quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Pobres de Inglaterra retratados em série na TV insultados como "lixo" nas redes sociais. Benefits Street Birmingham documentary criticised


Pobres de Inglaterra retratados em série na TV insultados como "lixo" nas redes sociais
ANA DIAS CORDEIRO 09/01/2014 – in Público

Documentário sobre a vida de ingleses de Birmingham a viverem das ajudas do Estado acusado de incitar ao ódio. Regulador do audiovisual recebeu centenas de queixas.
Os residentes da James Turner Street de Birmingham, norte de Inglaterra, não gostaram de se ver retratados na série-documentário Benefits Street que o canal de televisão no Reino Unido Channel 4 estreou na passada segunda-feira. Pouco depois de o primeiro episódio ir para ar, receberam ameaças nas redes sociais, onde foram acusados de serem "parasitas".

O primeiro de cinco episódios de uma série, que se apresenta como documentário “equilibrado e observador” da vida dos residentes desta rua, muitos dos quais sem trabalho e a viver das ajudas do Estado, foi transmitido na segunda-feira à noite. O segundo está previsto para uma semana depois, mas uma petição com milhares de assinaturas pede a suspensão da série sob pena de continuar a "incitar ao ódio". 

Com 4,3 milhões de telespectadores, o primeiro episódio permitiu ao canal alcançar níveis de audiência a que não chegava há um ano. Mas também suscitou reacções extremas de repúdio por incitar à violência, “distorcer” a realidade das pessoas a viverem no limiar da pobreza, e passar uma imagem negativa dos residentes da James Turner. Estes queixam-se da imagem passada de que todos são parasitas, irresponsáveis como pais, e estão próximos da delinquência ou da dependência de drogas.

A Polícia de West Midlands, região de Birmingham, anunciou que ia lançar uma investigação depois de receber dezenas de chamadas de telespectadores preocupados com alguns relatos na série que mostra residentes a gabarem-se de ter cannabis plantado em casa e de descreverem roubos em pequenas lojas.

Comentários contra quem vive de subsídios
Momentos depois da estreia da série, as redes sociais encheram-se de comentários depreciativos contra os desempregados e os pobres, a viver de subsídios, e em especial contra os habitantes de James Turner Street, alvo de ameaças de violência. “Quero ir a essa Benefits Street com um taco de baseball e partir a cabeça a esses imbecis”, disse um telespectador no Twitter. Outro defendeu que se devia “pôr fogo à Benefits Street” onde os residentes eram "lixo". Também houve quem defendesse que os protagonistas da série deviam ser “castrados”, “tratados como cães” ou “comidos pelos porcos”.

Em reacção, no Twitter e no Facebook, também se partilharam comentários e posições em defesa dos protagonistas desta série. E lançou-se uma pergunta: "Por que não está a família real em Benefits Street? São os maiores parasitas da história."

Na quarta-feira de manhã, a estação – que é financiada apenas por meios privados de publicidade e patrocínios, embora seja de propriedade pública e funcione sem participações de accionistas – tinha recebido queixas de 400 pessoas e o regulador das televisões 300. Também por essa altura, uma petição, lançada a pedir a não transmissão dos restantes episódios, tinha recolhido pelo menos 3000 assinaturas.

“Preocupa-me o ódio que mais um episódio desta séria venha a suscitar”, disse ao diário Independent Arshad Mahmood, que foi condutor de autocarro em Birmigham durante 33 anos e foi quem teve a iniciativa de lançar a petição. Depois de uma cirurgia, deixou de trabalhar e passou a viver dos subsídios e ajudas do Estado. Diz-se “chocado” com as reacções ao primeiro episódio e lamenta que uma televisão de serviço público não tenha tido “uma abordagem responsável do tema”.

Filmagens duraram um ano
Benefits Street era para se chamar Community Spirit, dizem alguns protagonistas da série que se sentem traídos pela produtora Love Productions. Ao jornal Independent ou Birmigham Mail, contam que foram abordados para um documentário sobre “o grande espírito comunitário” entre os habitantes desta rua na zona de Birmingham conhecida por Winson Green. As filmagens duraram um ano.

O canal reconhece que “tocou num ponto sensível” da sociedade no Reino Unido, mas garante que deu a oportunidade a todos os protagonistas de visionarem a série antes de ela começar a ir para o ar e não os enganou. Teve a intenção de abordar a natureza “diversa e vibrante” desta comunidade e escolheu James Turner Street por 90% dos seus residentes viverem de ajudas do Estado. E desmente a versão de que a série se enquadra na visão e no discurso da extrema-direita.

O segundo episódio retrata a chegada a esta rua de imigrantes da Europa de Leste, numa altura em que o país assiste a um vivo debate sobre a possibilidade de búlgaros e romenos trabalharem livremente no Reino Unido, desde o passado dia 1 de Janeiro, quando terminou o prazo dado a países, como o Reino Unido, que assim o quiseram, para aplicarem restrições à entrada de trabalhadores destes dois países, os últimos a entrarem na União Europeia (UE), em 2007.

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