domingo, 24 de novembro de 2013

Lucidez ou tacticismo?


Lucidez ou tacticismo?
 Editorial / Domingo / Público
O Presidente tem tudo a ganhar com o pedido de fiscalização da lei de convergência das pensões

O Presidente, Cavaco Silva, decidiu, no último dia do prazo, pedir ao Tribunal Constitucional para analisar o projecto de lei do Governo que prevê um corte de 10% nas pensões dos funcionários públicos acima dos 600 euros. Optou portanto por uma medida popular.

Politicamente, o Presidente não só não tem nada a perder como tem, na verdade, tudo a ganhar.

1. Não há consenso nacional sobre a reforma do Estado e, em particular, sobre os cortes aos pensionistas, pelo que Cavaco surge aos olhos dos portugueses como o Presidente que compreende o seu povo. Fez até uma lista tão exaustiva dos possíveis princípios cuja constitucionalidade pode estar a ser violada que, ontem, a oposição só conseguiu acrescentar dois.

2. Só o Governo e a troika acreditam nesta medida, pelo que Cavaco apresenta um novo argumento para ser visto como o Presidente que não favorece o seu próprio partido.
3. O controverso diploma da “convergência das pensões” iria, mais tarde ou mais cedo, chegar ao Tribunal Constitucional, uma vez que a oposição dissera que, se o Presidente não pedisse o crivo supremo antes de a lei entrar em vigor (fiscalização preventiva), o faria no seu primeiro dia de vida (fiscalização sucessiva). Cavaco, o Presidente que antecipa.

4. Ao pedir uma fiscalização agora, o Presidente permite que haja uma decisão rápida, uma vez que o Tribunal tem apenas 25 dias para se pronunciar, por contraste à fiscalização sucessiva, na qual não há prazo predefinido, podendo por isso arrastar-se a análise por meses, ao ponto de ultrapassar o próprio programa de ajustamento, que termina em Junho. Cavaco, o Presidente que age.

5. Ao mesmo tempo, com este pedido, o Presidente simplifica, suaviza e retira pressão ao Tribunal Constitucional, pois é mais fácil e menos constrangedor os 13 juízes analisarem e pronunciarem-se sobre um projecto que ainda não está em vigor, do que seria fazê-lo sobre algo que já é uma lei, ou seja, sobre uma decisão de um governo legitimamente eleito. Cavaco, o Presidente que respeita o Tribunal e a Constituição.

6. Com este gesto apesar de tudo previsível — e que ao mesmo tempo minimiza o impacto impopular que o seu não pedido de fiscalização do Orçamento do Estado certamente lhe trará —, Cavaco recupera alguma da credibilidade perdida.


Se o Tribunal Constitucional deixar passar a lei das pensões, o Presidente pode seguir o mesmo caminho e simplesmente promulgá-la. Fica no entanto livre para a vetar. Se o Tribunal a chumbar, é certo que Cavaco fica sem espaço de manobra. Mas sabendo que, a haver um chumbo, tal aconteceria com ou sem a sua ajuda, o Presidente sai com um papel reforçado, independentemente de o ter feito por lucidez ou por puro tacticismo.

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