sábado, 21 de dezembro de 2013

O PS não é confiável como partido da oposição. Os erros do Partido LIVRE


“No passado podia haver pobres, estes tinham, porém, a possibilidade de ter uma dinâmica social e política para saírem da pobreza, uma capacidade de inverterem as relações sociais que lhes eram desfavoráveis. Eram pobres, mas não estavam condenados à pobreza. Era isso a que se chamava “a melhoria social”, num contexto de mobilidade e num contrato social que permitia haver adquiridos. Agora tudo isso aparece como um esbanjamento inaceitável, e o que hoje se pretende é que os pobres, cada vez mais engrossados pela antiga classe média, sejam condenados à sua condição de pobreza em nome de uma crítica moral ao facto de “viverem acima das suas posses”, perdendo ou tornando inútil os instrumentos que tinham para a sua ascensão social, a começar pela educação, pela casa própria, e a acabar nas manifestações e protestos cívicos, as greves e outras formas de resistência social. É um conflito de poder social que atravessa toda a sociedade e que se trava também nas ideias e nas palavras, em que a comunicação social é um palco determinante, com a manipulação das notícias, a substituição da informação pelo marketing e pela propaganda. E o PS escolheu estar ao lado dos “ajustadores”.


OPINIÃO
O PS não é confiável como partido da oposição
JOSÉ PACHECO PEREIRA 21/12/2013 - 00:18
O PS de Seguro ou não percebe o sentido de fundo da actual política de “ajustamento”, ou, pelo contrário, percebe bem de mais e quer ser parte dela.

O Governo, o PSD e o CDS, e todos os apoiantes do “ajustamento” na versão troika-Gaspar-Passos, obtiveram uma importante vitória política ao levarem o PS a assinar um acordo a pretexto do IRC. Foi um dia grande. “Rejubilai”, dizem os anjos do “ajustamento”. Dizem bem.

Nesse mesmo dia, os professores contratados foram abandonados pelo PS, que apenas pediu uma pífia “suspensão” da prova, e os trabalhadores dos Estaleiros de Viana, que marcharam pelas ruas de Lisboa com as suas famílias, a caminho da miséria, não merecem nem um levantar de sobrancelhas dos doutos conselheiros económicos do “líder” Seguro. O PS, que tinha já enormes responsabilidades na situação actual de ambos os sectores profissionais, agora mostrou de novo por que razão não é confiável como partido de oposição, mas, pelo contrário, é confiável, pela mão de Seguro, para lá de muitas encenações, para os que mandam em Portugal, sempre os mesmos.

É que o acordo sobre o IRC não é sobre o IRC. O IRC, repito, foi o pretexto. Aliás, a pergunta mais simples a fazer, a óbvia, aquela que a comunicação social, se não estivesse subjugada à agenda e aos termos dessa agenda do poder político dominante, faria é esta: por que razão é que um acordo deste tipo não veio da Concertação Social, mas de conversações entre os dois partidos? Por que razão é que o Governo nunca esteve disposto a fazer este tipo de cedências diante da CCP ou da UGT, já para não dizer da CIP e da CGTP, mas está disposto a fazê-lo com o PS? Ou, dito de outra maneira, que vantagem tem o Governo em fazer este acordo com um partido da oposição e não com os parceiros sociais? Ou ainda melhor: o que é que o PSD e o CDS obtiveram do PS que justificou este remendo, aliás, pequeno e de pouca consequência, na sua política? É que, convém lembrar, o Governo não precisava do voto do PS para passar esta legislação, e é por isso que o único ganho de causa é o do Governo.

O acordo foi um acordo político de fundo que amarra o PS a sistemáticas pressões governamentais e outras, para que passe a ser parte do “consenso” que legitime a actual política. O que está em causa é algo que seria, se as classificações ideológicas tivessem alguma correspondência com a realidade, inaceitável por um partido socialista, como o é para um social-democrata, moderado que seja. O sentido de fundo do “ajustamento” está muito para além do resolver os problemas mais imediatos do défice ou da dívida, mas traduz-se numa significativa alteração das relações sociais a favor dos senhores da economia financeira, em detrimento daquilo que a maioria da população, classe média e trabalhadores, remediados e pobres, tinham conseguido nos últimos 40 anos.

O que marcará com um rastro profundo Portugal para muitos anos é acima de tudo essa transferência de poder, recursos e riqueza na sociedade. Ela faz-se pela mudança de fundo no terreno laboral, com a aquiescência do PS – recorde-se que aceitou sem críticas o acordo assinado pela UGT –, com a fragilização das relações entre trabalhadores, o elo mais fraco, e o patronato, o esmagamento da classe média pelo assalto à função pública, aos salários, reformas e pensões. A destruição unilateral dos “direitos adquiridos” destinou-se não apenas a garantir essa enorme transferência de recursos, mas acima de tudo a enfraquecer o poder social dos trabalhadores, dos funcionários públicos, dos detentores de direitos sociais.

 No passado podia haver pobres, estes tinham, porém, a possibilidade de ter uma dinâmica social e política para saírem da pobreza, uma capacidade de inverterem as relações sociais que lhes eram desfavoráveis. Eram pobres, mas não estavam condenados à pobreza. Era isso a que se chamava “a melhoria social”, num contexto de mobilidade e num contrato social que permitia haver adquiridos. Agora tudo isso aparece como um esbanjamento inaceitável, e o que hoje se pretende é que os pobres, cada vez mais engrossados pela antiga classe média, sejam condenados à sua condição de pobreza em nome de uma crítica moral ao facto de “viverem acima das suas posses”, perdendo ou tornando inútil os instrumentos que tinham para a sua ascensão social, a começar pela educação, pela casa própria, e a acabar nas manifestações e protestos cívicos, as greves e outras formas de resistência social. É um conflito de poder social que atravessa toda a sociedade e que se trava também nas ideias e nas palavras, em que a comunicação social é um palco determinante, com a manipulação das notícias, a substituição da informação pelo marketing e pela propaganda. E o PS escolheu estar ao lado dos “ajustadores”.

Pode-se argumentar que a “cedência” do PS permitiu algum alívio às pequenas e médias empresas, e que por isso há um ganho de causa. Talvez, e isso seria bom, se fosse apenas isso. Mas o que o PS cedeu é muito mais do que isso: é um contributo decisivo para manter a actual política em tudo o que é fundamental, a começar pela prioridade do alívio às empresas e aos negócios em detrimento das pessoas e do consumo. O PS enfileirou no núcleo duro do discurso governamental, mais sensível às empresas do que às pessoas, aceitando que, a haver abaixamento dos impostos, ele deve começar pelas empresas e não pelos indivíduos e as famílias, pelo IRC e não pelo IRS e pelo IVA.

Eu conheço a lengalenga de que os benefícios às empresas, à “economia”, são a melhor maneira de beneficiar as pessoas, e que é a “vitalidade” da economia que pode permitir todos saírem da crise. Em abstracto, poderia ser assim, no nosso concreto, não é. Chamo-lhe "lengalenga" porque no actual contexto a inversão muito significativa dos poderes sociais torna muito desigual a distribuição de benesses oriundas deste tipo de medidas, reforça os mais fortes como um rio caudaloso e chega tardiamente e sem mudar nada, como um fio de água, aos que mais precisam. E a outra verdade que tem que ser dita é que este tipo de acordo no IRC vai tornar mais difícil que haja uma diminuição significativa do IRS ou do IVA, ou seja, quem vai pagar os benefícios a algumas empresas são outras empresas mais em risco e as pessoas e as famílias.

Numa altura em que a campanha eleitoral para as europeias e a, mais distante, das legislativas são já um elemento central das preocupações partidárias do PSD e do CDS, o PS deu-lhes um importante trunfo político, e um sinal de que não confia nas suas próprias forças para ganhar as eleições e muito menos governar sozinho. Um acordo PS-PSD feito pela fraqueza e assente na continuidade da política actual prenuncia apenas que, seja o PS, seja o PSD, a governarem em 2015, cada um procurará no outro um seu aliado natural, não para uma política de reformas, mas para garantir a política que interessa ao sector financeiro, que capturou de há muito a decisão política em Portugal. 

O PS de Seguro mostrou que não é confiável como partido da oposição e que ou não percebe o sentido de fundo da actual política de “ajustamento”, de que este abaixamento do IRC é um mero epifenómeno, ou, pelo contrário, percebe bem de mais e quer ser parte dela. Inclino-me, há muito, para a segunda versão. Seguro e os seus criaditos diligentes estão ali para servirem as refeições aos que mandam, convencidos que as librés que vestem são fardas de gala num palanque imaginário. Vão ter muitas palmas e responder com muitos salamaleques.


Estamos assim.

OPINIÃO
Os erros do Partido LIVRE
EURICO FIGUEIREDO e FERNANDO CONDESSO 21/12/2013 in Público

A declaração de princípios do candidato a partido LIVRE é uma declaração social-democrata (liberdade, igualdade, justiça social, socialismo não estatal), europeísta e pugnando por uma democracia europeia, universalista, ecologista, declaração absolutamente compatível com os princípios de qualquer partido social-democrata europeu.

O LIVRE pretende vir a colocar-se a meio da esquerda.

Afirmam-se como tal, em Portugal, o PCP, BE e PS. O primeiro apenas governou no PREC e fez perigar a evolução do país para uma democracia representativa. O PCP e o BE funcionam, sobretudo, como partidos de protesto. Ajudam a derrubar governos, mas não procuram criar alternativas credíveis em democracia.

Da esquerda  considera-se também o PS: a este podemos atribuir uma influência decisiva na criação de uma democracia representativa e de um Estado social em Portugal.

O PPD quis-se atribuir os méritos da social-democracia, passando a chamar-se "social-democrata". O pensamento de Sá Carneiro iria nesse sentido. Procurou filiar o partido que dirigia na Internacional Socialista. Mas nunca, com seriedade, se assumiu como um partido de esquerda – o que não  impediu que coexistisse neste partido uma forte corrente social-democrata, agora completamente impotente e extremamente crítica da actual governação, como o é um dos autores deste artigo.

Para compreendermos, ou melhor, não compreendermos o posicionamento do LIVRE, vamos, numa rápida pincelada, analisar as flutuações de voto entre o PS e PSD desde 1976. 

Nesse ano o PS obteve cerca de 800 mil votos mais do que o PSD. Mas já em 1979 perdeu para a aliança de direita, AD, que obteve  à volta 300 mil votos mais do que o PS. E em 1980, a coligação de centro-esquerda ficou a mais de 1 milhão 100 mil votos da coligação de direita.

Contudo, em 1983, o PS voltou a ultrapassar o PSD em cerca de 500 mil nvotos.

O terramoto PRD surgiu em 1985. Este novo partido, dito "eanista", obteve acima de 1 milhão de votos, conquistados sobretudo ao PS, mas também ao PCP. O PRD foi o único partido de massas, efémero, é certo, a surgir depois de 1976. A indecisão do seu líder real, general Eanes, de excepcional prestígio, acabou por o fragilizar.

Na sequência da vitória de 1985, o PSD, em 1987, ultrapassou o PS, com a enorme vantagem de cerca de 1 milhão e 600 mil votos, diferença que manterá, aliás, em perda, em 1991, mas conservando  ainda mais de 1 milhão e 200 mil votos do que o PS.

Nova viravolta em 1995: o PS ultrapassou o PSD em mais de meio milhão de votos, tendo mesmo aumentado esta vantagem em 1999.

Esta situação inverteu-se em 2002: o PSD obteve uma ligeira vitória sobre o PS, não indo, contudo, a diferença além de cerca de 150 mil votos.

Nova cambalhota em 2005: o PS conseguiu arrecadar cerca de 1 milhão de votos mais do que o PSD. Vantagem que se mantém em queda em 2009: o PS obteve quase mais 500 mil votos do que o PSD, pressagiando a vitória do PSD em 2011 com mais de 600 mil votos do que o PS.

Temos, deste modo, desde 1976, seis vitórias do PS e cinco do PSD. Com a vitória de cada um destes partidos a deslocar, habitualmente, centenas de milhares de votos!

Foi também nesta área que surgiu em 1985 o PRD, aliás, também social-democrata.

Por que é que o LIVRE não procurou inserir-se nesta área sempre em movimento, com propostas inovadoras a nível da democracia participativa (faz algumas), quando os partidos políticos e a democracia representativa estão em queda livre em termos de prestígio?

Sendo, todavia, indiscutível que centenas de milhares de votos se deslocaram pendularmente ora para o PSD, ora para o PS, votando os eleitores à esquerda, sem complexos, quando o julgaram necessário. Estes votantes são o sal da democracia portuguesa! Exigentes e disponíveis.

Para sermos mais claros, vamos analisar a evolução dos partidos que se pretendem colocados à esquerda do PS desde as primeiras eleições livres em 1976.

Nas primeiras eleições livres o PCP obteve cerca de 800 mil votos. Cresceu em 1979, através de uma frente unitária, que manteve até agora sob outras formas, atingindo então o seu máximo histórico: mais de 1 milão e 100 mil votos.

Baixando, todavia, em 1980 para cerca de 1 milhão de votos, score que manteve em 1983. Desceu, em 1985, para cerca de 900 mil votos, também afectado pelo fenómeno PRD.

Descida que continua em 1987, conquistando 700 milhões de votos, e em 1991, com meio milhão.

Conseque estabilizar a queda em 1995 e 1999, mas continua em queda ligeira em 2002, com cerca de 400 mil votos. Sobe, contudo, ligeiramente em 2005 e 2009, captando cerca de 450 mil votos em 2011.

Entretanto surgiu o BE, que sobe sempre de 2002 a 2005 e 2009, atingindo mais de meio milhão de votos. Para, contudo, regredir em 2011 para cerca de 300 mil votos.

O que significa que o BE e o PCP juntos só atingiram o máximo histórico da coligação comunista de 1979 em 2009, para decaírem em 2011.


O que nos leva a admitir que um partido claramente social-democrata, a meio da esquerda, num momento de gravíssima crise económico-financeira, dificilmente se poderá implementar na área do PCP-BE. O mais certo é a subida do PCP com uma longa tradição de luta nesta área.

Mas há algo de mais surpreendente: o LIVRE tem a pretensão de poder unir a esquerda, o que explicita no Roteiro para a Convergência. Compreenderíamos que este possa ser o objectivo de um movimento cívico. Os autores deste artigo pertenceram a um movimento cívico que teve, sem sucesso, essa pretensão piedosa.

Mas pôr esse objectivo como a primeira intenção de um novo partido, que para existir terá de ir buscar votos ao PS, BE e PCP, é, a nosso ver, de uma comovente ingenuidade.

Professores catedráticos

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