domingo, 15 de dezembro de 2013

Aviso à Europa: a revolta dos Forconi



Aviso à Europa: a revolta dos Forconi
Análise Jorge Almeida Fernandes / 15 dez 2013 / Público

1. A Itália foi sacudida na segunda-feira pela revolta dos Forconi (forquilhas). Centenas de manifestações e concentrações, estradas bloqueadas, autocarros, linhas de metro e comboios parados por piquetes, intimidação de comerciantes para fecharem os estabelecimentos, confrontos com a polícia e cenas de “guerrilha urbana em Turim” (título do Corriere della Sera). A palavra de ordem era “parar a Itália” durante cinco dias, de 9 a 13. Contra o Governo e o fisco, a Europa e a globalização. A “greve” foi muito parcial, mas a cobertura mediática fez dos Forconi o sujeito da semana. Prometem continuar nos próximos dias com uma concentração nacional em Roma.

2.
Quem protesta? Camionistas (patrões e motoristas), comerciantes, artesãos, agricultores, taxistas, desempregados, trabalhadores precários, vendedores ambulantes, reformados e, por fim, estudantes. É uma mobilização social e politicamente heterogénea, com muitas siglas e chefes, mas sem uma liderança reconhecida. A forquilha, arma primitiva dos camponeses, é um símbolo histórico. Tal como o “barrete vermelho” dos bretões na recente sublevação contra a “ecotaxa” do Governo francês.
As raízes deste tipo de protestos são muito antigas e não são específicas da Itália. O termo “Il Popolo de I Forconi” foi usado pela primeira vez na Sicília, em Janeiro de 2012, nas mobilizações contra as medidas fiscais de Mario Monti. A novidade é que, desta vez, a mobilização verificou-se sobretudo nas grandes cidades do centro e Norte. Aquilo que era um protesto local ganhou dimensão nacional. E tem como actores categorias sociais que antes da crise tinham uma baixa participação política.
Um dos seus panfletos resume as queixas. Protestam “contra o Farwest da globalização que fez desaparecer o trabalho”; são contra “este modelo de Europa” e lutam para se “reapropriarem da soberania popular e monetária”; são contra “o governo de nomeados” e “pela reapropriação da democracia”; combatem “a política de austeridade”; travam, enfim, uma batalha contra o fisco: “Basta de impostos.” As reivindicações sectoriais são múltiplas: os comerciantes exigem, por exemplo, a proibição de novos centros comerciais.

3.
A mobilização decaiu a partir de 11. “Os Forconi apagar--seão provavelmente por falta de oxigénio, mas o fogo pode reacender-se, já em Janeiro, sob formas mais radicais”, previne o politólogo Paolo Feltri. “É uma mistura explosiva” e “não há travões”. Eles agem à revelia da maioria das associações profissionais. E muito menos ouvem partidos e sindicatos, cuja capacidade de representação é hoje diminuta.
Não querem falar com o Governo. Querem pô-lo na rua. É um movimento sem objectivos claros, a não ser a revolta contra as instituições. Como os manifestantes marcaram um prazo, os políticos tenderão a esperar que ele se esgote. Mas já dura há dois anos e, como se disse, acaba de ganhar uma dimensão nacional.
Beppe Grillo, que muito influenciou as suas palavras de ordem, foi o primeiro político a tirar partido do protesto. Apelou aos polícias que se pusessem ao lado dos manifestantes. Berlusconi anunciou um diálogo com os Forconi, mas recuou. Ambos contam retirar dividendos nas próximas eleições europeias. Há grupos de extrema-esquerda e, sobretudo, de extremadireita que “infiltraram” as manifestações. A Liga Norte fez suas as reivindicações da revolta. A imprensa próxima de Berlusconi trata-a com simpatia.
No La Stampa, de Turim, o editorialista Luigi La Spina denunciou “o simbólico abandono do campo por parte do Estado”, apenas presente através da polícia, o que levou cidadãos a ameaçar organizarem contramanifestações para defenderem o direito ao trabalho, com risco de conflito civil. E critica, acima de tudo, a inércia do Estado perante os problemas italianos.
Os líderes dos Forconi apelaram à não violência, o que não evitou confrontos e “derrapagens”. Foram divulgadas listas de nomes e moradas de funcionários fiscais. Em Turim, houve a ameaça de “queimar os livros” de um livreiro que não queria fechar as portas.
Um dos líderes, Andrea Zunino, suscitou indignação por uma tirada anti-semita: “Queremos a demissão do Governo, a soberania da Itália, hoje escrava de banqueiros como os Rothschild. É curioso que entre os mais ricos do mundo cinco ou seis sejam judeus.” Admira Grillo e o nacionalista húngaro Viktor Orban, “que está a libertar o país”.

4.
Podem fazer-se aproximações aos “barretes vermelhos” da Bretanha, sem conotações de direita, ou ao discurso político de Marine Le Pen. O analista americano George Friedman pensa que o fenómeno tende a tornar-se internacional: “Há uma forte agenda anti-establishment, que critica não só os políticos italianos, mas também as medidas de austeridade impostas pela UE e, sobretudo, o aumento indiscriminado dos impostos.”
As análises italianas são mais matizadas. O editorialista Michele Bambrilla previne no La Stampa: “No Norte há algo de mais profundo do que o protesto. É a vontade de ir embora. É uma raiva que já não é contra os políticos mas contra o Estado, o que é muito pior.” Cita um deputado do PD que reconhece: “A esquerda sempre teve um preconceito negativo perante o pequeno empresário, que considera um evasor fiscal.” Mas ele considera-se um trabalhador.
O sociólogo Antimo Farro vê os Forconi não como um movimento social, mas como “uma mobilização de protesto contra um sistema político incapaz de construir uma perspectiva de crescimento do país”. A falta de organização é certamente um limite para o fenómeno. “Pode ser efémero, mas o ponto de unidade é o ataque ao sistema político.”
O sociólogo Lorenzo Bordogna remete para “a frustração difusa das classes médias”. Mas é preciso distinguir. A frustração social não é apenas dos marginalizados. “Os transportadores rodoviários não o são. Trata-se de categorias que sofrem um constrangimento fiscal, combinando um aumento do imposto com a diminuição dos subsídios.”
“Os Forconi parecem uma emanação do protesto do Movimento 5 Estrelas [de Beppe Grillo], uma espécie de adaptação do evangelho grillino a um nível cultural mais baixo. Mas, na verdade, ninguém conhece a composição social deste movimento que em cada território assume uma forma diferente”, observa o historiador Paolo Natale.

Outro historiador, Guido Crainz, sublinha a “incapacidade da esquerda italiana em projectar o futuro e modificar radicalmente a sua maneira de ser para restituir ao cidadão a confiança na democracia”. Num país desorientado, os Forconi exprimem não só a rejeição da austeridade, mas “a ausência de uma ideia sobre o futuro”.

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