sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Textos de João César Monteiro serão lidos, mas não por Poiares Maduro. Ministro Poiares Maduro cancela a sua leitura de textos de César Monteiro. Carta aberta sobre João César Monteiro lido por um político, anúncio feito pelo produtor Paulo Branco


Textos de João César Monteiro serão lidos, mas não por Poiares Maduro


Polémica em torno do festival de Paulo Branco gerou carta aberta e cancelamento da presença do ministro. Leitura da obra necessita de autorização do detentor dos direitos.

A sessão de homenagem a João César Monteiro no Lisbon & Estoril Film Festival contará neste sábado com a deputada Isabel Moreira a ler textos do emblemático realizador, mas não com outro dos Leitores Improváveis que estava inicialmente previsto. O ministro do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, demarcou-se sexta-feira do evento “por não querer dar à leitura uma dimensão política", segundo disse ao PÚBLICO fonte do seu gabinete.
Uma carta aberta subscrita por realizadores como Pedro Costa, Margarida Gil e Manoel de Oliveira e por escritores e artistas como Herberto Helder, Maria Velho da Costa ou Rui Chafes criticava sexta-feira no PÚBLICO a iniciativa do festival organizado pelo produtor Paulo Branco. A missiva, entretanto transformada em petição online, lamentava o “abuso puro e duro” que é “branquear, neutralizar, festivalar o furor interventivo, manifestamente Anti-Sistema, do cineasta, assim posto à mercê de tais canibais homenageantes”, além de referir que não foi pedida qualquer autorização ao detentor dos direitos da obra (o filho do realizador, João Pedro Monteiro Gil), para esta leitura pública. Paulo Branco não quis prestar declarações.
Manuel Lopes Rocha, advogado especialista em direitos autorais na sociedade de advocacia PLMJ, explicou ao PÚBLICO que "é sempre preciso pedir autorização ao detentor dos direitos", quer se trate de cartas, excertos de livros ou outros textos, "porque uma leitura pública é uma interpretação do texto. Qualquer representação de uma obra tem de ter a autorização do detentor dos direitos". E, acrescenta o perito, se houver inéditos nas leituras cuja edição esteja prevista futuramente pela família, "o herdeiro tem o direito ao inédito".
A realizadora Margarida Gil, uma das signatárias do texto, disse ao PÚBLICO que César Monteiro (1939-2003) “nunca permitiria uma coisa destas”. “Não ponho de lado que tenha havido uma intenção de fazer uma homenagem”, ressalva sobre o intuito de Branco, que produziu muitos trabalhos de César Monteiro, como Branca de Neve ou As Bodas de Deus, “mas pôr um ministro, um governante, a ler um texto do João César é desfavorecer e desprezar ainda mais o cinema em Portugal”.
Leitores Improváveis, com entrada livre, está agendado para este sábado, às 17h, no Museu de História Natural, em Lisboa, estando ainda previstas leituras de textos de João César Monteiro por Isabel Moreira, pela psicóloga Joana Amaral Dias, pelo arquitecto Manuel Graça Dias, pelo escritor Jorge Vaz de Carvalho ou pela actriz Alexandra Lencastre. Ao final da manhã de sexta-feira, fonte do gabinete de Poiares Maduro disse então que o convite de Paulo Branco foi aceite "a título pessoal" pelo governante, que terá deixado "claro que havendo algum constrangimento ou situação que causasse ruído pela sua presença, por não querer dar à leitura uma dimensão política" repensaria a sua participação. Assim, segundo a mesma fonte, Poiares Maduro "não vai à leitura porque não quer que o foco [do evento de homenagem] se desvie".
Isabel Moreira, questionada sobre a polémica em torno da leitura destes textos por agentes políticos, responde: "Não estou amputada dos meus direitos cívicos por ser deputada. Leria um texto do João César Monteiro há dez anos", sobretudo pela sua pela “escrita insubordinada”. Há evidentemente uma empatia entre a minha forma de ver a escrita e o facto de ser o João César Monteiro, com textos altamente insubordinados, nomeadamente a contestar a política cultural" e que hoje devem ser relidos, rematou. Poiares Maduro iria ler uma carta de João César Monteiro de Maio de 1993, onde o realizador declarava ao então Instituto do Cinema Português nada querer ter a ver com o cinema português, proibindo a exibição de dois filmes seus num festival.
O realizador Joaquim Pinto foi produtor de João César Monteiro em Recordações da Casa Amarela e centra a polémica em torno deste evento na questão da autorização por parte da família, frisando que “o trabalho e os textos do João César são incorruptíveis pelos poderes. Ser lido por esta ou outra pessoa em qualquer contexto não tem grande importância".
Já Ana Isabel Strindberg, companheira de anos de João César Monteiro e sua assistente de realização, estava "absolutamente indignada e entristecida que um festival como este, dirigido por Paulo Branco, que foi produtor do João César Monteiro, não se preocupe com os filmes" do realizador e se foque sim nos seus textos. "A melhor forma de homenagear um cineasta é exibir os seus filmes em boas condições". Restaurados, algo que, considera, urge fazer dado o estado em que se encontram as cópias existentes, quer as dos filmes produzidos por Branco (e vendidos à ZON) quer as dos títulos produzidos pela RTP.

Margarida Gil adiantou também que "a obra escrita total de João César Monteiro – guiões, textos e outros escritos – está já a ser coligida, por ordem cronológica" para uma edição ainda sem data pela Letra Livre em colaboração com a Homem do Saco, além da reedição dos textos já publicados. O filho de João César Monteiro, João Pedro Monteiro Gil, terá decidido que as receitas provenientes da venda dessas futuras obras reverterão a favor da recuperação dos negativos dos filmes do pai.

Poiares Maduro já não vai fazer uma leitura de um texto de João César Monteiro

Ministro Poiares Maduro cancela a sua leitura de textos de César Monteiro

Poiares Maduro não irá estar presente no tributo do Lisbon & Estoril Film Festival. Uma carta aberta subscrita por realizadores como Pedro Costa, Margarida Gil e Manoel de Oliveira critica esta sexta-feira a iniciativa.
O ministro do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, não irá estar presente na leitura de textos do realizador João César Monteiro num tributo agendado para sábado no âmbito do Lisbon & Estoril Film Festival. Uma carta aberta subscrita por realizadores como Pedro Costa, Margarida Gil e Manoel de Oliveira e por escritores e artistas como Herberto Helder ou Rui Chafes critica esta sexta-feira a iniciativa.
Fonte do gabinete de Poiares Maduro disse ao PÚBLICO que o convite feito pelo produtor Paulo Branco, organizador do evento intitulado Leitores Improváveis e agendado para amanhã no Museu de História Natural, em Lisboa, foi aceite "a título pessoal" pelo governante, que terá deixado "claro que havendo algum constrangimento ou situação que causasse ruído pela sua presença, por não querer dar à leitura uma dimensão política" repensaria a sua presença.
Assim, diz a mesma fonte, Poiares Maduro "não vai à leitura porque não quer que o foco [do evento de homenagem] se desvie" para uma dimensão política.
A deputada socialista Isabel Moreira, também convidada para participar no evento, confirmou esta manhã ao PÚBLICO que estará presente para ler textos do realizador. Além de Isabel Moreira, estão previstas as presenças da actriz Alexandra Lencastre, a psicóloga Joana Amaral Dias, o arquitecto Manuel Graça Dias ou o escritor e cantor lírico Jorge Vaz de Carvalho.
Um conjunto de personalidades ligadas às artes assina esta sexta-feira uma carta aberta no PÚBLICO em que critica o “abuso puro e duro” que é “branquear, neutralizar, festivalar o furor interventivo, manifestamente Anti-Sistema, do cineasta, assim posto à mercê de tais canibais homenageantes”. Margarida Gil, uma das signatárias do texto, descreveu esta manhã a carta como “um manifesto de indignação pela falta de escrúpulos”, acrescentando que João César Monteiro “nunca permitiria uma coisa destas".
Paulo Branco, contactado esta manhã pelo PÚBLICO, não quis prestar declarações.

Carta aberta sobre João César Monteiro lido por um político, anúncio feito pelo produtor Paulo Branco

Ao abrigo de uma festividade festivaleira que escorre entre as bandas do Casino Estoril e a capital, e sob a batuta do incansável empreendedor Paulo Branco, aliaram-se as aspas do "cinema" às aspas da "literatura" e outros demais resíduos das "animações culturais" e vá de promover uma " leitura de poemas" do João César Monteiro (sem água-vai ao filho do mesmo que é quem detém os direitos autorais do poeta-cineasta).
O esbulho, à sorrelfa, até terá tido sua razão de ser: a haver pedido de autorização para aquele " momento de arte", a resposta consistiria apenas numa palavra: Não. E assim é, ou foi, que a desfaçatez ganhou direito sobre a decência e o direito.
Mas o pior está para vir. É que no rol dos "eventos" que complementam o barulho das  luzes "cinematográficas"', insiste-se no ítem João César Monteiro – à laia de "homenagem" pelos 10 anos decorridos sobre o seu falecimento – agora com um ministro, rodeado por numeroso séquito hemicílico, a ler uma carta do César a um organismo estatal e sabe-se lá mais o quê de igual jaez e esperta solicitude. Que "eles" comem tudo, está na canção e na sabedoria popular, por (forçada) experiência própria. Mas "que não deixam nada", já é de contestar. Porque deixam: deixam um rasto repulsivo, que soma ao abuso puro e duro o intuito subjacente de branquear, neutralizar, festivalar o furor interventivo, manifestamente Anti-Sistema, do cineasta, assim posto à mercê de tais canibais homenageantes.
A tempo, seria caso de apelo à vergonha-na-cara dos responsáveis pela coisa, levando-os a cancelar o vilipêndio e ficarem muito quietinhos a ver fitas.
Mas não há que esperançar. Com o concurso de um ministro-e-tudo, o evento lá se levará a termo, sem que o vento o leve.
Que fique no entanto expresso, por este meio, a par da elementar indignação, o nosso mais vincado repúdio face a uma operação "política" a todos os títulos repugnante.

Manoel de Oliveira, Herberto Helder, Manuel Gusmão, Pedro Tamen, Maria Velho da Costa, Armando Silva Carvalho, Manuela de Freitas, José Mário Branco, Alberto Seixas Santos, Pedro Costa, João Queiroz, Rui Chafes, João Fernandes, Vitor Silva Tavares, Margarida Gil, João Pedro Monteiro Gil

Sem comentários: