sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Rui Tavares. "Louçã opôs-se a primárias no BE para defender privilégios da direcção"


Rui Tavares. "Louçã opôs-se a primárias no BE para defender privilégios da direcção"
Por Isabel Tavares
publicado em 29 Nov 2013 in (jornal) i online

O eurodeputado diz que neste momento a passividade não é uma opção e por isso decidiu fundar o partido Livre
Rui Tavares, eurodeputado independente eleito pelo Bloco de Esquerda, com que rompeu, diz que se hoje houvesse eleições em Portugal não saberia em quem votar. Este foi o mote para lançar o partido Livre, o da papoila. Garante que não quer dividir para reinar e cita a máxima de Platão: o castigo para quem não acredita na política e não se interessa por ela é ser governado por gente pior. As assinaturas necessárias para fazer o Livre ainda não foram conseguidas, "mas já ultrapassámos um décimo do necessário", disse ao i, uma semana depois da entrevista, que teve lugar em Estrasburgo. Ir às eleições europeias, que se realizam em Maio de 2014, era um dos objectivos, mas, se não for possível, há um lado positivo: "Mostrar que o que eu queria não era um poleiro no PE."

Como vê a candidatura de Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, à Comissão Europeia?

É importante que tenhamos um candidato à Comissão, isso contribui para normalizar a política europeia, beneficia os países pequenos.

Vai votar em Schulz?

Temos de ser muito exigentes com os candidatos. Deviam começar por convidá-los a ir a Portugal, fazer debates, para que se comprometam publicamente e não esqueçam as suas promessas. Martin Schulz tem tido boas posições em relação à União Europeia, defende as eurobonds, foi um apoio muito grande durante o meu relatório da Hungria... Mas agora, nas negociações do orçamento, permitiu que um compromisso assumido no Conselho, à porta fechada, e que em vários pontos prejudica países como Portugal, fosse votado no Parlamento usando uma regra de secretaria.

Cá se fazem, cá se pagam?

Lá está, se ele estava numa posição interessante para ter um apoio da minha parte, perdeu-o. O que aconteceu no Parlamento [votação do quadro financeiro plurianual] não foi compatível com o que ele tem dito. E Portugal está desesperado por dinheiro, é um país vulnerável, que prefere menos dinheiro já a dinheiro em melhores condições mais à frente. Isto leva-me a perguntar se será assim que Schulz irá agir na Comissão...

Há outros candidatos...

Os Verdes, o grupo em que estou - embora não faça parte do Partido Verde europeu -, estão a fazer uma coisa muito interessante, que é organizar primárias abertas a todos os cidadãos da Europa, com quatro candidatos, que têm o apoio dos partidos nacionais. Há diversidade e combate político. Não percebo como é que em Portugal alguns partidos têm tido resistência à ideia da democracia europeia. Sem ela, quem vai ocupar o espaço vazio é o poder dos grandes interesses, dos grandes países, dos tecnocratas e dos burocratas. No Conselho Europeu, três países grandes bloqueiam tudo e não têm sequer metade dos cidadãos, a maioria da população europeia está em países de dimensão média ou pequena. É preciso contrariar esta lógica e podemos fazer alianças em que, por exemplo, estejam os progressistas de Portugal e da Alemanha, em que podem estar os conservadores de Inglaterra e da Holanda... Maiorias transversais aos países. Enquanto continuarmos com a lógica que tínhamos antes, vai ser a chanceler da Alemanha a mandar.

É mau ser a Alemanha a mandar?

É. Seria mau que fosse a Alemanha a mandar mesmo que os dirigentes alemães fossem muito iluminados, e não são, em relação a esta crise. Estaríamos sempre numa situação de dependência da boa vontade de um país mais forte e, já diziam os antigos, ser livre é não estar dependente da boa vontade de terceiros.

Havia outro país ou países em condições de liderar?

Os pedidos para que a Alemanha liderasse o processo desde o início da crise, que foram feitos pelo mainstream político, são equivocados e acabaram por criar a ideia de que a Europa estaria parada sem essa liderança, mas haveria sempre uma alternativa, a de liderarmos todos juntos, quem tivesse as boas ideias, quem marcasse a agenda... Os alemães têm de entender que a continuarmos com esta lógica de curto prazo vamos ter uma Europa permanentemente fracturada, sem que cada elemento encontre o espaço em que é bom e onde pode fazer a diferença em termos globais.

A ideia de que um político fique agarrado às promessas eleitorais não é utópica?

Isso é o que a democracia se propõe corrigir, não reelegendo políticos que não cumpram a sua palavra. O facto de introduzirmos um elemento democrático é o que vai permitir aos europeus terem escolhas, programas e agendas diferentes. Se não tivermos isso à escala europeia, que é onde, cada vez mais, as coisas são decididas, onde temos a moeda única, onde temos condicionalismos macroeconómicos, onde avaliamos orçamentos, nem sequer temos isso à escala nacional.

Como se resolve este dilema?

De duas maneiras. Ou correndo todos os riscos inerentes a uma fragmentação e a um fechamento dos estados- -nação, em que os instrumentos (emissão de moeda, políticas macroeconómicas, etc.) voltam aos estados-membros, com risco de conflitos em determinadas regiões do continente a curto e médio prazo e de a longo prazo termos uma Europa menos capaz de decidir o seu destino, ou fazendo subir as ferramentas da democracia à escala europeia, mantendo-as a nível nacional. Não pode ser como agora, em que um comissário como a senhor Olli Rehn faz grande parte do seu discurso a pensar nas eleições na Finlândia. Isto não tem nada de utópico, é o que se faz todos os dias noutras regiões do mundo. Em países como o Brasil ou os EUA, para se ganhar o executivo é preciso construir uma maioria social. Para eleger Lula foram precisos os intelectuais de São Paulo e os trabalhadores da indústria e os pobres do Nordeste. Nos EUA, Obama tem uma maioria de minorias: as duas costas, os mais educados, os negros, os pobres...

A diferença é que a União Europeia não é um país...

Mas essa não é uma diferença inultrapassável. Nos últimos anos tem havido um debate europeu, já existem escolhas europeias: austeridade ou expansionismo, mercado ou sociedade, e é extensível a todos os países da União. Há alemães anti-austeridade e portugueses pró-austeridade, o que é preciso é que isso seja canalizado para eleger um executivo. O que me preocupa hoje é a existência de um certo cinismo que nos leva a baixar os braços. Se a democracia é imperfeita, levantemos os braços e façamo-la melhor. Como dizia Platão, o castigo para quem não acredita na política e não se interessa por ela é ser governado por pessoas piores.

O que o leva a fazer, agora, o partido Livre?

Várias coisas... Uma delas é que a passividade neste momento não é uma opção. Eu hoje não saberia em quem votar e isso fez-me, de certa forma, acordar. Ser passivo é ser cúmplice da degradação da democracia. Outra razão tem a ver com o espaço político em que me situo, que é o da esquerda, em particular o meio da esquerda, como gosto de me definir, onde o défice de representação é maior ainda.

Qual é o meio da esquerda, já que à esquerda temos PCP, BE, PS?

Temos uma ala esquerda de excelente qualidade no PS, mas que não é determinante para as escolhas do partido. E tínhamos, já temos muito pouco ou quase nada, uma ala mais aberta, social- -democrata e libertária, no Bloco de Esquerda, que também não determinava grande coisa e foi sendo empurrada e agora não determina nada. É preciso dar força e voz às pessoas que estão no meio da esquerda e não são nem a favor de uma certa moleza do centro-esquerda (PS) nem de uma política inconsequente (BE) de oposição e resistência que não muda as coisas.

O que falhou no Bloco de Esquerda?

Partilho muitas coisas com os militantes do Bloco de Esquerda, mas houve uma lógica de dirigismo que a certa altura cristalizou e impediu a abertura do partido. Nunca fui militante do BE, mas votei muitas vezes no BE, aconselhei muitas vezes ao voto no BE, porque havia uma promessa de abertura que falhou.

Como e porquê?

Por exemplo, os militantes de Caminha quiseram fazer uma coligação com o PS para mudar a política local, mas a direcção nacional não quis... Ou pediu-se a nove pessoas que já estavam nas listas da Assembleia da República que saíssem de cena e dissessem ao parlamento que não queriam ocupar o lugar de deputados, porque alguém na direcção escolheu a 14.a pessoa... Ou quando se propôs uma ideia como a das primárias abertas a reacção foi até de uma certa agressividade. Vê-se a abertura.

Quem se opôs a tudo isso?

Em relação às primárias abertas houve um Francisco Louçã muito claro a rejeitar esta possibilidade, supostamente defendendo os militantes, mas, na prática, defendendo privilégios que são os privilégios de numa direcção só poder ter representação por convite.

Quem manda no Bloco de Esquerda?

O que me parece é que muita gente não se sente representada por nenhum partido, neste momento. Todos os dias representantes de vários partidos me dizem: "Ah, tu queres que eles oiçam os simpatizantes e os cidadãos, mas eles nem a nós nos ouvem!" Portanto, chegamos ao século xxi em Portugal com partidos que não têm suficiente abertura e não partilham o seu processo decisional. Portugal é um país de exclusão política, é um país em que toda a gente pode eleger - e nisso é uma democracia -, mas em que podem ser eleitos os escolhidos por seis pessoas, entre líderes e secretários-gerais de partidos.

Não é assim em todo o lado?

Não, deixámo-nos atrasar no progresso democrático. Há uns tempos perguntei a um colega português se seria ou não candidato... Resposta: "Isto é um lugar por convite, se for convidado, venho. Se não for, não venho." Não é isto que oiço dizer aos meus colegas holandeses, alemães, britânicos, franceses, espanhóis quando chega esta fase. Só aos portugueses e, eventualmente, aos dos países de Leste. Nos países com que cada vez mais nos podemos comparar o que se ouve é dizer que tem de ir falar com as bases, com os simpatizantes, é-se eleito e não convidado. Isto tem uma influência enorme na política que se faz, não se está dependente de meia dúzia de pessoas, está-se dependente de votos.

O Livre, partido que está a fundar, será diferente?

Dos 19 partidos registados no Tribunal Constitucional não há um que faça escolhas abertas para as suas listas de deputados. No máximo, em alguns partidos, há quotas para as federações, que também estão inquinadas por sindicatos de votos, compras de quotas, compras de votos, etc.

Qual a fórmula ideal?

Há um ano e meio lançámos um manifesto para uma esquerda livre. Nessa altura estávamos a mais de um ano das autárquicas e fizemos uma proposta para o Porto, que poderia ser extensível a outras cidades. O Porto era governado pela direita, corria-se o risco de passar directamente de Rui Rio, do chamado populismo autoritário, para o populismo um bocadinho estouvado de Luís Filipe Menezes. A nossa proposta era que os partidos e os movimentos de esquerda se encontrassem no Porto, se reunissem com a sociedade civil, vissem onde os desejos para a cidade coincidiam e construíssem um programa. Isto foi proposto com tempo suficiente para poder ser feito e, em vez de a grande novidade das autárquicas ter sido uma candidatura independente que veio da direita, teria sido uma candidatura cidadã que vinha da esquerda.

O Livre não vai dividir ainda mais a esquerda?

Não vimos para acrescentar mais um e dividir ainda mais, vimos para propor mecanismos de convergência. Mais uma vez, está a ser proposto com tempo suficiente para ser feito. Não nos esqueçamos que o Parlamento Europeu permite que os deputados, mesmo que eleitos em listas conjuntas, se distribuam pelos grupos políticos que têm mais a ver com a sua ideologia. Ou seja, nada impede que haja uma lista conjunta da esquerda ao Parlamento Europeu. No entanto, a direita vai conjuntamente e a esquerda não. Nunca tivemos um governo ancorado à esquerda e essa é a maior lacuna no sistema político português e que tem deixado frustradas, enganadas, muitas pessoas num país que tem uma maioria social de esquerda.

Os militantes e também dirigentes virão das outras esquerdas?

Podem vir desses partidos e até poderão continuar nos partidos em que estão. Na organização do partido existirão, desde logo, duas categorias de participação: os militantes e os apoiantes.

Isto também há, de certa forma, no PS, por exemplo...

É verdade. Mas temos essa obrigação na declaração de princípios e também nos estatutos. As nossas assembleias de deliberação são abertas a pessoas de fora. Qual a identidade do Livre?

Temos quatro pilares ideológicos que são também áreas de trabalho. Liberdade e direito cívicos, em particular numa nova era, da internet, da privacidade, da protecção de dados, é o pilar um. O pilar dois é o dos temas mais tradicionais da esquerda: igualdade, justiça social, desenvolvimento, defesa do bem público. A terceira área é a da democracia e a quarta a da ecologia política.

O nosso sistema eleitoral precisava ser alterado?

Não há sistemas eleitorais perfeitos. Já tivemos sistemas eleitorais muito diferentes, que foram desvirtuados de uma maneira ou de outra. O que acho essencial é que se introduza em Portugal uma cultura diferente fazer política. A Islândia também teve o FMI, mas as duas esquerdas, a mais radical e a do centro esquerda, trabalharam juntas e conseguiram preservar a maior parte do seu Estado social e já se viram livres do FMI. Em Portugal isso não se faz. Na Dinamarca o governo é apoiado por trotskistas, socialistas, verdes... Somos nós que somos mais espertos? Podemos estar todos contentes porque somos mais de esquerda do que o vizinho, isso é um passatempo normal à esquerda, mas a única coisa que conseguimos é ter a troika a governar e uma direita que quer mudar a Constituição. Vale a pena sermos todos muito muito puros e, depois, quem ganha é a direita? Os dados estão na mesa.

Já têm aparecido alguns partidos, com eventuais picos de votação, mas que acabam por perder força. Pensou no êxito eleitoral?

Talvez por isso seja tão importante serem partidos de bases e não tanto centrados em figuras carismáticas, ou seja, serem partidos mais da abertura e menos da personalização. Muitos dizem que não há espaço, mas ninguém disse até agora que não há necessidade. "Não há espaço" é um argumento feudal.

Disse que queria um partido mais reaccionário. Pode explicar?

Historicamente faz parte da natureza da esquerda propor, ter um programa, uma visão da sociedade, desde o séc. XVIII que é assim. Em geral, a direita tem sido reaccionária, tem tentado impedir o tipo de progresso que a esquerda desejava e propunha. Em geral, os conservadores estão na direita. Aconteceu nos últimos anos uma inversão de polaridade que é muito preocupante para quem está à esquerda: a direita marca a agenda com uma série de coisas que, do meu ponto de vista e do ponto de vista de quase toda a esquerda, são indesejáveis: privatizar, austeridade, fragmentar a escola pública, dividir a segurança social ao meio com uma parte privada e uma parte que vai, fatalmente, ser descapitalizada, mudar a Constituição, o tratado orçamental europeu... Ou seja, a direita está na ofensiva e a esquerda está na defensiva, dividida entre os que vão cedendo um bocadinho e os que se recusam a negociar. A esquerda tem de virar completamente o jogo. Tem de voltar a encontrar em si, nas suas ideias, no seu discurso, a maneira de propor um modelo para o país e para a Europa. Tem de voltar a falar à classe média e aos trabalhadores.

Tem propostas concretas?

Por exemplo, uma reforma na fiscalidade que implique ir buscar mais recursos a partes da economia que hoje são pouco intensivas em termos de trabalho. Há muitas empresas que facturam milhares de milhões mas pagam poucos impostos porque, no fundo, têm uns poucos milhares de trabalhadores. Mas para funcionar dependem do nosso Estado de direito, do nosso sistema de educação, dos nossos tribunais. Outro sector que queremos que seja activo é o cooperativo.

Devem ser os contribuintes a suportar os constantes prejuízos de empresas públicas mal geridas? É mau serem os que ganham mais a financiar a saúde dos que não podem? O estado não pode financiar uma boa escola privada se esta consegue melhores resultados que a pública?

A precaução que a esquerda tem e deve ter é a de que as provisões são cruciais para uma sociedade agora e no futuro. Mas há, de facto, uma coisa que eu acho: a esquerda não deve confundir socialismo com estatismo, temos isso na nossa declaração de princípios.

Alterar ou não a Constituição muda assim tanta coisa, tendo em conta que tudo o que lá vem é na medida do possível?

Este governo quer mexer na Constituição para retirar dela direitos económicos e sociais que estão consagrados na maior parte das constituições do pós-guerra. O objectivo da Constituição é garantir que os governos têm políticas tendentes no sentido do emprego, por exemplo.

Algum governo, no perfeito juízo, quer ter políticas activas de desemprego?

Este. Não está é no seu perfeito juízo, mas quer. Foi o que a troika veio dizer. Acabámos por ser governados em Portugal e na Europa por uma minoria activista que vai contra a letra das constituições dos Estados-membros e dos tratados da União Europeia.

A União Europeia devia ter pedido ajuda ao FMI?

Nunca. Aliás, não só não deveria como, do meu ponto de vista, não sei se poderia. Infelizmente nenhum governo, os únicos que podem fazê-lo, levou essa questão ao Tribunal da União Europeia. A mim parece-me que não há base legal para o tipo de cooperação que a União Europeia e o FMI fazem na troika. Quem é que manda exactamente na troika? Como é que as decisões são tomadas? Na União só podemos dar poder decisional a uma instituição depois de alterar os tratados, sempre que quero avançar na área das liberdades, dos direitos fundamentais, é a resposta que obtenho da Comissão: só mudando os tratados. Onde está o acordo entre a União Europeia e o FMI?

E do ponto de vista político e técnico, foi uma boa ideia?


Juridicamente não tem cabimento nenhum, não tem base legal, não há um acordo entre a UE e o FMI que diga que o FMI deve dar assessoria técnica à zona euro, por exemplo. Do ponto de vista político é um disparate enorme, mostra que a Europa não conseguiu resolver os seus problemas sozinha, o que para uma das maiores economias globais é, no mínimo, bizarro. Tecnicamente é uma desgraça, porque o FMI estava habituado a trabalhar com países que tinham moeda própria ou que tinham saído de paridades fixas com outras moedas, como aconteceu na Argentina. Toda a metodologia está centrada em países que podem desvalorizar a sua moeda. Mais, o FMI está a fornecer uma capa à Comissão Europeia e ao BCE para eles aplicarem políticas que, no fundo, são contrárias aos objectivos que estão nos tratados: sem o FMI teríamos muito mais facilidade em ter apertado com o BCE e com a CE para dizer o que pode ou não pode ser. 

1 comentário:

Anónimo disse...

é mesmo um mentiroso carreirista e oportunista