lisboa, mas baseia-se no Projeto Urbano coordenado pela arquiteta Inês Lobo, que inclui os projetos de reconversão dos hospitais Miguel Bombarda, São José, Santa Marta e Santo António dos Capuchos ou em hotéis ou prédios de habitação - uma opção que ontem foi alvo de críticas, por, entre outros aspetos, prever a demolição de todos os imóveis que não sejam classificados.
"Cerca de metade das construções não é conventual", assegurou Vítor Freire, outros dos oradores presidente da Associação Portuguesa de Arte Outsider, que expõe, nomeadamente, no Miguel Bombarda. O recinto é um dos que, se a proposta em cima da mesa se concretizar, vão perder um dos seus edifícios mais característicos - a enfermaria em forma de poste telefónico.

A 11 de março, a AML deverá debater as conclusões das quatro sessões temáticas

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